sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

DE BRASÍLIA A SC DE CAIAQUE PARTE 1 ATÉ GUAÍRA










Carta de um viajante
Queridos amigos, estou inaugurando esta lista (de e-mails) com uma mensagem; espero que seja a primeira de muitas.
Àqueles que estão lendo, considero meus amigos e por isto quero dividir com vocês as emoções de uma aventura pelo interior de nossa América.
Como já não estou mais 0 km, cheio de fraturas, hérnia de disco e pedras no rim, não posso garantir que vou longe, pois essa aventura pode durar apenas um dia ou seis meses.
O plano é sair de Brasília pelo rio S. Bartolomeu (que não tenho a mínima idéia de como é, se tem corredeiras, cachoeiras, cobras ou lagartos).
Para complicar, seguirei com um caiaque de 5,20 m, impróprio para corredeiras, aliado ao fato de mais uns 40 kg de carga, o que vai impossibilitar o transporte por terra, então terei que me virar fazendo rapel e cruzando os obstáculos como puder à medida que surgirem.
Bueno, eu só queria dividir as alegrias e as tristezas com vocês.
Dia 16/06/05 estarei seguindo 1700 km até Brasília com o Aldo (e talvez com o Robson) e dali inicia mais uma aventura entre tantas outras.
Acho que nosso destino já vem escrito e por isto o nome do barco ficou sendo MAKTUB (já estava escrito, em árabe).
Serão 3.555 km até B.Aires pela bacia do R. Paraná e Prata; dali mais de 1.500 km pelos mares do sul até Porto Alegre e dali para Florianópolis, um total de mais de 5.000 km.
Tem tudo para dar errado, as cachoeiras, corredeiras, represas, doenças, cobras venenosas, sucuris, jacarés e piranhas, além de traficantes e ladrões.
Depois de tudo isto terei o mar gelado do sul e as ondas onde terei meu batismo, pois nunca naveguei pelo mar com este caiaque argentino, dos meus “irmãos” de Rosário.
Acontece que as pessoas idealizam sonhos, correm atrás de horizontes e se tornam infelizes se abdicam das coisas sem tentar.
Eu sou apenas mais um, é muito bom cada um fazer o que gosta, apenas isso, sem querer ter a pretensão de achar que o seu caminho é o melhor ou mesmo que os outros devam seguí-lo. O mais importante é cada um sentir-se bem consigo mesmo e seguir seu próprio rumo; sem a frustração de achar que podia ter feito algo e não ter tentado.
Se ficar pelo caminho estarei fazendo o que gosto!
Bueno, se eu estiver realizando o sonho de alguém e conseguir transmitir um pouco de luz no dia a dia dos que ficam, terá valido a pena.
Um abraço forte a todos e espero que voltemos a nos rever além de terras e através do sempre.
Hasta la vista.

Parte do trajeto que acabou sendo executado, seis meses depois...
Domingo dia l9/06/05 -
Em algum lugar do Rio São Bartolomeu – 07h00min
Após rodarmos (eu e o Aldo Speck) 2.035 km (pelo hodômetro do carro), achamos o local de partida.
Saímos de Florianópolis no dia 16/06/05, da casa do Aldo, onde dormi.
Saímos às 08h30min e seguimos para Curitiba, dali para Ponta Grossa (PR) e Ourinhos (SP). Estradas boas e pedágios bem caros.
Já noite, seguimos para o norte até chegarmos a Prata, já em MG.
Dormimos num hotel bom e barato. Rodamos l200 Km.
17/06/05
Na manhã seguinte fomos até Uberlândia e dali para o Norte, até cruzarmos o Rio Paranaíba (lindíssimo), já em Goiás.
A viagem foi boa e seguimos até passarmos a ponte do rio S.Bartolomeu. Paramos ali e fiquei emocionado ao ver o rio pela primeira vez. Sei que minha vida vai mudar depois disto tudo.
Achei o local lindíssimo e não vi nada que me parecesse perigoso, o rio descia forte e tranqüilo entre as matas da margem; tirarmos algumas fotos e seguimos em frente.
Seguimos até Brasília aonde chegamos às l5 h, depois de rodarmos mais de l700 Km.
Seguimos até o Lago Paranoá, vimos a barragem do lago (onde a água sai por enormes tubulações em direção da hidrelétrica que há mais abaixo). Resolvemos encontrar o local onde eu deveria iniciar a viagem ainda hoje.
Seguimos para o norte para acharmos um ponto de desembarque.
Tentamos dois, mas o rio apresentava uma correnteza muito forte, mata quase tocando o rio e curvas acentuadas.
Como manobrar um pesadíssimo caiaque de 5,20m entre os galhos naquela correnteza? Impossível!
Tentamos mais dois pontos até chegarmos numa porteira, já em uma estrada de terra com um pó terrível.
Encontramos uns caras tomando cerveja, eles brincam:
- Cuidado com as sucuris!
Querem me assustar, penso eu!
Nunca ouvi falar que havia sucuri por Brasília, acho que vou encontrá-las só pelo Mato Grosso...
Para falar a verdade, eu nem sabia que havia rio em Brasília apenas quatro meses antes quando fomos pescar no R Uruguai e vi (no mapa rodoviário) que havia uma linha azul que descia de Brasília para o sul e chegava no R Paraná.
O plano original era descer o rio Tiete!
O sócio foi abrindo as porteiras até que chegamos ao rancho do seu José Lemos (muito simpático).

Conversamos e fomos a pé até a beira do rio, seguindo uma trilha inclinada e difícil.
Ruim também, o rio continuava sinuoso e corria com uma infinidade de mata, paus e galhos sobre ele. Droga!
Para cruzar por ali só com uma moto-serra adaptada na proa, o rio não tinha mais que 7 m de largura.
Já era noite e seguimos pela estrada de chão por uns 15 a 20 km até pegar asfalto de novo, em direção a Unaí (MG). Seguimos uns 140 km para o Sul e dobramos para Oeste até chegar a uma ponte sobre o Rio São Bartolomeu, distante uns 20 a 30 km por estrada até o Lago Paranoá.
A ponte fica há 5 km (para o sul) da foz do R Paranoá no Rio São Bartolomeu.
Nesta brincadeira, de encontrar o local para iniciar a viagem, fizemos 300 km. Achamos o local no escuro, só iremos saber como realmente é ao voltarmos aqui, amanhã.
O R Paranoá foi represado, formando o lago de mesmo nome.
Da represa, ele desce por dentro de enormes tubulações que o levam até uma usina Hidrelétrica, depois dela, quase no R São Bartolomeu, ele segue livre entre as pedras por menos de 5 km até sua foz.
A altitude média de Brasília é de 1100 metros, certamente haverá cachoeiras e corredeiras. Olhamos dali de cima da ponte e o rio era um pouco mais largo, uns l0 m talvez. Tinha correnteza, muitas pedras, mas pareceu que daria para manobrar. Não dava para ver direito, no escuro.
Local de partida escolhido, voltamos para Brasília e passamos pela ponte JK sobre o Lago Paranoá, coisa de cinema.
Três arcos lindos com enormes cabos e super iluminada com as luzes de BRASÍLIA ao fundo. Um espetáculo!
Fomos ao shopping (PIER 21) às margens do lago, liguei para a mãe e depois fomos tomar chope olhando as belas mulheres da city. SHOW!
Falei com Xis, irmão do Salsicha, e depois de nos perdermos e rodarmos sem parar atrás de hotel (eram ruins e sem estacionamento), fomos à direção da periferia.
Como eu quis dirigir o tempo todo, estava “podre” e irritado por não encontrar local para descansar!
Fomos circulando sem destino até que chegamos a Taguatinga onde nos hospedamos em um hotel de “zona”, pelo menos tinha estacionamento.
Resultado: acordei de madrugada porque havia um bate-boca entre a “prosti-empresária” e um cliente que não havia pagado o serviço, daí ela tomou o celular do cara e o “barraco” estava armado...

18/06/05 sábado 1° dia de viagem
O ponto de partida
Acordo de manhã, a exemplo de ontem, o Aldo tomou banho antes e quando foi minha vez, o chuveiro estava com a resistência queimada! Brincadeira!
Comemos algo na Padaria ao lado e depois fomos tirar umas fotos na Catedral de Brasília, no Congresso e no Palácio do Planalto.
Depois fomos para a ponte que vimos de noite, fica a 25 km do Lago Paranoá, na estrada que liga Brasília a Unaí (MG), 5 km abaixo da foz do rio Paranoá no rio São Bartolomeu. Uma descida íngreme, o bar de Luci ao lado, muitas idas e vindas para deixar tudo ao lado do rio. Tive que sacar a roupa de neoprene, blusão de lã e outras coisas. Quase uma caixa de bebidas cheia de coisas que não couberam tiveram de voltar com o Aldo.
Levarei apenas duas bermudas, duas camisetas e um abrigo para dormir, além do casaco de chuva com capuz, de plástico.
Há um dos tubos que leva diversas pilhas de reserva. Só ele pesa dois quilos...
Fomos levantar o caiaque e fiquei apavorado com o peso. Como manobrar um tanque de 5,20 metros nas corredeiras? Nem consigo me mexer direito dentro do cockpit, pois há uma infinidade de coisas por dentro, como remo de reserva desmontável (de fibra de carbono que ganhei do meu amigo Paulo Aires, fabricante dos caiaques e remos AKULA), mapas rodoviários e garrafas de água. Pavor, angústia, medo e mais alguma coisa.
Aldo arrumando algumas coisas no km 0 Sob a ponte A primeira foto antes de iniciar
Fiquei sem fome e não comi nada do que Luci fez para nós. Havia um amigo policial muito camarada e Heitor, que desceu o São Bartolomeu de canoa canadense por 15 dias.
Heitor já fez o São Bartolomeu com uma canoa canadense e deu diversas dicas e advertências. Confirmou o que o policial dissera, de que há sucuris mesmo!
Falou dos estreitos como a Garganta do Diabo, cachoeiras, linhas com anzóis que atravessam o rio de fora a fora e que ficam acima da linha d’água. Apesar de uma série de alertas dos perigos do caminho, ele dizia: Tu vais conseguir! Resolvo dar uma voltinha ali, na frente deles, para ver como é. Eu nunca tinha andado com o caiaque carregado, muito menos em uma corredeira.
Essa é a ponte onde tudo iniciou, o km “0” dos 6.050 km...
[AI1]
Fiquei apavorado com a dificuldade para manobrar, aliado ao fato de que eu não sabia se ele afundaria se virasse com toda aquela carga. Então resolvi encher um flutuador e amarrei-o na proa. Teoricamente não afundará, mesmo que os compartimentos encham.
Desci um pouco o rio e, ao subir uma pequena torrente, quase virei. O lado positivo é que consegui subir contra a correnteza, o caiaque é muito hidrodinâmico de frente, de lado é um horror!
É arrastado com força até que eu o coloque de bico contra a corrente.
É claro que não vou utilizar a capa, se ele virar na correnteza, quero mais é tirar o “meu” da reta. Além do que, não aprendi a fazer direito o “rolamento”, a manobra que se faz ao virar o caiaque, fazendo com que volte a posição normal com o remo, sem sair dele.
Então eu penso no que estaria fazendo agora, assistindo aqueles sofríveis programas de auditório, o “refugo” que as emissoras de TV aberta nos empurram para forçar-nos a pagar por TV a cabo.
Pensando nisto, crio coragem para entrar no caiaque, é melhor o “suicídio” do que assistir a um programa de sábado.
Bueno é aquela estória do: “não passa nem um alfinete”.
Dizer que estava apavorado era pouco!
Desde que chegamos até o momento de partir, mais de três horas se passaram.
É a terceira vez que o Aldo me leva para uma indiada, foi aquela do caiaque e do windsurf em 2000, a travessia (da margem leste para a margem oeste - 70 km) da Lagoa dos Patos em 2001, apareceu na saída na ponte de Floripa o ano passado (Floripa até a Guarda do Embaú pelo mar) e agora; eu o considero um baita amigo!
Desta vez ele pergunta se eu não quero desistir... Ele nunca fez isto antes! Acho que ele percebeu como estou me sentindo, mas eu nunca desisto sem tentar, apesar de achar que sou um homem condenado.
Como é difícil para mudar a nossa rotina, sair dos trilhos.
Finalmente!
Despeço-me de todos, entro no caiaque às 15 h e passo pela 1° correnteza, logo sob a ponte.
Heitor acena e incentiva lá da ponte enquanto Aldo filma a partida.
Eu não tenho tempo nem de relaxar, pois o rio é uma corredeira só ali.
Há uma infinidade de paus e pedras, troncos submersos e galhos debruçados sobre as águas.
Cerca de 100 m adiante, o caiaque choca com um tronco submerso na corrente e começo a virar.
Por sorte, o remo encontra um tronco submerso onde encontro apoio e faço o Maktub voltar à posição normal. Para quem viu de longe, deveria parecer que eu fosse um “expert”!
Que começo!
Levanto o remo como último aceno e desapareço da vista deles na primeira de milhares de curvas que terei pela frente.
Bem ou mal, fui em frente, quase virando umas duas vezes.
Adeus amigo Aldo, ele foi muito mais forte que eu na saída, mandando seguir em frente quando eu vacilava em me meter nesta encrenca.
Tem que respirar fundo e lembrar de Deus!
Passou-se uma hora e o rio ficou mais calmo, muitos troncos submersos (visíveis agora) e as coisas ficaram mais controláveis.

Descendo as primeiras corredeiras Esse “gordo” era eu!
Cruzei com pessoas que pescavam por ali e por várias balsas que puxam areia do rio para os garimpos de cristais sobre as barrancas da margem.
Começo a perceber a beleza do lugar à medida que avanço.
Já não vejo mais ninguém, apenas a mata silenciosa e o rio que desliza sem fazer barulho.
Vejo uma enorme capivara entre os capins, na curva adiante. Ela me percebe e entra lentamente no rio, sem fazer barulho. Estou passando pelo local onde ela estava quando uma “louca” dá latidos estridentes e se atira lá do alto do barranco. Jogou água para todos os lados e me deu um cagaço.
Sheet! Havendo capivaras, haverá sucuri para comê-las...
Eu trouxe uma rede, pois não queria dormir no chão e acordar enrolado por uma sucuri, “embalado” pela barraca.
Acontece que um dia depois de comprar a rede, vi um vídeo de uma sucuri que pegou um macaco no alto de uma árvore. Fiquei impressionado, não sabia que sucuri subia em árvore. O macaco gritava desesperado (parecia gente) até que ela deu um bote na cabeça e eles caíram num riacho.
Quando vi aquilo, fiquei revoltado e com raiva; vou furar tanto a desgraciada que me atacar que ela vai parecer um cano de irrigação!
Todos os manuais de sobrevivência na selva recomendam que se durma afastado das margens, pois ali é o local mais perigoso, onde os animais caçam.
Acontece que eu mal tenho forças para erguer o bico do caiaque (tamanho é o peso dele) aliado ao fato de que sou o feliz possuidor de uma hérnia de disco e cheio de hastes e parafusos nas pernas fraturadas além do braço esquerdo quase reimplantado.
Sou obrigado a dormir nas barrancas, onde as sucuris fazem suas tocas.
Vou remando bem pelo meio, Heitor disse que a sucuri fica naquela trama de galhos da margem...
Coloquei um punhal em cada antebraço, estão presos por um sistema de velcros semelhante aos “leshes” das pranchas de surfe.
Sobre a coberta da proa, dentro de um saco estanque, fica o aparelho de choque.
Eu sou um “estranho no ninho” não sei os hábitos dos bichos daqui, mas não vou dar mole. Mesmo apavorado, se uma sucuri me atacar, quero lutar até o fim.
Acho que não tenho chance se ela me pegar dentro d’água, mas também acho que isso é mais uma questão de sorte ou azar, uma combinação de muitos fatores.
Encontrei pescadores que informaram haver uma cachoeira 1 km adiante...
Pô, eu mal estou me acostumando com as corredeiras, aprendendo na marra, em curso rápido e intensivo e já aparece a primeira queda...
Parei um pouco antes dela, desci do caiaque pela margem direita, amarrei o lesh em meu pulso e fui em frente. O caiaque entalou entre as pedras, fiz uma força incrível para levantá-lo e segurá-lo ao mesmo tempo.
Escutei os estalos na fibra, estava cortando o barco nas pedras. Passar um “trem” de 5,20 m por ali já era muito.
Na parte final era muita força de água e fui obrigado a largá-lo na pequena queda para não ser arrastado junto.
Ele caiu de bico, mas não virou; ótimo! Como fiquei segurando a corda amarrada na popa, desço a queda e nado até meu cavalo aquático que fica preso pela corda.
Além de outros medos, tenho esse, de não conseguir chegar por avarias no caiaque. Ele é completamente impróprio para corredeiras, pois é oceânico (muito comprido) e os de corredeira mal passam de 1.9 m e manobram ao menor toque do remo n’água.
Os de corredeira são feitos com um plástico especial, para absorver os choques e o meu é de fibra.
O que acontece? A proa está quase batendo nas rochas depois das quedas e a popa ainda está caindo, ele quase não obedece nos rápidos e os milhares de choques com as rochas são inevitáveis.
As primeiras “cicatrizes” no coitado já foram feitas. Tenho durepóxi e fita silver tape para consertar, só!
Fui em frente, eram já 16 h e deveria procurar local para dormir, pois escurece por volta de 17 h.
Pensando nas sucuris, rejeitei muitos lugares e fui em frente, passando por mais duas quedas.
Heitor falou que devo procurar um “V” invertido (uma parte mais lisa na torrente de água) antes de chegar à corredeira, pois ali passa e não bate nas rochas do fundo.
Fui me acalmando e começando a aprender as “manhas” para cruzar as corredeiras.
Às 17h30min, já escurecendo, comecei a ficar meio desesperado, pois não encontrava local para acampar.Finalmente, numa curva de 180 graus do rio, achei o local.
1° noite placas de lama. lama sem fim Teia
180° cada curva...
Como o rio está baixo, havia uma parte com lama ressecada, mas livre de vegetação, onde o rio passa nas cheias. Pelo menos posso ver onde vou colocar os pés.
Atolo na lama até os joelhos e puxo o caiaque para cima, com muita dificuldade. Quero sair rápido da beira onde a sucuri possa me atacar.
Armo a barraca sobre os blocos de argila ressecada, já escuro, às 18 h.
Ainda estou nervoso e sem fome, apenas comi um pedaço de chocolate.
19/06/05 Domingo 2° dia
Agora são 8h51min, o sol espantou a neblina que cobria tudo. Choveu um pouco esta noite, mas foi tudo bem.
Fui preparar o kinojo e descobri que esqueci de trazer os talheres...
Cavalo! E agora? É brincadeira!
Sou obrigado a comer com a caneta que uso para escrever o diário.
Comer massa com uma caneta...
Até achar uma colher, ela será meu talher (rimou)!
Acabo partindo só às 10h30min, pois é muito cacareco para arrumar. Acabei fazendo um corte na mão com a chave de fenda ao abrir os parafusos do compartimento de popa.
Depois que o sol apareceu, fui seguindo um pouco mais calmo que ontem. Aprendi a reconhecer onde estão os inúmeros troncos submersos pela diferença da ondulação que se forma na superfície. Bater neles é muito perigoso.
Hoje estou utilizando o leme e a diferença é enorme, fica bem mais fácil de fazer as curvas do rio. Aliás, fazendo as curvas por fora, pega mais velocidade, mas é por ali que se depositam os troncos e galhos com pontas para cima e virados contra a correnteza, são “as vassouras de bruxa”, muito perigosas, pois podem prender o que bater nelas.
Nem pensar de ficar preso sob os galhos nesta forte correnteza e com um caiaque pesando mais de 80 kg.
Também têm aquela barafunda de galhos nas margens, onde ficam as sucuris. Espero não encontrar nenhuma, nem para fotos.
O cara fica como um bicho aqui, é só tu e mais ninguém; se algo acontecer só eu vou saber, é aquela coisa do instinto de sobrevivência, tu viras um animal, com todos os sentidos em alerta.
É uma sensação diferente, ser caçado...
Por outro lado, é a coisa mais linda do mundo; seguindo a favor da correnteza, curtindo esta natureza exuberante, árvores que largam um cipó que desce até a água e ali, na ponta dele, há um bulbo que deve absorver água e que balança ao sabor da correnteza.
Há muitos pássaros diferentes que não consigo identificar, como um bando de biguás gigantes (parece) que, ao voar, apresentam a parte média das asas na cor branca.
GOIÁS
Após remar quase duas horas, avisto duas meninas pescando na margem; vejo um jipe importado mais para cima. São Elsie e Michele, dizem que já saí do Distrito Federal, que estou no estado de Goiás e que aqui pertence à fazenda Modelo. Elas convidam para tomar uma cerveja, ficam maravilhadas ao saber para onde pretendo ir e tiram uma foto de mim.Elsie disse que seus pais são de Caxias do Sul.
Quando falo das sucuris elas comentam;
- É, o pior é que tem mesmo...
Todo mundo diz que tem, então é melhor não encontrá-la, mas isto não depende de mim.
- Tchau, gurias!
Sigo em frente até às 13 h, junto a um barranco cheio de cascalho para comer a ração de “guerra”, um pedaço de queijo, um de salamito e uma barrinha de chocolate. Difícil é desembarcar na lama visguenta onde afundo até acima do joelho.
Fotografo um baita ninho pendurado em um cipó fininho e depois sigo em frente, uma hora depois.

Há muitas balsas de garimpo e montanhas de cascalho junto às margens. Eles buscam cristais, deve haver muitos. Tem uma cidade chamada Cristalina próxima de onde vou passar.O rio ficou muito rápido, uma corredeira atrás da outra e a coisa ficou complicada. Uma escolha errada e a viagem pode acabar se me chocar de jeito com uma rocha ou tronco submerso. O passeio ficou tenso e a velocidade da água não permite vacilo.
O primeiro sufoco
Depois de uma curva fiquei estupefato!
Uma árvore caída, atravessada de margem a margem, formou uma represa perigosa, cheia de troncos e galhos sobre a linha d’água.
Peguei a máquina fotográfica e cometi um erro terrível, bati a foto e não deu tempo de fazer a volta.
Fui arrastado, de lado, e o caiaque ficou preso na tranqueira, ameaçando rolar e ser sugado pela força da água
. Uma perigosa represa de galhos fechou o rio Tive que sair do caiaque para superar o perigo
Fiquei apavorado, não conseguia remar e muito menos sair dali.
Tinha que segurar nos galhos e manter o caiaque nivelado, caso contrário, ele encheria (estava sem a capa) e seria sugado para baixo da tranqueira acumulada ali.
Tentava empurrar a proa para subir na tranqueira, mas o bico trancava em vários cipós. A mão direita estava ocupada, segurando num toco.
Se deixar o caiaque rolar para baixo, não tem como recuperá-lo. Pois ficará engatado no emaranhado de cipós e troncos sob a linha d’água.
Fico ali, sem saber o que fazer, minhas forças estão acabando.
Consigo pegar o facão na coberta da proa, empurro para frente e corto o cipó que trancava o bico com a mão esquerda. Apoiei a proa e saio do caiaque apoiado nos galhos.
A força da água é muita, está perigosíssimo ali, pois é profundo.
Enrosco a perna num tronco, puxo o caiaque com a mão esquerda enquanto a direita segura em um cipó. Mesmo naquele sufoco, fico apavorado pensando que uma sucuri possa me atacar.
Para piorar, o punhal de cabo amarelo se foi!
Foi terrível, mas consegui passar o caiaque que se foi ao sabor da correnteza.
Nadei atrás do chifrudo e montei nele.
Consigo voltar ao posto de comando. Foram duas tentativas para voltar, ele parecia querer afundar com meu peso mais a água acumulada no interior.
Mesmo assim, ainda passei por mais duas corredeiras até encontrar um remanso onde encostei em um barranco para poder esvaziá-lo. Que sufoco!
Bastou vacilar e quase que tudo acaba ali mesmo!
É brody, a barra está ficando cada vez pior e só me resta seguir em frente.
Parei mais adiante para colher dois limões em um pé carregadíssimo, pois não agüentava mais de sede.
Por isto, colhi água num riachinho (ouvi dizer que a água do São Bartolomeu é poluída) que desembocava no rio. Bebi quase meio litro, pois está quente. Estou viajando só com o colete e sem camisa.
Mais adiante, o rio entrou numa região de mata fechada, o ar ficou gelado e a velocidade da água me deixou preocupado.
Uma corredeira depois da outra e numa delas escolhi o lado errado, foi cruel, o caiaque bateu forte em rochas submersas. Merda!
Passando das 5 h, já remava como um louco para encontrar local para acampar, pois só encontrava barrancos altos e mata fechada.
Fui encontrar local só às 17h30min, já escurecendo. É um barranquinho de 1,5 m ao lado do rio, com uma parte plana onde montei a barraca. Fiz uma força incrível para puxar o caiaque aqui ao lado da barraca, onde agora escrevo à luz de vela. Agora são 19h38min, a lua cheia está coberta pelas nuvens, tenho medo de que dê uma “tromba d’água” e me leve daqui até B Aires.


Estou escrevendo com o aparelho de choque ao lado, pois estou quase ao nível do rio com o riacho que desemboca ao lado. Some-se ao barulho dos dois o medo de sucuri e tromba d’água.
- Tranqüilo como água de poço, tchê!
Agora só tenho o punhal de cabo preto, o facão, a faca submarina, a faca de pesca e outra, de caça.
O rio é pura curva e a quilometragem que calculei será muito maior do que imaginei. Não sei onde estou, mas sei que já estou em Goiás e o Distrito Federal ficou para trás.
Para efeito de cálculo, remei 2,5 h no 1° dia e 5 h hoje, a uma média entre 6 a 8 km/h.
As baixas do dia: cortei fundo o dedo da mão direita com a chave de fenda, várias escoriações na canela esquerda ao prender as pernas nos galhos para soltar o caiaque, perda do punhal de cabo amarelo e um pouco do quase nada de confiança que tenho em mim mesmo.
Bem ou mal, passei do segundo dia. Buenas noches!
20/06/05 Segunda-feira 3° dia
Passei frio esta noite e foi ruim para dormir, pois o terreno é inclinado e o saco de dormir escorregava no fundo da barraca. Estou dormindo com a calça do abrigo, um moletom fino e a jaqueta de nylon.
Esta é a roupa que tenho, fora dois calções e duas camisetas.
O saco de dormir tem um capuz que puxo sobre a cabeça, assim minha respiração esquenta o interior. Tive que descartar (por falta de espaço) o isolante térmico a roupa de neoprene e todas as roupas de lã na saída.
De frio eu não morro, tenho que suportá-lo. Está quente de dia e bem frio de noite.
Como amanheceu frio e com neblina, fui dar uma explorada pelo local.
Aproveitei os primeiros raios de sol para esquentar o couro e colocar algumas roupas que molharam para secar.
A exemplo de ontem, parti só às 10h30min. Fiz um conserto num cabo (do leme) que soltou e segui através de muitas corredeiras e troncos submersos.
O detalhe do dia ficou por conta dos inúmeros córregos e riachos que deságuam no rio. Agora ele parece estar mais profundo, com pequenas corredeiras formadas por rochas, mas que é possível perceber de longe.
Deslizo entre barrancos altos e muita mata nativa, aonde pombas do mato chegam a assustar ao voar entre os galhos, espalhafatosamente. Há muitos Martim - pescadores, sabiás-laranjeira e pombas.
Vi apenas uma capivara ontem e hoje nada.
Nem utilizo a bússola, pois o rio é uma curva só, no geral, segue para o sul.
Hoje estou mais cansado, mas sabia que iria ficar cada dia mais fraco por causa da pouca alimentação, mas tudo bem.
Esta noite, para espantar o frio, preparei o miojo às 2 h da manhã. O chato é ter de comer a massa com a caneta como talher.
Outra coisa útil foi o travesseiro inflável, idéia do Rojas.
Detalhe técnico: para escrever à luz de vela, sou obrigado a utilizar uns óculos de camelô.
Estou viajando com umas botas de neoprene, pois são úteis quando tenho que desembarcar nas pedras e na lama, cheia de galhos.
Cortes nos pés são mais fáceis de infeccionar.
Paro às 13 h para almoçar. Tenho que escalar um barranco de lama enfiando o bico da bota de neoprene, criando um degrau.
Era um local lindíssimo, bem na curva do rio, com malhas de bambu verde-amarelo além de enormes árvores de copas grandes.
Ao lado, deságua um riacho grande e sobre o rio há uma enorme mangueira preta que traz água desde a encosta do outro lado.
Há um senhor que joga comida para os peixes, é a “ceva”, assim os peixes ficam por ali e ele os pesca mais tarde.
Como é quase morrer...
Sigo em frente às 14 h e logo em seguida passo por uma velha ponte de madeira. Havia uns caminhões estacionados na margem esquerda e alguns pescadores que disseram haver uma enorme cachoeira adiante e que eu deveria seguir pela margem direita.
O rio estava calmo e com menos curvas, troncos e rochas.
Cruzo com três caras mal encarados, estavam acampados na mata. Pareceu ser barra pesada.
Tipos assim eu conheço da selva amazônica, é só bater o olho e tu já sabes que é encrenca!
Melhor que não saibam onde vou acampar, tenho que evitar confusão, pois se vierem para cima vou ter que encarar, não quero defuntos na água que bebo!
A técnica para que os defuntos não bóiem é abrir a “buchada”, assim é feito no pantanal e as piranhas adoram...
Aproximadamente às 15 h escutei um estrondo forte, mas não via nada.
O rio fazia curva para a esquerda e por esta margem segui, pois por dentro iria com menor velocidade.
Acontece que depois da curva as duas margens eram paredões de pedra, não dava para encostar.
Parecia calmo, mas havia algo errado, eu não via a continuação do rio... Parecia que terminava no céu!
Avanço mais um pouco e sinto que a força de água é muito forte, sinto que estou em perigo. Viro o caiaque para retornar (cerca de 30 m antes da queda) e quando ele fica de lado, é levado com mais força ainda.
Estava correndo risco de vida e me dirigindo de lado para a queda, que agora eu escutava com toda sua força.
Remo como um louco e consigo deixar a proa de frente para a correnteza e consigo remar rio acima.
Tivesse caído ali, de lado, teria morrido, pois a queda forma um turbilhonamento que te joga para baixo da caverna que se forma por baixo da cachoeira.
É uma corrente onde os troncos ficam rolando no mesmo lugar e só saem muito tempo depois.
Consigo sair dali e subo o rio para a margem direita, até um alto barranco de lama.
E agora, tchê?
Desembarco ali, amarro o caiaque com duas cordas nas raízes das árvores e escalo o paredão de lama fincando o facão na lama para apoiar o pé.
Levo o facão, a máquina fotográfica e a filmadora, quero filmar e fotografar o local onde quase morri.
Pela margem não dá para chegar, tem os paredões e a mata fechada.
Abro uma picada mato acima até sair do brejo. Lá encontro um trilho de vaca que leva até a cabeceira da cascata.
Não é tão alta assim, mas a força da água é impressionante e não deixei de “gelar” ao ter consciência de que quase morri!
Estou extremamente nervoso, não vejo ninguém, não sei o que faço!
Acho que terei de usar os 40 m de corda e as roldanas para arrastar o caiaque pela picada que abri e descê-lo pelo mato, já depois da cachoeira.
Vou retornando pelo mato quando vejo um homem na outra margem.
Estou enterrado na lama, ao lado do caiaque e sem saber o que fazer.
João é o nome dele.
Ele diz que não dá para descer pela água, que morreram seis pescadores ao caírem ali, de noite (num barco de alumínio). Diz que eu devo voltar.
As terras onde estou pertencem a “gente ruim” e ignorante e que se eles me pegarem ali, o bicho vai pegar pro meu lado.
Diz que também não posso acampar do outro lado (onde ele está), que tenho que retornar até a ponte, tentar pegar carona num caminhão e seguir uns 100 km por terra, pois o rio é perigosíssimo daqui para frente.
Bueno será que não tem uma notícia boa?
Penso em largar o caiaque na correnteza e seguí-lo por terra para pegá-lo no lago depois da queda. Acontece que ele pode se partir e aí acaba tudo, melhor não!
Arrastar este monstro pesado pelo mato é quase impossível para mim.
O certo é voltar para a ponte, descer os 100 km por terra e lá voltar ao rio.
Seu João diz para eu levar o caiaque até a cabeceira da queda (por dentro da correnteza) e que ali ele me ajuda a baixar pelo lado...
Olho para ele, não pode estar falando sério!
- Tu segues pela direita, ali é raso!
Eu sou um cara muito preguiçoso e prefiro arriscar a vida a fazer força.
Não sei como, concordei com ele!
Meu coração parece que vai sair pela boca. Amarro uma corda na popa e outra na proa.
Prendo-as no pulso da mão esquerda sem me dar conta de que a força de água pode arrastar a mim e ao caiaque se eu perder o pé.
Fui seguindo pela lama, com água pela cintura, mas ali ainda não havia correnteza. Quando cheguei na reta final, havia o paredão de pedra e apenas saliências de rochas e raízes de samambaias para não despencar na torrente.
Com a mão esquerda controlava as duas cordas para não deixar o caiaque atravessar. Ele deveria ficar sempre de proa para a corrente, assim não me arrastaria.
A primeira raiz de samambaia (onde me agarrei) arrebentou e perdi pé. Desesperado, enfiei a mão nas rochas (antes que pegasse velocidade) e consegui me firmar de novo, apoiando o pé. Que sufoco!
Agora não dá mais de desistir, a não ser que eu deixe o caiaque despencar sozinho.
Fui enfiando os dedos com força por trás das raízes e me auto aconselhando:
- Cara, fica sempre bem apoiado e só depois de achar outro apoio tu te largas do primeiro.
Uma das mãos estava ocupada em segurar as cordas, assim ficava difícil para agarrar o outro apoio, tinha que fazer a troca de apoio com a mesma mão bem rápido, antes de perder o equilíbrio e rezar para que a mão não escorregasse na hora “H”!
Assim fui seguindo até chegar numa saliência onde pude sair da água e seguir por cima das rochas.
Quando cheguei ao topo da queda, não tinha forças para tirar o caiaque da água.
Como João estivesse na outra margem, ele mandou esperar enquanto cruzava com seu barco pelo lago da queda. Ele morava ali do outro lado, havia crianças que assistiam tudo de cima de uma pedra. Sem querer, dei um show para a gurizada. Eram umas sete e havia a mulher dele.
Antes que eles atravessassem, chegam Elton e Sônia. Tiramos o caiaque que ficou apoiado na saliência. Depois João chega com Karin e, juntos, baixamos meu trem no lago.
Nem preciso dizer como fiquei emocionado e agradecido por ter conseguido superar a primeira grande barreira. Jamais teria feito isto sozinho!
João explica que ali forma uma caverna por baixo e que o refluxo arrasta para baixo e fica preso na caverna. Fora o perigo de ficar girando sem parar e não sair do turbilhonamento.
Eles falam que logo adiante tem outra corredeira forte, mas não é cachoeira.
- Depois, (daqui um dia ou dois) terás uma corredeira muito forte, aquela também não dá de passar, terás que conseguir ajuda...
- Tenha muito cuidado, não quer desistir?
Entro no caiaque, decidido a continuar; eles dizem que é muita coragem, mas a verdade é que estou apavorado e morrendo de medo, ao mesmo tempo em que estou radiante de ter superado um obstáculo que seria impossível para mim, sozinho!
Devo muito a eles!
1° cachoeira Nada se consegue sozinho Maktub Minha platéia
Além de outra corredeira forte, daqui há uns 500 m, terei uma outra, bem maior que esta que acabei de passar.
Talvez um ou dois dias de viagem adiante!
Parece que terei que passar por terra e pedir ajuda, mas há pessoas morando por perto dela. Esta é outra estória e fica para mais tarde.
Fico observando os peixes subindo o rio pela água da queda, não dá de acreditar, é incrível!
Cheguei a filmá-los, que coisa impressionante!
Dou adeus e beijos às crianças do outro lado. Obrigado amigos!
Faço a curva do rio depois de cruzar o lago e sigo meu destino.
Coloquei a capa para cruzar a corredeira forte, mas ela era tão forte e com ondas que no último momento retirei a capa, fiquei com medo de ficar preso, de cabeça para baixo, e bater nas rochas.
Melhor que o caiaque encha, mas que eu fique livre.
Realmente ele encheu ao passar pela turbulência, felizmente não bati em nenhuma rocha.
No final da corredeira fiquei à deriva enquanto esvaziava o caiaque com a esponja.
Segui mais um pouco e resolvi parar antes, às 17 h, como prêmio por ter superado um grande obstáculo.
Comecei a narrar o dia de hoje às 2 h da manhã, agora são 03h37min. Estou na barraca, armada no alto do barranco, em uma clareira que abri com o facão.
A noite é de lua cheia e vou dormir um pouco.
Obrigado Senhor!

21/06/05 Terça-feira 4° dia
- Agora são 06h59min, Esta noite ouvi o trem passar aqui perto. Agora ouço um berrante, os pássaros do mato e as pombas.
Está tudo calmo, uma capivara se atirou na água com estardalhaço!
Vou arrumar tudo e seguir em frente.
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- Agora são 00h53min, escrevo à luz de vela, estou com diversas escoriações nas pernas e ilíaco (bacia). A barra tá pesada e é muito difícil para seguir em frente. Meu astral baixou bastante! Vou narrar o dia que passou:
Como armei a barraca sobre folhas e galhos, fiquei isolado do chão e consegui dormir um pouco, sem passar frio.
Parti às 9 h com o rio bem mais largo (uns 20 a 30 m) e profundo.
Fomos deslizando, passando por belas paisagens e tirando fotos. Ora de uma enorme cachopa de marimbondos ora retornando para tentar fotografar uma ariranha que emitia um chiado de advertência ao me observar, curiosa, entre os galhos da margem. Pena que mergulhou antes da foto. Passei por belos sítios onde o pessoal coloca pequenas balsas apoiadas sobre tonéis. Elas ficam amarradas aos troncos das margens para não serem levadas.
Sobre elas, cadeiras e mesas. Dali eles pescam, comem e curtem a natureza.
Por volta de 10h30min, passei por uma corredeira e por outra, que havia logo em seguida. A segunda fazia um estrondo forte, então eu escolhi uma passagem bem pelo meio e apertou o cutuco, o bicho era grande!
Não dava mais para voltar, a velocidade da correnteza era muita. O Maktub foi de bico em direção de um local onde o turbilhonamento formava enormes ondas de refluxo, com mais de um metro.
A proa mergulhou naquilo e eu levei a porrada bem no peito, depois tudo passou por cima da cabeça. Quando emergiu, por não estar usando a capa, o barco ficou cheio de água e completamente instável. O golpe de misericórdia veio através de outra corredeira lateral e não deu de segurar, virei.
Consegui desvirá-lo e fui para a margem, já no remanso.
Ali na beira cortei uma garrafa plástica para ajudar a esvaziar o caiaque, além da esponja grande.
Voltei a pé e filmei o local onde passei, custei a crer que cruzei por ali.
O rio estreitou de novo e as corredeiras ficaram mais freqüentes, muito perigosas, por sinal!
Tu consegues ir devagar antes, tentando escolher o melhor local para passar, mas as rochas submersas são terríveis.
Uma vez que penetra nos rápidos, só resta rezar para que nada pior aconteça!
- Pô, seu merda, por que tu não colocas a capa?
- Tá louco?
- E se eu virar e ficar de cabeça para baixo sem poder me soltar... Estou sem capacete, posso perder os chifres nas rochas!
- Acontece que se tu não colocares a capa, a cada corredeira terás que pará-lo para esvaziar e isto está enchendo o saco!
- É verdade, dá uma preguiça... Além do mais, sem água ele fica mais estável.
- Só te concentra para não deixar virar!
Havia uma corredeira em curva, pelo meio do rio parecia haver uma barragem de pedras pontiagudas.
Tive que seguir pela passagem da margem, o problema é que estas te jogam para baixo dos galhos; tem que ser rápido para não ir para lá, travando de um lado e remando com tudo do outro.
Não foi suficiente, o barco entrou de lado em um tronco e o barco estralou terrivelmente. Não virei, mas alguma coisa quebrou!
E assim fui seguindo, passei por várias corredeiras, a água passava por cima, mas não enchia muito. Com a bomba de pé, tirava a pouca água que entrava.
Bueno fui ultrapassando uma após outra, mas escutei um estrondo muito forte e resolvi parar em um remanso.
Algo errado e adeus caiaque! Há um local que dá de descer entre as pedras, onde parece ser raso. Posso tentar segurá-lo com cordas...
Amarrei as cordas e fui por dentro tentando deixar o caiaque de proa para a corrente e buscando apoio nas pedras, com água abaixo da cintura.
Haveria partes que deveria erguer o caiaque e rasparia nas pedras, mas era a única solução.
Aparece Ricardo, do sítio ao lado. Ele me leva por dentro do sítio para olhar por onde passar. Passamos por um cercado cheio de galinhas da Angola, galinhas com pintinhos e mais de 10 cachorros, alguns deles lingüiças, além de vários gatos.
Cruzando entre as rochas vista da varanda da casa Essa eu já passei
Tchê, eles fizeram uma casa na beira do barranco, com a varanda de frente para as cachoeiras e corredeiras, lindíssimo o visual.
Na verdade era uma varanda em dois níveis. Havia um fogão a lenha enorme, feito de tijolos e barro, como no sítio da vó.
Ali estava seu Orlando Roriz, seu filho Leonardo, João e Horácio (barbudo), além de outras pessoas.
Como cheguei às 12 h, fui convidado para o almoço, disse que traria o caiaque até ali antes.
Com o auxílio do lesh na proa e de uma corda na popa, fui segurando o caiaque enquanto pisava nas pedras escorregadias com a bota de neoprene, muito útil, por sinal.
Que dificuldade! Tinha que levantá-lo em algumas partes e o gel ficava marcando de branco as pedras que cortavam o meu outrora novo barco.
O que este caiaque já bateu e raspou em pedras, troncos e outros bichos, não está no gibi.
Depois ele foi jogado sobre minha fíbula esquerda (tornozelo) fraturada, cheia de placas e parafusos, causando muita dor.
Cheguei no remanso da casa, onde havia uma praia. Depois haveria outra corredeira forte, mas isto deixei para após o almoço.
Almocei uma deliciosa massa com coração de galinha, arroz, feijão, carne assada e salada. Para arrematar, uma boa salada e cerveja.
Leonardo me fez um grande favor e ligou para casa, pois eles têm uma antena para celular.
Falei com a mãe, disse que estava perto de Luziânia (?) e que tudo estava bem...
Agradeço aos amigos e parto às 14 h, cruzando uma difícil corredeira e raspando muito nas rochas. Ao final, antes de sumir na curva, acenei para os amigos.
Bueno, depois deste sufoco, acho que vai acalmar... Brody, ledo engano!
Uma após outra, festival de terror
As corredeiras foram se sucedendo sem parar, algumas fáceis, outras difíceis, às vezes escolhendo o lado certo, às vezes o errado. Com a capa eu só tinha que cuidar para não virar.
Um pescador avisou que os próximos 20 km serão assim, cheio de corredeiras.
Cruzei com várias linhas estendidas de margem a margem sobre a linha da água e com vários anzóis pendurados perigosamente.
É para a pesca do Dourado, essas linhas fecham o rio; parece que barcos não circulam por aqui (apenas um louco de caiaque), pois estas linhas fecham o rio de lado a lado.
Estas linhas quase fecham a passagem, mas a altura que ficam permitem a passagem do caiaque, apenas tenho que cuidar os anzóis.
Passei por vários arames, mas um deles estava muito baixo e prendeu no leme.
Era um arame grosso, mas o peso do caiaque aliado à força da corrente partiu o dito cujo. Apenas pedi desculpas aos pescadores dali e segui; quem manda fechar a passagem do rio?
Havia rochas a flor da água e o caiaque passava raspando sobre elas. O fundo dele ia se deformando à medida que a correnteza nos empurrava para adiante.
Não sei como não está fazendo água!
Depois de uma curva avistei a estrada de ferro. Passo por uma velha ponte de madeira onde converso com dois pescadores que estão por ali.
Moedor de carne
Está tarde, são 17 h, quase hora de acampar quando chego a uma poderosa corredeira. O estrondo é forte e vejo que pelo lado esquerdo não há as mínimas condições, é muita força de água, ondas que se chocam com as rochas e curvas de corrente.
Pelo lado direito há um canal entre as pedras, não é possível de cruzar por ali dentro do caiaque, apenas com cordas. Por terra não há condições, mata fechada.
Fiquei sabendo depois que esta era a cachoeira a que seu João se referia, onde teria de buscar ajuda.
Sem saber do perigo, amarro a corda no pulso e sigo, com água pela cintura, na direção da corredeira entre as pedras. Tenho que manter o caiaque de proa contra a correnteza e tentar me manter apoiado nas pedras para segurar o trem.
No começo estava bem, mas quando entrou na correnteza o caiaque foi mais forte e me arrastou pelas rochas e com a corda presa ao pulso.
Pior ainda quando escorreguei e fui arrastado com ele pelo meio das pedras, lutando para manter a cabeça fora d’água enquanto o corpo se chocava com as rochas. Tentei parar diversas vezes, quando ficava com as pernas de frente para a descida, mas elas entravam entre as rochas e eu tinha que jogar o corpo para frente, para livrar as pernas e não deixar que quebrassem. Fui rolando, chocando direto e me esfolando aos poucos.
Bati forte com as costas, bem na altura da bacia e depois o caiaque entrou de lado numa rocha.
O choque foi terrível e o barulho pior ainda:
- Quebrou! Pensei.
- Acabou minha viagem!
Destranco o caiaque e vamos rolando entre as pedras por 300 m. Garrafas de água, lona plástica e outras coisas (que vão se soltando) seguem nos acompanhando entre as pedras.
A mochila com o flutuador soltou e se foi.
Segurar o caiaque, bater nas pedras e tentar recuperar o que soltou foi parte do sufoco nestes 300 m.
A máquina fotográfica a prova d’água, que estava presa pela alça ao caiaque, também foi chocando.
O remo estava preso pelo lesh, assim como a capa.
Ao final, chegamos ao remanso todos juntos, eu, o caiaque, a mochila e a garrafa de água.
Perdi a esponja grande e a capa só não se perdeu por estar presa ao remo.
A máquina fotográfica pifou.
Olho no relógio, são 17h30min, tenho que acampar rápido, antes que escureça.
Esvazio o caiaque, passo mais algumas corredeiras e encontro local na curva de um rio, onde o barranco desmoronou.
Nem quis filmar a corredeira que passei, fiquei com raiva dela. Esta é a tal “cachoeira” onde seu João disse que eu precisaria de ajuda e que seria bem pior do que aquela em que me ajudaram.

4° noite As trincas no compartimento de popa Uma canela “avariada”

O local onde parei é meio precário e inclinado, mas tudo bem.
Agora são 02h26min da madrugada, passei pomada nas contusões, as duas canelas estão com “ovos” enormes, o ilíaco (bacia) do lado esquerdo também; estou com dificuldade para me mexer e dormir. Há outra pancada forte na barriga da perna direita.
Estou chateado por causa da máquina fotográfica, sem ela não tem como bater fotos dos bichos enquanto estiver navegando.
Além dos ovos nas canelas, estou cheio de feridas pelo corpo e que não cicatrizam por causa da água.
As dificuldades estão cada vez piores e a moral está a meia boca. Por enquanto estou conseguindo ir em frente, mas o rio está cobrando bem caro.
Que fazer? Só me resta seguir!
Sabe o que é pior? É tu entrares numa corredeira em curva, sem saber o que tem depois da curva, quando tu não podes mais parar. Havendo uma cachoeira, teu destino estará entregue a Deus. Passar por isto uma vez é apavorante e quando isto se torna uma rotina, teus nervos latejam por baixo da pele, queimam e parecem querer explodir! Manter a calma é fundamental para não enlouquecer de medo. A gente chega muito perto do limite físico e psicológico, ainda mais sabendo que terá isto um dia após o outro. Eu saí de Floripa sabendo que poderia morrer! Caso contrário nem teria vindo ou teria desistido; tanto que deixei procuração para os irmãos.
Uma viagem destas só tem bilhete de ida; a volta é conquistada a unhas e dentes. Nem sempre depende de ti, mas acho que quase morrer tantas vezes é pior do que a própria morte!

22/06/05 quarta-feira 5° dia
Vida de gato
Acordei todo dolorido, mas as pancadas nas canelas desincharam bastante.
Acho que se eu fosse um gato, estaria devendo algumas vidas!
Resolvi colocar a máquina fotográfica no sol (para ver se volta a funcionar), além de pilhas e outras coisas, pois o compartimento de popa estava cheio de água até a metade.
Acabei fazendo um check-up geral no caiaque, pois tem muita coisa dentro de tubos e nem lembro o que tem em cada um.
Descobri vários pontos onde a fibra está esbranquiçada das pancadas, principalmente na popa, onde tem mais peso. Resolvo redistribuir as coisas para não bater tanto ali.
A noite estava estrelada e muito clara devido a Lua cheia.
Vi uma enorme aranha tentando subir na lona da barraca pelo lado de fora. Só de ruim, dou um peteleco bem na barriga dela.
Como é bom ser mau, he, he!
Agora o sol está forte, mas minha máquina fotográfica se foi,não quer funcionar de jeito nenhum. A da filmadora (ela tira fotos também, mas é digital. As fotos ficam armazenadas em um cartão de memória) eu não sei operar direito, mas é o que tenho agora.
Coloquei os eletrônicos no compartimento da proa, pois ali foi onde entrou menos água.
Bueno, devagar, quase parando, fui organizando as coisas, pois o sol secava muita coisa que molhou.
Acabei partindo somente às 11h30min, encontrando, de saída, uma corredeira.
Fui passando mais tranqüilo pelas corredeiras e rochas, pois este caiaque é muito forte. É fabricado por meu amigo Gerardo Weir, o “Colo” (de Colorado ou “foguinho” – ruivo) modelo Cruz Diablo lá em Rosário –Argentina.
Ele está trincado em vários pontos, mas eu pensei que fosse se partir ao meio ontem e o danado agüentou o tranco, meu herói!
Fiz uma série de alongamentos e estou na luta também, apesar de ficar difícil de me ajeitar no cockpit pelas pancadas nas pernas e nas costas.
O rio ainda tem corredeiras, mas as de hoje são brincadeira de criança, se comparadas às de ontem. Ele ficou mais largo, entre 15 a 20 m e parece mais profundo, pois as rochas não aparecem tanto nas corredeiras.
Avistei outra ariranha cruzando o rio ao longe e logo mergulha.
Agora viajo direto com a capa. Parece que a bomba de pé parou de funcionar. Tudo bem, era só um luxo!
Uma remada quase monótona, curvas e mais curvas, muitos pontos sem matas. Quando me dei conta (13 h), estava chegando na ponte que liga Uberlândia a Brasília, onde eu e o Aldo passamos de carro na vinda. Descemos ali para fotografar, foi quando eu vi o R São Bartolomeu pela primeira vez.

Dá para ver a ponte onde vi o rio pela primeira vez... Rio visto da ponte
Ponte
Local onde tirei a foto c/ caiaque
A ponte que liga Uberlândia a Brasília
Há um povoado ali, se chama São Bartolomeu, tem um mini mercado onde posso repor as provisões, telefonar e tomar uma cerveja.
O barranco é alto, sigo em frente até encontrar uns caras instalando equipamentos meteorológicos e Geraldo vem me ajudar.
Não acho onde guardei o dinheiro e não dá para procurar ali no barranco alto e inclinado. Acabo desistindo e sigo mais adiante.
Resolvo encostar de novo, é muito difícil encontrar onde repor provisões, melhor comprar agora. Encontro um local mais baixo, amarro o caiaque num galho e o deixo ali, flutuando.
Sigo pelo capim alto da margem até chegar a umas casas, quero cortar caminho. Uma mulher corre para o interior da casa e bate a porta. Bati palmas, mas a “bugra” nem apareceu.
Tive que desistir de passar por ali, voltar para a beira do rio e passar por outro local. Chego ao mini mercado, compro frutas, água, cerveja, leite em pó e uns quatro kinojos.
Tomei a cerveja ali no caixa mesmo, tal era a sede. Depois comi um sorvete e voltei para o barco, que ficara sozinho lá na beira. Encontro um telefone público e telefono para a mãe que está arrumando as coisas no apartamento onde o pai morava, em S Paulo. Falei com meu irmão, o Paulo e o astral melhorou.
Perto de 15 h estou remando de novo; ainda estou dolorido de ontem e por isto resolvi parar mais cedo, apesar de o rio estar calmíssimo.
Há poucos locais para acampar e os barrancos são altos.
Depois de uma curva, avisto outra corredeira que se alarga muito, ali há uma pequena ilhota. O barranco não é tão alto e é plano, onde há sombra de frondosas árvores.
Com o auxílio de uma corda passada por trás da cintura, consegui trazer o caiaque aqui para cima. Armei a barraca e logo depois chega seu Euclides que avisa que perto daqui há uma cachoeira muito perigosa...
E eu pensando que o pior já havia passado... Bueno que venga el toro!
Euclides afirma que viram uma sucuri num lago aqui perto, que querem matá-la, pois está devorando o gado. Diz que ela é enorme e mostra um grosso tronco para dar uma idéia das dimensões do bicho.
- Aqui no rio não tem não!
- Como se houvesse um cercado impedindo a sucuri de vir ao rio!
Há muitos campos e extensas áreas desmatadas até a beira. Assisti ao final do dia tomando uma cerva gelada e apreciando o belíssimo panorama ao redor. È um dos locais mais bonitos onde acampei.
O fresco do Aldo disse que eu não iria agüentar nem cinco dias, amanhã é o sexto...
Agora são 22h30min e vou tentar dormir.

23/06/05 quinta-feira 6º dia
A “PRAGA” DO ALDO
Agora são 00h46min, que dizer do dia de hoje?
O mais pavoroso/ O maior pesadelo?
Olha, se eu disser que quase morri duas vezes, não estarei exagerando.
Estou abalado psicologicamente, apavorado e sem confiança. Vou transcrever o diário:
A morte pede carona
O lugar mais lindo onde acampei até agora foi deixado para trás às 09h30min. Cruzei umas corredeiras fáceis e depois entrei em uma parte bem tranqüila por cerca de uma hora.
Escuto um estrondo forte, deve ser a cachoeira que seu Euclides avisou.
Era muito forte e extensa, mas em linha reta, menos mal!
Embiquei a proa bem no centro dela e fui na direção do bicho. O caiaque corcoveava e era tragado pelas ondas doidas que cobriam até a mim.
Era muita força de água e na metade da torrente ela fez o caiaque girar, acabei descendo o resto de ré, quase ficando com dor no pescoço ao olhar para trás.
Encharcado e cansado, cheguei no remanso certo de que havia cruzado por um trecho bem ruim.
Fui em frente, na esperança de que o pior houvesse passado.
O rio apresentou mais algumas corredeiras, mas sem importância.
Bueno como eu sempre começo o dia num ritmo lento, parava de remar e fazia alongamentos enquanto o caiaque deslizava pelos remansos. Ficava só curtindo os sons da mata, observando os pássaros e a beleza do lugar.
Adiante, vi uma coisa maravilhosa: Dois tucanos de bico alaranjado sobrevoaram o rio e me deixaram paralisado, que coisa linda!
Pousaram numa árvore adiante, tentei filmá-los, mas são muito ariscos e se foram.
Garganta do Diabo
Às 11h30min cheguei numa corredeira forte e passei pela primeira parte, onde havia um pequeno remanso.
A segunda parte era diferente, em “S” e o rio todo passava em um vão com pouco mais de 4 m. Havia uma grande rocha do lado direito e outras do lado esquerdo. Era muito forte, mas achei que conseguiria e fui.
Quando o caiaque despencasse na queda, teria de virar rápido para a esquerda, para fazer a curva.
Travei com tudo pela esquerda e remava forte pela direita, mas o barco não obedecia mais.
O bico foi se aproximando da rocha percebi que a água seguia por baixo dela e o choque era inevitável. Fui gritando:
- Não, não, não!
O bico do Maktub bateu forte e o barco virou de lado. Tentei livrar o rosto da rocha, pois a pressão da água estava virando o caiaque de lado e contra a rocha. Meu corpo foi raspando e girando para baixo junto com o barco.
Acho que gastei a ponta dos dedos e “aparei” as unhas.
Tchê, caiaque trancado por baixo da rocha e eu dentro...
A força da água me desnorteava e eu não via mais nada, submerso e desnorteado.
Minhas mãos procuravam desesperadamente a alça que me liberaria do barco.
Consegui encontrá-la e, desesperado, consegui sair dali.
Sem querer, soltei o barco. Talvez a força da água o tenha liberado ou meu corpo deve ter batido nele ao sair.
Nunca mais vou esquecer: o turbilhão de água, eu enfiado no caiaque e trancado por baixo da rocha...
São puros momentos de pavor, tu não sabes o que pode acontecer, a força da água te desorienta e te joga contra as rochas.
Na descida rio abaixo ainda levei uma porrada no queixo, ao chocar a cabeça contra outra rocha. O pavor não me deixou sentir dor.
O caiaque ficou a meu lado e fui tentando direcioná-lo para que não chocasse direto nas rochas.
Fomos descendo assim por 200 m, até chegar no remanso. A meu lado apareceu boiando a lona que se desprendera.
Perdi o boné do Grêmio e uma garrafa de água mineral.
Consegui nadar até a margem, esvaziei o caiaque e voltei para filmar o local.
Foi aí que identifiquei o local, Heitor havia descrito bem no 1° dia, era a Garganta do Diabo!
Que sufoco!
Eu sempre tive medo disto, de ser levado para baixo de uma rocha e ficar preso.
Meu queixo ficou com uma “bola de gude” no lado esquerdo, podia ter quebrado o dente!
Melhor de tudo foi ter saído com vida!
O rio calmou de novo e resolvi parar às 12h30min para comer algo. Ainda estou nervoso, pois o trecho de hoje alterna partes calmas com corredeiras perigosíssimas.
Eu nem falo mais daquelas que consegui passar sem virar, embora fossem violentas. Foram centenas nestes seis dias.
Muitas eram pavorosas, mas consegui cruzá-las apenas me encharcando ou chocando com as rochas.
O caiaque está que é um risco só e todo trincado, mas não faz água.
Às 13 h fui em frente, muito cansado e fazendo alongamentos a todo o momento, quando o rio permitia.
Eram 14h30min quando cruzei com uma balsa toda esquisita, montada sobre dois tonéis gigantes e com as extremidades bicudas.

O corredor da morte
Daí para frente o “bicho pegou”, entrei por um canyon com corredeiras fortes se sucedendo uma após outra, fazendo turbilhonamentos terríveis e sumindo na curva do rio. Era um barulho ensurdecedor e não havia mais como parar, muito menos saber se haveria alguma cachoeira fatal depois das curvas.
A mim só restava lutar desesperado para não ir de encontro às rochas e virar.
Desci uma muito forte e o turbilhonamento me pegou de lado, não havia o que fazer e o barco virou.
- Puxa a capa, puxa a capa!
E de novo fui sendo arrastado nas pedras por muito tempo.
Tentava parar diversas vezes, me agarrando em cipós, galhos e assemelhados. Tudo inútil, a força da água aliada a meu peso e ao peso do caiaque, fazia tudo se romper.
Logo, havia uma ilha flutuante formada por uma infinidade de galhos e cipós arrancados no trajeto, nos acompanhando na inexorável descida.
Estou viajando com luvas que deixam os dedos à mostra e as pontas deles estão com uma infinidade de cortes e espinhos por baixo da pele.
Tentei parar várias vezes, mas nada detinha o caiaque que teimava em permanecer emborcado.
Finalmente, quando a correnteza diminuiu um pouco, consegui estancar a descida agarrado em galhos pendurados do alto dos barrancos.
Junto a nós, uma barafunda de paus e galhos que arranquei pelo caminho.
Meu Deus!
Que fria que estou!
Não vi ninguém o dia todo, apenas casas que pareciam abandonadas.
Esvaziei o caiaque e continuei a descida, já não tão seguro como antes.
Segui por outro trecho de remanso e depois cheguei a outro canyon.

Quantas vezes (quase) se morre por dia? Essa foi a pior de todas...
Muitas rochas, rio estreito e perigoso. Havia muitas rochas pontiagudas a flor da superfície e troncos submersos...
Seja o que Deus quiser!
E me fui de novo, corredeiras pavorosas sucediam-se até que cheguei num remanso entre o corredor de rochas.
Dali pude observar (assustado) que havia uma pavorosa corredeira em curva. Não daria para manobrar, pois o “corredor” era estreitíssimo, por volta de 4 metros.
Pensei em descer, achar outro caminho, mas não tinha como, teria que enfrentá-la.
A curva seria para a esquerda, pensei em seguir o mais pela tangente possível para poder contorná-la e assim não me chocar com as enormes rochas da curva.
O problema é que ali havia pavorosos redemoinhos além da incrível força de água em local tão estreito, em curva e extenso.
E mais uma vez meu caiaque de 5,20 m não fez a curva!
Entrei de lado nas rochas o caiaque virou e foi sugado para o fundo junto comigo.
Desesperado, tentava achar a alça, pois o turbilhonamento nos jogava contra pedras e o medo era de ficar entalado lá embaixo.
Encontro a alça, demorei muito para conseguir sair. Tento nadar para a superfície, mas continuo girando lá por baixo, batendo em rochas e com os pulmões querendo explodir.
Mais um pouco e nem sei mais onde fica a superfície.
Solto o ar, não agüento mais:
- Meu Deus!
- Vou morrer! Vou morrer!
É só o que penso, tenho consciência de que estou morrendo afogado.
Não vi Jesus, não passou minha vida na frente, apenas desisti de nadar, não tinha mais o que fazer.
Estava pensando apenas nas coisas dali, não “viajei” na hora da morte, como muitos dizem!
Mas o rio não queria me ver em paz e me joga para a superfície, não sei como!
Chegava a berrar, na ânsia de encher os pulmões de ar enquanto vomitava água que eu nem tinha me dado conta que havia bebido.
O redemoinho fdp começou a me carregar para o local onde afundei e o caiaque aflorou a meu lado. Passei o braço sobre ele e meus olhos se injetaram de ódio.
Chutei aquelas desgraçadas das rochas com todas minhas forças e assim saímos dali, girando no redemoinho corredeiras abaixo.
O caiaque estava emborcado e o resto da corredeira descemos assim, batendo em rochas, girando em redemoinhos e vendo a lona plástica flutuando mais adiante.
Vou dizer uma coisa: eu já estive para morrer várias vezes, mas posso dizer que esta foi a pior de todas. Estava consciente o tempo todo e sabendo que estava morrendo.
Nunca mais quero passar por isto, é desesperador, apavorante e agoniante!
A corrente te puxando para o fundo, teu corpo rolando como um doido nas rochas e tu querendo subir, sem saber exatamente onde fica o subir...
Eu entrava nas corredeiras apenas pensando em conseguir passar, sem deixar que o caiaque, ou mesmo eu, nos quebrássemos nas rochas.
Mas agora eu tenho medo, pavor, instinto de sobrevivência animal!
Só de ouvir o barulho sinto um pavor interior quase incontrolável.
Traduzindo: Medo de Morrer!
Acho que estou chegando no meu limite psicológico!
Bueno, a vida continua e minha capa vai deslizando corredeiras abaixo, tenho que alcançá-la antes que afunde.
Esvazio o caiaque pela milésima vez e saio atrás da lona corredeiras abaixo.
Melhor não pensar muito no que aconteceu.
Passei por várias corredeiras, menos mal que eram em linha reta. Caso virasse, não entraria por baixo de nada. O que ainda permanece são os pavorosos redemoinhos que fazem girar o caiaque quando passo por cima.
Não achei mais a lona, ela se foi!
Só me restava seguir em frente, agora pedindo ajuda a Deus a cada nova corredeira.
Às 17 h cheguei num local super estranho: parecia ser um afluente barrento e eu não sabia se seguia para a direita ou esquerda.
Que droga, onde estou?
Isso aqui parece outro rio...
Acabara de sair do “corredor da morte”, havia um enorme viaduto de trem mais para a direita.
Atravesso para o outro lado e encosto no barranco para achar os mapas e tentar descobrir onde estou.
Ainda estou tremendo!
Eu quase morri, foi por questão de segundos...
Que sensação horrível!
Abro o compartimento e filmo meu próprio depoimento, tenho que escutar isto mais tarde, valerá a pena!
Descubro que o rio corre para a esquerda e que o “afluente” vem da margem direita... Então estou no rio Corumbá!
Que gozado!
O Rio Corumbá
Foram 170 km e seis dias, mas não estou me sentindo vitorioso.
Foz do S Bartolomeu ao lado do viaduto do trem Amanhecer no R Corumbá
R Corumbá
R S.Bartolomeu
Consegui passar, mas o São Bartolomeu roubou minha autoconfiança!
Subo o barranco para ver lá de cima.
Para onde terei que ir há um barulho ensurdecedor de corredeira. Nem entrei direito no Corumbá e já tem pedreira pela frente!
Lá do alto traço uma rota para cruzá-la, do alto é mais fácil de ver por onde seguir.
Tenho que seguir bem rente da margem esquerda.
O Corumbá se abre e tem entre 100 a 200 m de largura (ancho). É grande e correntoso, estou com medo de seguir. Quero acampar antes, mas não há local, melhor passar aquela corredeira de uma vez.
Escuto o trem e volto correndo para filmá-lo ao cruzar o viaduto.
- Vamos embora cara, vai anoitecer!
E lá vou eu, rumo ao meu destino. Quando chego próximo da corredeira senti muita força de água, fiz a volta e percebo que até para retornar está mais difícil ainda, é muito volume de água.
Tenho que redobrar os cuidados, pois numa cachoeira... Bobeou, dançou!
Enquanto não chegar a Caldas Novas, terei corredeiras e cachoeiras; tudo porque queria iniciar a viagem na capital do Brasil.
Fiquei observando e resolvo cruzar onde a correnteza é mais forte, diferente do que havia planejado. Ali tem menos pedras.
Felizmente deu tudo certo e às 17h30min não tive muita escolha, acampei no remanso logo após a corredeira, em um local úmido onde havia um barco preso na corrente.
Vou passar frio (as roupas de dormir estão molhadas), mas não importa. Para quem quase morreu, nada mais importa.
Entrou muita água no compartimento de popa, penduro o que dá para secar, monto a barraca e inflo uma das bóias do Paulo para utilizar como isolante térmico e absorver as irregularidades do chão. Ela esvazia aos poucos (está furada), passo o resto da noite inflando quando o corpo toca no chão e o frio aperta.
Agora são 02h29min da madrugada e vou me rolando o que resta da noite.
Coloquei os isqueiros molhados na vela e eles voltaram a funcionar, eu não trouxe fósforos e fiz fogo com meu fogareiro a gás que acende sozinho.
Agora escuto outro trem de carga passando.
Esse Rio São Bartolomeu quase me matou várias vezes, nunca mais quero descer por ali...
Navegante,
No hay camino,
Se hace camino al navegar!
Al navegar se hace el camino
Y al volver la vista atras
Se ve la senda(trilha)
Que nunca se ha de volver a mirar!
Ainda não era a minha hora!
Buenas Noches!
Obrigado Senhor!

24/06/05 sexta-feira 7° dia
Os canyons de rocha negra
Pois é, eu tenho que colocar o que passou na “lixeira” do meu computador e só recuperá-lo quando o pior tiver passado. Não será fácil esquecer!
A noite foi longa.
Se dormir de costas, gela os pulmões, então tem que dormir de lado, sobre o braço. Aí dói na cintura e nos ombros, só que gela menos o corpo.
Tapo a cabeça com a manta de lã e com o capuz do saco de dormir. Assim junta ar quente suficiente para dormir sem tremer, fica apenas frio.
O sol nasceu e coloquei várias coisas para secar. O papel higiênico não tem mais recuperação, virou meleca.
Espero as roupas secarem e vou secando o compartimento de popa que estava cheio até a metade.
Parto só às 11h30min. Vou ajeitar o caiaque e percebo que o leme se foi, quebrou!
Bueno, se meus irmãos argentinos viajaram sem leme, no mínimo tenho que seguir em frente.
O rio está bem largo e isto me tranqüiliza um pouco, chega de “corredor da morte”!
Vejo dois tucanos, pombas e um pássaro parecido com siriri, que emite um silvo longo e lamurioso. Escuto seriemas e curicacas.
Uma hora depois, penetro num canyon formado por imensas rochas negras e ilhas de pedra com aspecto fantasmagórico.
O rio se enche de corredeiras e fico com medo de cair em alguma cachoeira, pois não sei onde ficam.
Começo a descer nas corredeiras, mas um estrondo forte faz meus cabelos arrepiarem e o coração dispara.
Encontro um remanso e vou investigar a pé.
Desembarco em praia de lama, cheia de cocô de capivara e sigo pela margem.
Vejo o que não queria: o rio, que já teve mais de 300 m de largura passa em uma garganta de apenas 4 m, imaginem a força da água!
É impossível passar ali sem virar, pois mal cabe o caiaque e serei jogado de lado nas rochas, até parece filme de terror, isto não tem mais fim...
Até para remar não tem espaço, é uma coisa quase incontrolável.
Não tem como voltar e subir o rio, não tem ninguém para me ajudar ou incentivar.
Escalo várias rochas tentando achar caminho alternativo, mas não existe!
Terei que enfrentar meus maiores medos e entrar naquilo ali, sabendo o que pode acontecer, menos de 24 h depois de quase ter morrido...
- É cara, não tem jeito, terás de passar por ali!
Retorno para o caiaque como um condenado, acho que já “assisti a esse filme“ e verei a “reprise” muitas vezes.
Peço ajuda a Deus e ao meu pai (com quem converso durante a viagem).
O pai (faleceu há pouco mais de um mês) sempre foi contra estas indiadas e esta seria a primeira vez que a gente iria se encontrar durante uma.
Seria em Foz do Iguaçu e agora ele é obrigado a viajar comigo, pois estou sempre o chamando para um “bate papo”, he, he!
Quem sabe a gente não se encontra de vez?
- Cara, se o caiaque virar, te ejeta, mas não te larga dele por nada deste mundo, a menos que a Iara seja muito gostosa...
Pelo menos é uma reta cheia de redemoinhos, mas é uma reta.
Subo um pouco o rio, faço a volta e retorno bem pelo meio. É muito pavor!
Entro no fluxo principal e consigo passar, mas os inúmeros redemoinhos jogam o caiaque de lado contra as rochas. Tento afastá-lo com as mãos, mas o turbilhonamento vira o barco.
- Puxa a alça, puxa a alça!
Não é tão fácil de achá-la, mas encontro-a e ejeto do caiaque.
- Te agarra nele, cara. Te agarra!
Apesar de utilizar o colete salva-vidas (que tem mais de 20 anos), vou para o fundo igual, a força da água é muita.
Caiaque emborcado e eu agarrado nele, assim descemos até o remanso. O medo é passar do remanso e enfrentar a próxima corredeira nestas condições.
Estou no limite psicológico, o físico até está bem. Não agüento mais corredeiras, antes o mar cheio de ondas do que isto aqui!
Antes de chegar ao remanso, vi um barco de alumínio destroçado entre as rochas. Ele está rasgado e torcido como uma folha de papel na lixeira.
Esvazio o caiaque ao lado de uma rocha e, pela primeira vez, vejo uma lancha de alumínio circulando por aqui. Eles estão subindo o rio...O cara deve ser muito bom, pois meter uma lancha aqui é quase uma façanha.
Eles param para conversar. O piloteiro é muito bom, chama-se Venerando, igual ao outro ocupante, mais Elísio que tira algumas fotos.
Seu Venerando fala que para baixo é violento, mas diz que o pior eu já passei.
Ainda tem três cachoeiras para cruzar, tenho que conseguir ajuda, caso contrário, meu barco irá ficar igual aquele de alumínio, retorcido entre as pedras e não vai viver para ver o mar.
Elísio fala que seu pai (Aquiles) está pescando mais para baixo e que tem um pessoal pescando numa ilha. Eles têm uma camionete e conversando com eles, poderiam me levar até Caldas Novas, onde não tem mais corredeiras...
Está decidido, vou colocar o caiaque e transportá-lo (até Caldas Novas- MG). Está todo trincado, arranhado e de leme partido. Tenho mais de 5000 km pela frente e não serão 100 km por terra que farão a diferença.
Eles sobem o rio e eu vou até a lancha partida e retorcida entre as pedras. Fiquei impressionado com o quê a força de água pode fazer.
Enquanto filmo, comento:
- Não é isto que eu quero para o meu barco.
Seu Venerando disse que têm corredeiras brabas para frente, que eu devo descer sempre pela direita. Sigo o conselho de Heitor, sobre o “V” invertido para penetrar na corredeira. Ali a corrente e a turbulência são mais fortes, mas é por onde não tem rochas ou paus submersos.
E assim me fui pelo longo canyon de rochas negras, superando corredeiras sem fim.
Umas maiores, outras menores, sempre descendo pelo lado direito.
- Porra, tu não viste aquela rocha?
- Porque tu não desviaste antes?
E assim fui indo, me auto puteando por não prestar atenção e desviar antes.
Por duas vezes mais o caiaque virou; fora uma curva onde o bico dele se chocou violentamente contra um tronco, chegou a doer.
Depois de mais de 1 h de lutas, o rio se abriu de novo, cheio de árvores lindas, sol gostoso e sensação de tranqüilidade.
Fui em frente, tentando encontrar o acampamento de seu Aquiles.
O rio ficou tão sereno e bom que já estou revendo a idéia de ser transportado, não gosto disto!
Parei em duas balsas de mineração que faziam um barulho terrível. Pergunto a um deles se conhece seu Aquiles.
O cara ficava olhando o caiaque e perguntava a respeito da viagem e não respondia o que eu perguntava, parecia retardado:
Ele respondia com perguntas sempre que eu perguntava se conheciam seu Aquiles.
Pô, cara eu te pergunto e tu não responde!
Ele me olha atravessado e eu encaro o corno, estou cheio de ódio e não precisa muito para eu fazer porcaria.
Melhor sair dali e deixar o chifrudo chupando pedras, tomara que encontre “ouro de tolo”, combina com ele!
Passei por duas casas, chamei e ninguém apareceu.
Desisto, vou seguir o meu caminho e parar com essa frescura de ser transportado.
Às 16 h encontro um senhor de cabelos brancos e bigode da mesma cor, parecidíssimo com Dorival Caimi (cantor baiano).
Pergunto se não é o Sr. Aquiles, ele diz que sim.
É uma pessoa super simpática, oferece de tudo. Diz que até uma ponte de concreto mais para baixo o rio estará bom, quer dizer, não será pior do que já foi, talvez seja até melhor.
Então prefiro seguir em frente, as cachoeiras (3) estão localizadas a partir desta ponte. Sabendo onde estão e encontrando ajuda, talvez consiga cruzar.
Ele diz que ao lado da ponte há uma estação ferroviária e que ali o pessoal lhe conhece e que eu posso colocar o caiaque no trem.
Fala dos caras acampados na ilha, mais para baixo (cerca de 19 km), mas agora mudou, prefiro ir mais adiante e só ser transportado se realmente não der de passar.
Segui em frente, passando por lugares maravilhosos e diferentes, como uma parte onde havia formações rochosas ao lado das árvores do cerrado, ouvindo o canto das seriemas e deslizando no rio espelhado.
Cosa linda!
Tive que filmar ali do rio mesmo, que paz!
Às 17 h, depois de uma corredeira, avistei a tal ilha onde os caras estavam acampados. Cumprimento a todos, vejo a camionete estacionada lá na margem, mas eles não me convidaram para descer e nada pedi, segui em frente, cruzando com um barco de alumínio que revisava as redes que eles colocaram por ali.
Encontro uma pequena elevação ao lado da água (na margem esquerda) onde daria para colocar a barraca ao lado do caiaque.
Vi o trem de carga passar pela linha que corre paralela ao rio, bem mais para cima. Há, também, uma estradinha de terra que não dá de ver direito, ambas são na margem direita.
25/06/05 sábado 8° dia
Bueno são 09h22min estou escrevendo desde as 7 h desta manhã muito fria e com cerração. Agora o sol apareceu, sinto um pouco a hérnia do lado esquerdo, mas é suportável.
Além do leme quebrado, encontrei uma rachadura violenta nos dois lados do bico de proa, parece que o caiaque está se abrindo ao meio (é o ponto onde os dois moldes são colados com resina, ou seja, a parte do casco é colada à coberta – parte de cima). Certamente foi pelos choques nas pedras e aquele violento impacto no tronco, ontem.
Mais choques como este e não sei o que irá acontecer.
Tem uma rachadura no meio, onde ele entrou de lado na corredeira que quase me quebrou as pernas. Para dizer a verdade, ele está trincado em vários pontos.
Vou preencher a rachadura com durepóxi e fita silver tape por fora.
Aqui na frente havia miles de garças e o espetáculo ficou por conta da neblina se erguendo, revelando o rio, a ilha e as matas.
Sigo até a ponte e lá decido o que fazer.
Esperando o conserto secar, parti só às 12 h.
Fui desviando de inúmeras ilhas e rochas enormes, escavadas pela correnteza. Um visual completamente diferente.
Estas estranhas formações criaram um verdadeiro labirinto e tenho que buscar o local por onde passa a corrente principal para não entrar num beco sem saída e ter que voltar contra a correnteza. Se conseguir voltar...
Seu Venerando avisou que o rio está muito perigoso porque está baixo e com mais corredeiras.
O rio estreitou muito e fui penetrando em outro canyon de rochas negras. As corredeiras se sucediam sem quase haver remansos.
Muito sufoco, a prioridade é não deixar o caiaque bater mais, principalmente de bico.
Faço uma força incrível, mas viro em outro turbilhão.
Fico me agarrando nele para não ir para o fundo ao mesmo tempo em que o direciono para que não se choque nas rochas. Há um estrondo forte para frente, consigo agarrar-me a um paredão de pedra, prendo o caiaque passando a corda numa fenda e escalo a rocha. Preciso ver o que tem pela frente.
É outro daqueles corredores da morte, cerca de 4 m de largura redemoinhos, corredeiras em curva, etc.
Certamente vou virar, melhor já descer agarrado ao caiaque, assim posso evitar os choques nas rochas e ele não vira. Pelo menos não é uma cachoeira!
Assim me fui, ora na popa, ora na proa. O turbilhão passa por cima, agarro no caiaque com todas as forças, sem ele serei levado para o fundo.
Agora eu e o caiaque somos uma coisa só, se ele afundar, afundo junto, mas nunca mais vou fazer a besteira de ficar longe dele num turbilhão ou redemoinho.
Depois do corredor, volto ao comando e sigo remando, agora tentando achar o caminho certo entre o labirinto de rochas negras.
- Pô seu Aquiles, isso aqui não é tão ruim como ontem?
Tudo tem seu lado positivo, assim não preciso tomar banho!
- É o famoso “STONE WASH”!
As cachoeiras depois da ponte se chamam Ventura, da Onça e outros bichos.
Finalmente chego na ponte e paro na margem esquerda antes de cruzá-la. Na cabeceira tem uma placa de bronze, foi construída em 1957, antes de Brasília (1960) e liga Orizona a Cristalina. A vista do rio ali do alto é lindíssima, o rio se espraiando entre as rochas negras e as margens cobertas de mata nativa.
Atravesso a ponte e subo uma lombinha, a estrada é de areião. Chego na estação de trem e chamo de longe. O pessoal daqui é muito desconfiado com estranhos então tem que respeitar certas regras.
Aviso que estou com o punhal no pulso (deixei o facão escondido na cabeceira da ponte) e me aproximo.
Falo da possibilidade de colocar o caiaque no trem de carga, ele diz que não pode, que são regras da companhia, insisto para que ligue e fale com alguém superior, mas ele diz que não tem créditos (no celular).
Não passa carro nem caminhão. Parece que não tenho saída.
Daqui a 12 km tem a primeira cachoeira, que não é tão alta, ele diz que o rio fica ruim e perigoso, fala de três meninas que morreram...
O problema será tirar o caiaque do rio e cruzar por terra nas cachoeiras mais altas.
Perdi a carona ontem achando que conseguiria colocá-lo no trem aqui, para diminuir o trecho transportado.
Resultado, passei corredeiras dificílimas, me arrisquei e agora não tenho saída, tenho que ir em frente e dar um jeito de passar as cachoeiras.
Seu João é legal, fico ali com ele, assistindo o Brasil vencer por 3X2 a Alemanha, pela Copa das Confederações. Parece que a final será contra a Argentina.
Bueno, são 15h30min, melhor seguir meu caminho. Volto para a ponte subo no caiaque (acabo rasgando a bermuda nas pedras) e volto uma parte contra a correnteza para tomar a corredeira principal, bem pelo vão central. Ao passar pela torrente, para não me chocar com as rochas, travo com tudo um lado e remo forte do outro.
Senti um estralo forte na coluna entre as omoplatas, algo sério aconteceu comigo, não consigo levantar os braços, pois dá uma dor lancinante. Quase não consigo me mover, o caiaque desce o resto da corredeira de ré e vai para o remanso.
Com muita dor, consigo levá-lo para a margem.

Este é o local onde me machuquei ao evitar o choque Local onde fiquei me recuperando por duas noites

A sensação foi igual quando me deu hérnia de disco na L 4, região da bacia.
Arrastei o caiaque na lama que afundava até o joelho. Parece que estou com um “ovo” entre as vértebras, um pouco abaixo dos ombros.
Se tentar erguer os braços, a dor fica quase insuportável, algo muito sério aconteceu.
Amarro uma corda na cintura e assim tiro o caiaque da lama.
Depois tomo um Viox (antiinflamatório), Sedalene e passo uma pomada.
Armo a barraca, agora estou na margem direita. Depois sigo até a estação, peço água e deixo a filmadora para carregar a bateria.
Agora são quase 2 h da manhã, escrevo faz 1 h e não sei o que aconteceu comigo. A coisa é séria, pensei em desistir, mas é muita sacanagem!
Do jeito que estou não posso sequer sonhar de enfrentar uma corredeira e ficar paralisado lá no meio, muito menos de carregar o caiaque nas cachoeiras.
Quero ver se consigo carona até Caldas Novas, talvez ir ao médico e prosseguir numa parte navegável.
Aqui é quase um fim de mundo, mas tenho que dar um jeito de sair.
A barra tá pesada, mas escrevendo eu melhorei.
Eu trouxe uma bolsa de água e coloco água quente para ajudar na recuperação. Esquento água e espero que ao amanhecer melhore. A dor é profunda, alguma coisa deslocou, isto eu tenho certeza!

26/06/05 Domingo 9° dia
Seu João apareceu aqui na barraca às 6 h para deixar a filmadora. Ele vai ao culto em Pires do Rio e retorna às 14 h.
O dia amanheceu lindo, mas a dor profunda aparece quando levanto os braços. Decidi que tenho que ir a um médico, tenho medo de ficar paralítico se forçar a barra. Melhor é ficar deitado aqui ao lado do rio, tomando meus remédios e dar um jeito de sair deste lugar por terra. Essa parte do rio já era!
Tomei banho com sabonete, organizei as coisas, arrastei o caiaque até a base de umas rochas. Depois coloquei as coisas pesadas em mochilas e levei até a estação. Seu João voltou comigo e me ajudou a levar o caiaque até a estação.
Consigo fazer força, desde que não levante os braços. Menos mal.
Deixo o caiaque por lá e retorno para meu acampamento na beira do rio.
Amanhã eu tento uma carona!
Há uma infinidade de morcegos, escuto capivaras a noite toda, até saí com a lanterna esta noite para ver se encontrava alguma.
Acho que preciso de uns 3 dias para ficar bom, pelo menos estou melhor que antes.
O repouso e o viox estão fazendo efeito!
27/06/05 segunda-feira 10° dia
Parece que há um cara que vai me levar até Pires do Rio, vai ligar por volta de 12 h. Desmonto acampamento e vou para a estação esperar a ligação.
Seu João foi para uma fazenda “quebrar” milho. Para não ficar “alugando” dona Madalena, resolvo fazer uma caminhada pelos trilhos, é cedo ainda e não tem nada para fazer.
Parece que estou voltando no tempo, era caminhando 5 km pelos trilhos desde a estação General Câmara que a gente chegava no sítio da vó, onde hoje é o pólo petroquímico.
Bons tempos das tias, dos primos de Caxias, da Vila Nova, da turma da Padre Cacique... Anos 70, não deu pra ti, e nos 80 eu não vou me perder por aí...
Voltei no tempo caminhando pelos trilhos. Para relembrar mais ainda, encontrei um casal de cravinas (tico-tico rei) bem vermelhas.
Encontrei um bugio atropelado, muitas ossadas de boi, vi o rio que desce tranqüilo ao lado, as corredeiras devem ser mais adiante.
Depois de caminhar 1 h para um lado, retorno, já tendo um pau para me ajudar a caminhar sobre o trilho, pois pelos dormentes está ruim.
Um pouco antes de chegar na estação, cruza um trem-linha, tipo um micro ônibus sobre trilhos (aonde vai o pessoal da manutenção) com um vagão atrás, (onde levam as peças e ferramentas de manutenção).
Almoço com dona Madalena que faz a comida num fogão de barro igual ao da vó. A fumaça da lenha sobe no canto escuro e é iluminada por um facho de luz que se infiltra entra as frestas da parede. Somado ao fogo e a lenha em brasa, fica lindíssimo.
Depois do almoço tudo pára, os bichos deitam e até o vento dá um tempo.
Lembram do filme “Era Uma Vez No Velho Oeste?”.
Os pistoleiros na estação, esperando o trem chegar.
Nada se movia, uma mosca pousa na cara do bandido mal encarado que não move um músculo sequer. Ele desloca a pistola para seu rosto e consegue prender a mosca dentro do cano da arma.
Igual aqui, só se ouve as moscas!
Ajudei dona Madalena a dar comida para os porcos e as galinhas. Nada do cara ligar.
Aparece um caminhão, o cara dá uma desculpa esfarrapada e vai embora; depois paramos o trem de carga, o maquinista fala em normas da companhia, ninguém quer me levar, eles têm medo de estranhos, parecem com os habitantes da margem leste da Lagoa dos Patos, que achavam que eu era um “bandido foragido” e se escondiam.
Pelas 5 h as coisas começam a acontecer, o cara do frete liga, mas o senhor Epitácio (Tácio), gerente de linha aparece. Ele diz que vai resolver meu problema quando retornar o trem linha. Ele falará com o senhor Barú para que me leve para a estação 3, um pouco antes de Pires do Rio, uns 40 km daqui.
Depois chega seu João e já escurecendo, o trem linha. Os funcionários colocam o caiaque na parte de trás e sigo com eles na frente, na parte fechada.
caiaque
Agradeço aos amigos que me ajudaram, eu não teria condições de atravessar as corredeiras e cachoeiras com este problema na coluna. Amanhã vou ao médico e, dependendo do que ele disser, sigo ou não!
Vamos em frente, estou rindo sozinho.
De repente estou em pleno coração de Goiás, andando em um trem linha com meu caiaque no reboque.
Que coisa louca!
Somos em 12 pessoas ali, os funcionários estão cansados, mas alguns brincam comigo respeitando muito o que estou tentando fazer.
Descer o São Bartolomeu até aqui já é alguma coisa!
O trem quase bate numa raposa e em algumas vacas.
Barú conta que estes dias o trem de carga matou 19 vacas que ficaram encurraladas no barranco.
Cerca de 40 min depois, chegamos à estação 3. Está escuro, mas seu Tácio já havia telefonado para eles avisando de minha chegada.
Ali está seu Jamilton, seu filho Cleiton e o cunhado Fabrício.
Eles me ajudam a carregar o caiaque enquanto seu Jamilton ilumina o caminho com os faróis de seu carro.
Tchê, que pessoal maravilhoso! Fiquei ali com eles, comendo uma deliciosa carne que estavam assando. Depois comemos arroz com ovo frito, não sei como agradecer tanta gentileza. Depois eles me arrumam um quartinho com colchão e roupas de cama.
É a primeira vez que vou dormir abrigado e sem sentir frio, sem a “neura” de um bicho me atacando enquanto durmo.
Posso fechar os olhos e dormir de verdade!
Dona Luzia, esposa de seu Jamilton arrumou tudo, muito obrigado.
28/06/05 terça-feira 11° dia
Acordo bem cedo, depois sigo com seu Jamilton para o hospital da cidade. O cara do RX só chega de tarde, então eu fico pelo centro para fazer minhas voltas. Aproveito para ir à internet e mandar um e-mail para os amigos. Pena que estava sem o diário e falei muito por alto.
Aqui abaixo vai o e-mail que mandei e o resto da estória.
Talvez, mais adiante isso tudo que escrevi acima e abaixo explique o porquê da minha revolta quando fui impedido de viajar no Uruguay.

Diário de um sobrevivente (este foi o 1° e-mail da viagem)
Olá amigos, estou em Pires do Rio, Goiás. Parece que passou um mês, estou cheio de cortes, contusões, o caiaque está todo trincado, arranhado, de leme partido, mas eu ainda não entreguei os pontos. Como se diz lá no Rio Grande “não está morto quem peleia”.
Eu quase morri por três vezes, a primeira quando quase cai em uma cachoeira depois de uma curva de rio, a segunda quando o caiaque, ao descer em uma forte corredeira não fez a curva e sumiu por baixo de uma rocha comigo junto.
Tu ficas preso nele de cabeça para baixo com a violenta turbulência desorientando tentando achar a alça que te libera do caiaque, descobrir para que lado fica a superfície e tirar tu e o caiaque das pedras.
A pior foi a terceira quando entrei em um longo cânion de uns quatro metros de largura e o caiaque entrou de lado nas rochas negras e virou.
Puxei a alça, ejetei do caiaque e fui sugado pelo redemoinho e fiquei girando como um louco com colete e tudo sem saber para que lado ficava a superfície. Os pulmões pareciam estourar e só pensava:
- Vou morrer, vou morrer!
Quando tudo parecia perdido fui levado para a superfície onde respirei e mergulhava de novo quando meu braço esquerdo encontrou o caiaque enquanto o redemoinho nos levava de volta para o lugar onde afundara.
Chutei as rochas com força para sair dali e depois fomos arrastados até chegar a um remanso. Teve outra corredeira em que fui rolando nas rochas virando um monte e batendo nas pedras por cerca de trezentos metros.
O rio São Bartolomeu quase me matou por três vezes, mas o máximo que ele fez foi roubar minha autoconfiança.
É um rio que ainda tem sucuris, mas não vi nenhuma. Apenas capivaras, ariranhas e tucanos, entre outros bichos.
Estou com um arsenal de punhais nos antebraços, facas e facões na coberta do caiaque. Sucuri nenhuma vai me pegar sem levar o troco.
Passei por inúmeras situações de perigo real, não tem como recuar.
Aprendi a pedir a Deus para me ajudar a cada corredeira mais violenta que tenho que enfrentar.
Passei por muitas balsas que retiram água do rio para os Garimpos.
O rio São Bartolomeu foi uma corredeira só, muitos perigos: na Garganta do Diabo dei de cara numa rocha e jogou a cabeça para trás, acho que ali foi o início do problema pelo qual vou fazer uma radiografia daqui a pouco no hospital da cidade.
Estou detonado, mas não estou morto, como diziam no filme Gladiador:
- “Ainda não é a sua hora”!
Depois de seis dias cheguei ao Rio Corumbá, logo ao lado de um imenso viaduto de trem.
Saldo até aqui: diversas escoriações nas mãos, “ovos” nas canelas, panturrilha da perna direita e nas costas.
Caiaque: várias trincas no casco, leme despedaçado, inúmeros riscos nas rochas, mas ele é valente acima de tudo, até agora não está fazendo água.
Ele é um caiaque oceânico, de 5,20 m de comprimento, dificílimo de manobrar em corredeiras estreitas e curvas, mas o nosso destino final é o mar e é para lá o nosso caminho.
Eu sabia que seria difícil no começo, mas está duro demais, espero sobreviver até o mar.
Tive que aprender na hora a manobrar pela primeira vez em corredeiras, pela primeira vez utilizando o caiaque com seus 50 kg de carga e sem conhecer absolutamente nada sobre os rios por onde vou passar, apenas dirigi o carro por 2000 km com meu amigo Aldo, achamos o local para iniciar durante a noite. Depois colocamos o barco n´água e parti sem saber o que me esperava. .
Seguindo pelo rio Corumbá o rio começou a serpentear entre milhares de rochas negras, com corredeiras mais fáceis a princípio.
A coisa foi piorando, o rio estreitando até chegar numa pavorosa garganta de apenas quatro metros de largura.
O meu instinto de auto preservação, pavor e medo chegou ao limite, eu sabia que entrando ali o caiaque seria jogado de lado nas rochas, viraria e o resto...
Foi aí que comecei a falar com Deus, eu não tinha como voltar e não havia ninguém para me ajudar.
Quando decidi que deveria seguir em frente, entrar naquele caiaque e me dirigir para a garganta vendo a violenta turbulência se aproximando foi a coisa mais difícil do mundo.
Aquilo é como a vida, os problemas nos esperam e não adianta querer contorná-los, para superá-los, devemos enfrentar de frente o que vier.
O caiaque virou, puxei a alça, ejetei, mas permaneci agarrado ao barco.
Se ele afunda, afundo junto, mas nunca mais vou abandoná-lo.
Não morri e assim como esta passei muitas outras mais. Na verdade, dizer que passei por centenas de corredeiras talvez seja pouco.
Dois dias depois parei para pedir informações e quando fui passar por outra corredeira alguma coisa deslocou na coluna vertebral e fiquei quase paralisado de dor nas costas. Parecia haver uma faca cravada entre as vértebras.
Fiquei dois dias acampado na beira do rio, tomando antiinflamatório até que consegui carona num pequeno vagão de reparo de linha férrea que segue paralela ao rio.
Cheguei ontem a noite(aqui em Pires do Rio – GO) e daqui vou ao hospital fazer o Rx e conversar com o médico.
Em princípio vou continuar a não ser por impedimento médico.
Eu passei por muita coisa, limite físico e moral, mas se depender de mim vou em frente.
Ainda tem cachoeiras e corredeiras pela frente, mas se esse rios pensam ver um soldado se curvar, o máximo que ouvirão é um guerreiro suspirar.
Tirando fora os “probleminhas” com corredeiras e cachoeiras o que fica são as imagens de um por de sol por detrás da mata, do vôo dos tucanos, do chiado das ariranhas e do latido das capivaras;
Para tudo eu digo:
Lá longe, onde brilha o sol,
Estão minhas supremas esperanças.
Talvez não as alcance, mas posso ver sua beleza,
Crer naquilo que elas representam
E tratar de seguir o caminho que me ensinam.


A vida chegou até minhas mãos por um breve instante,
Como uma tocha esplêndida
E eu quero fazê-la arder com o maior brilho possível
Antes de entregá-la
Às próximas gerações.


É isso aí meus amigos, vou em frente nesta batalha e a luz pode se apagar a qualquer instante, mas que enquanto durar ela brilhe como nunca mais!
Um baita abraço do amigo André.
.


STILL ALIVE, AMIGOS (segundo e-mail)
Depois de ficar o dia todo no Hospital ficou constatado pelas radiografias que não houve nenhum deslocamento de vértebra, deve ter sido uma forte distensão. O Dr. Renato receitou antiinflamatório, mas isto eu já vinha tomando.
Decidi que partiria no dia seguinte, mesmo com dores, pois o medo maior era ter deslocado algo.
A dor eu posso suportar.
É o décimo segundo dia de viagem, estou nervoso, vou enfrentar corredeiras de novo sem saber se consigo superar a dor. Dormi dois dias na segurança de uma casa e agora me vejo de frente para o rio Corumbá sem saber o que vai ser.
Despeço-me dos amigos que carregaram o caiaque para mim até a beira do rio, coloco o colete, as luvas, engulo em seco e me despeço dos amigos.
Pois é seu André, agora é só tu e Deus de novo.
E lá se vai nosso herói estropiado: perseguindo horizontes ou moinhos de vento?
Logo se aproxima a primeira corredeira, o barulho alto da água vai se aproximando, tu tentas ver por onde é o melhor caminho, mas só percebe nos instantes finais. Tento desviar das rochas, mas não dá para fazer força e acabo raspando o fundo.
- Merda!
Acho que estou ficando bom, pois já estou reinando.
Aprendi a não lutar com o rio, deixo o caiaque escolher por onde ir, ele segue por onde a correnteza é mais forte, mas o meu instinto de auto preservação quer evitar estes locais.
Antes de chegar às pedras o rio forma um “v” invertido, é ali onde devo colocar a proa, por ali passa sem bater nas rochas e, ao longo do dia, assim vou seguindo.
Tu passas uma corredeira e já começa a ouvir o som da próxima, é agoniante!
Passei por três pontes que ligam Pires do Rio e vou seguindo.
As corredeiras estão cada vez piores, é uma colada na outra, está difícil de escolher o caminho certo, por enquanto vou me dando bem. Só dá uma fisgada mais forte quando forço um pouco mais o remo.
Driblando a “Véia da Foice”
Às 13h sou obrigado a parar, o estrondo é forte demais, meu coração bate rápido, ainda não superei o pavor de quase morrer duas vezes nos redemoinhos.
Há uma torrente de água que se afunila numa garganta entre as rochas e se torce com força, não dá para ver se ali no meio tem rochas, pois se entrar ali, naquela velocidade, despedaça o caiaque e eu junto.
Paro num remanso, procuro um caminho alternativo, não tem.
Carregar o caiaque sobre as rochas é impossível para mim sozinho.
A princípio estou calmo, mas o pavor vai crescendo quando percebo que não tem outro caminho pelo meio das pedras, terei de passar no pior da correnteza que tem uma força que direciona tudo para umas rochas meio submersas, é quase impossível fazer a curva; começo a falar para mim mesmo:
-Cara, não tem jeito, tu vais ter que subir o rio contra a correnteza, fazer a volta e descer pelo meio daquela violência, tens que entrar lá do outro lado, bem junto das rochas do lado direito para ter uma chance de não bater nas rochas da esquerda.
- Eu não acredito que tu vais fazer isto comigo!
- Sinto muito brody, é por ali!
- Deus me ajude!
Faço sinal da Cruz, Deus é minha única companhia, peço seguidas vezes que me ajude enquanto sigo para o caiaque.
Encho um flutuador dentro da mochila da proa para que o caiaque não afunde se virar.
E lá se vai o condenado, senta no caiaque, posiciona a capa e se prepara para subir o rio e fazer a volta antes de entrar na correnteza.
- Pronto virei, e agora?
-Tenta levar ele bem pela direita, na outra margem e não deixa entrar de lado, pelo amor de Deus!
A velocidade aumenta pavorosamente, não tem mais volta.
- Trava bombordo seu desgraçado, trava!
Travo com todas minhas forças, o bico endireita, estou quase batendo nas rochas da direita. Acho que meus olhos estão vidrados, só vejo a espuma e as ondas revoltas onde vou cair em segundos e aquelas malditas rochas da esquerda que podem sugar eu e o caiaque para uma viagem sem volta para o fundo.
- DEUS ME AJUDA, DEUS ME A
J
U
D
A !
O caiaque mergulha de bico, as ordens são para puxar a alça, ejetar e dar um jeito de agarrá-lo ao mesmo tempo.
Tudo passa por cima o caiaque pula como um cavalo doido, as rochas da esquerda se aproximam.
- TRAVA BORESTE, REMA BOMBORDO, RÁPIDO!
Eu nem tenho tempo para pensar, apenas grito comigo mesmo:
- REMA DESGRAÇADO, SAI DAI SEU MERDA!
Estou de lado, vou bater (e ser sugado), mas uma corrente salvadora me tira dali, o caiaque rodopia e gira ali no meio, parece se desviar sozinho das rochas, remo quando dá, mas o mais incrível acontece, não virou!
- NÃO VIROU, OBRIGADO SENHOR!
Cara é muito stress, que adrenalina!
Sigo em frente, mas as corredeiras se sucedem, passo por várias, lugares belíssimos e algumas ilhas.
Depois de 4 h de viagem escuto um estrondo forte demais.
A mais impressionante
- Cara! Parece uma cachoeira, sai dai tu estás entrando na corredeira final.
Que dor nas costas que nada, tenho que salvar minha vida. Faço uma força incrível e entro num remanso bem ao lado da mais pavorosa corredeira gigante ou cachoeira até aqui.
Desço e vou filmar o local, é apavorante!
Uma força descomunal de água e rochas pontiagudas bem no meio da torrente.
Entrar ali é suicídio, pois é imprevisível e tem tudo para despedaçar o caiaque ou rachar a cabeça se virar e bater nas rochas.
- Mas e se for por ali?
- Vai te f...., quer me matar seu corno?
- Nem pensar, nem tente pensar em passar por ali.
- Tô ficando com raiva de ti!
Tudo bem, por terra não dava, havia casas rio acima, só que na outra margem.
Teria que subir o rio contra a corrente e dar um jeito de atravessá-lo sem cair na corrente.
Tentei no remo, mas a corrente foi mais forte e ele veio com tudo na direção da queda:
- NÃO DEIXA VIRAR, NÃO DEIXA VIRAR!
- REMA DESGRAÇADO, REMA VAI PARA O REMANSO!

Ainda estou tremendo, só me resta subir por dentro da água arrastando o caiaque com uma corda.
A correnteza é muito forte, estou num ponto crítico enfiando os dedos em saliências nas rochas com a mão direita e a corda que segura o caiaque na esquerda.
Se soltar a corda agora o caiaque se vai na queda.
Não é que escorreguei?
Não podendo soltar as mãos de jeito nenhum, fui obrigado a aparar a queda com a testa na rocha.
Resultado: um tremendo “ovo” na testa, mas felizmente não cortou e não larguei nem a corda (com o meu caiaque) nem a saliência.
Consegui passar dali e finalmente subi o rio fazendo o sinal da cruz entrando na corredeira de lado e fui atravessando ao mesmo tempo em que descia para a cachoeira. Se o caiaque vira ali não se salva nenhum dos dois.
Cheguei do outro lado e subi para chegar na casa, atravessei outra corrente mas não havia ninguém na casa. Resolvi descer o rio de novo até a cabeceira da queda, só que agora pela margem direita.
Não é que o corno virou ao passar na corredeira que eu já tinha cruzado?
O corno já se foi entrando para a cachoeira, alcancei-o com a mão esquerda e meti a mão direita numa saliência de rocha.
- Não seu desgraçado!
Acabei esmagando a unha do dedo da mão direita.
Consegui descer até a cabeceira, arrastei o caiaque para cima e armei a barraca, era cedo, mas dali não dava mais para seguir.
- Ufa, que dureza! Isto é que eu chamo de tratamento intensivo para a coluna detonada!
Recém eram 16 h, esvaziei o caiaque para transportar as coisas por terra no dia seguinte.
Enquanto os borrachudos me atacavam, lavei as roupas e depois tomei um banho com sabonete.
Liguei o radinho, escutei o Brasil meter 4 x 1 na Argentina pela decisão da copa das Confederações, he, he!
Eles aprontaram muito em B. Aires e mereceram o “chocolate”.
Como é doce o sabor da vingança!
Lo siento mis amigos Argentinos pero este fué el vuelto de Buenos Aires!
Saldo do dia: dedo esmagado e um baita “ovo” na testa!
Fiquei ali, nas pedras, já com meu quepe com mosquiteiro, estudando por onde iria passar no dia seguinte.
Vejo um rapaz subindo pelas pedras com uma tarrafa nos ombros, é Quico.
Ele mostra um caminho alternativo que inicia ao lado daquela casa que não tinha ninguém, aonde virei na corredeira que esmagou o dedo.
Realmente diminui o trecho, só que terei que remar rio acima de novo e lá fazer inúmeras idas e vindas com as coisas e depois dar um jeito de transportar o caiaque sobre as rochas. Quico diz que dará uma mão nesta parte, legal!
Acho que levarei o dia todo fazendo isto, mas a cachoeira da Prainha é o último grande obstáculo intransponível. Nas corredeiras seguintes posso utilizar minha tática “kamikaze”.
Mais dois dias de viagem e saio das corredeiras, acho!
Esta noite as capivaras ficaram “latindo” aqui ao lado.

30/06/05 quinta-feira 13° dia
Agora são 7 h, escuto os pássaros e papagaios. Escuto o som da corredeira e vejo quatro capivaras nadando na outra margem, estão só com as cabeças de fora. Depois elas sobem o barranco de lama enquanto eu filmo e fotografo.
Estou muito feliz de poder continuar, tenho consciência de que são momentos únicos e que terei saudades disto aqui. Vou curtindo tudo como se fosse nunca mais.
Repetindo o Vinicius de Morais: “... E a coisa mais divina que há no mundo é viver cada segundo como nunca mais!”.
Tudo arrumado, tenho que remar rio acima e passar, pela terceira vez, na corredeira do dedo esmagado.
Foi difícil, mas consegui. Subi o braço inativado do rio (pois agora é época de seca e o rio está baixo, com mais corredeiras) até chegar em umas rochas.
Primeiro levo as tralhas do compartimento de popa (mochilas, alimentos, barraca e reparos) e sigo pelas rochas até um trecho perigoso, de capim alto.
Fico nervoso, pois não enxergo onde piso e pode haver jararacuçus, cascavéis e jararacas; fora as sucuris! Bueno, em cerca de 20 min fiz o trajeto de ida. Teria de fazer mais duas viagens com as tralhas.
Suando muito e entregando a preocupação ao destino, terminei esta parte e parei para comer entre as pedras. Lugar muito bonito!
Voltei pela quarta vez e fui buscar o caiaque sobre as rochas. Mesmo sem a carga, estava pesado e fiz um trilho com paus, colete e mochila para puxá-lo sobre as rochas até uma parte com água mais adiante. Depois levei o caiaque (remando) pelo que sobrou do riacho até enormes rochas, onde precisaria da ajuda de Quico.







Escalando rochas com o caiaque Quico deu uma força na parte final A cachoeira entre a neblina do amanhecer
A dor na coluna voltou, esse é o tratamento para uma violenta distensão lombar.
É duro, a dor incomoda, mas não tenho tempo para churumelas!
Caminho até o balneário (prainha) onde há vários quiosques de palha e alguns bares (fechados). Subo a estrada e vou até a casa de Quico.
É um sítio maravilhoso, cheio de bouganviles, pássaros, coqueiros (produzindo), açudes e currais.
Há um velho trator, Quico é quem cuida de tudo.
Em 4 etapas conseguimos levar o caiaque até uma praia ao lado. Depois faço mais três viagens trazendo as tralhas que haviam ficado nas pedras.
Monto acampamento e deito um pouco, estou “morto” e cheio de dores na coluna.
Quico retorna ao final da tarde, traz bergamotas para mim e vou vê-lo pescar enquanto finda a tarde. Ele diz que a água está gelada e por isto não está dando peixes.
Aqui neste remanso depois da queda o patrão dele pegou duas enormes sucuris na rede de pesca. E eu achando que não tivesse mais...Não dá para bobear, vou voltar a usar o punhal no antebraço com o velcro que a Marlene costurou.
Aqui é local que tem muita paca (um porco selvagem, segundo Quico) e outros animais. Capivaras eu vi e escutei, são muitas.
Acampei na praia, de frente para o final da cachoeira.
Esta noite que passou foi linda, vendo a corredeira, escutando as capivaras, os morcegos e os grilos.
1°/07/05 sexta-feira 14° dia
Amanheceu com neblina e o visual foi incrível, coisa de cinema!
O sol forçava passagem enquanto a neblina subia, tal qual uma cortina, desvendando a cascata que aparecia ao fundo.
Acho que mais dois dias e acabam as corredeiras, este era o último grande obstáculo, ainda bem, pois estou no meu limite psicológico.
Pô, já estamos em Julho!
Como sempre, desperto às 7 h, mas o frio desta noite não foi fácil, principalmente o que vem do chão.
Despertei às 3 h para fazer o kinojo e esquentar um pouco aqui dentro. Houve muito barulho de morcegos e de capivaras.
Arrumo o acampamento e surge um casal, são Guilherme e Giovana.
Ele parece um cow-boy, igual ao da novela que está passando.
Eles são gente finíssima, mostram o sítio, a casa (onde tomo um delicioso café), o pomar e os bichos, inclusive um terneiro de raça, bicho muito lindo e que já caiu na piscina da casa.

Guilherme diz que tirou uma foto da sucuri em circulo com seu filho deitado no meio!
Giovana planta de tudo, desde flores, frutas e até hortaliças, eles me fazem sentir como se os conhecesse há muito tempo. Guilherme já trabalhou em tudo (boate, pizzaria, cria frangos). Eles me dão carambolas, laranjas, bergamotas e até mesmo um coco. Chego a ficar constrangido com tanta atenção.
Eles me orientam como passar pela corredeira do “Cavalo Russo” e outras mais.
Isso não acaba?
Não agüento mais corredeiras!
Eles vêm até a praia se despedir, muito obrigado amigos!
Parti às 11:40 h, entro na corrente forte que vem da corredeira gigante e me vou porteira afora.
Ou as corredeiras estão mais fáceis ou estou ficando mais experiente; acho que pode ser as duas coisas.
Cara, que coisa mais linda o lugar por onde vou passando.
A primeira hora é de corredeiras mais ou menos fortes e depois cruzo pela corredeira do Cavalo Russo que me molhou todo, mas que não ofereceu maiores perigos, utilizei a minha tática “Kamikaze”. Ali o rio é bem largo e não há redemoinhos

- Estás ficando macho de novo?
- É melhor tu baixares a “crista”!
É verdade, lembrei de uma fábula onde um homem reclamava à Deus por que Ele o abandonara em um trecho muito difícil de sua jornada pelo deserto.
Ali, nas areias escaldantes, ele olhou para trás e viu apenas um trilho de pegadas.
Deus falou:
- Eu nunca te abandonei quando precisastes!
- Aquelas pegadas eram minhas, quando te carreguei!
É seu André, podes brincar, mas nunca esquece de quem te ajudou!

Passa o tempo, maravilhado, vejo 4 capivaras (2 adultos e 2 filhotes) tomando sol no barranco.
Adiante vi outras e tive a felicidade de conseguir filmá-las (cerca de oito) enquanto se deslocavam lentamente para o rio.
Depois a coisa foi ficando linda demais, o rio mais largo, uma paz que não tive até então, beleza indescritível.
Seguidas vezes cruzo com capivaras, algumas fazem estardalhaço, outras entram devagar no rio com seus filhotes.fiquei nervoso ao final do dia e tive que entrar por um pequeno afluente entre os galhos com lama acima do joelho e quase escuro. Facão e punhal na mão, lugar perigoso.
Abri uma clareira e armei a barraca.
Tu não consegues ficar muito tempo tranqüilo.
Acabo quebrando a vareta da barraca na ânsia de armar rápido ao buscar minhas coisas na lama profunda e já no escuro, quando as sucuris devem estar saindo de suas tocas.
Dormir realmente é muito difícil, deito muito cedo pelo cansaço e acordo, invariavelmente, por volta de 2 a 3 h da madrugada. Como algo e escrevo, como agora, às 2:45, para fazer um miojo, esquentar o interior da barraca e depois voltar a dormir até às 7 h. Agora são 3:27 , está bem frio.
Escuto as gotas do sereno caírem na mata, os grilos e as corujas.
Às vezes, mugidos de vacas ao longe ou cachorros latindo e galos “desregulados”.
Vou dormir mais um pouco, cabeça tapada dentro do saco de dormir.

02/07/05 sábado 15° dia
Parece estar chovendo, mas são pingos da cerração forte aliada ao frio que ainda faz. Acho que ficou entre 10 e 12° C esta noite.
Ontem vi vários casais de papagaios, tucanos e cerca de oito patos pretos que quando voam apresentam a parte inferior das asas na cor branca e a cauda preto-esverdeada. O Rojas deve saber que pato que é.
Além de muita cerração, há gritos de seriemas e curicacas, que se destacam na manhã que inicia.
Devo estar perto da ponte de Caldas Novas, dali terei mais uns 60 a 70 km até a foz do Corumbá no rio Paranaíba, na divisa com MG. Parto só às 11 h.
Sigo em frente e o rio está quase sem forças, acabaram as corredeiras.
- ALELUIA!
Árvores enormes se debruçam sobre o rio, passo sob elas para fugir do sol forte, mas sempre olhando para cima, pois as sucuris gostam de ficar sobre os galhos...
Vou em frente, o sol atrapalha para ver as margens, passo pela entrada do rio do Peixe e depois tudo começa a ficar largo demais, está difícil para me orientar, sem a bússola e apenas com o mapa rodoviário sou obrigado a utilizar o GPS (grupo de pessoas simpáticas). Acontece que informam (quando encontro alguém) muito por cima e começo a ter muitas dificuldades.
Passo da entrada do rio do Peixe, e chego no que parece uma bifurcação com uma ilha em frente. Fico na dúvida se sigo pela esquerda ou direita, mas opto pela direita e paro um pouco adiante, já depois da ilha para descansar e comer algo. É ao lado de um bosque onde há uma lindíssima teia de aranha que mais parece um vestido de noiva.
Sigo por uma longa reta e vou bocejando, pois ficou monótono e largo, sem correnteza nenhuma.
Paro às 13h40min ao lado de uma solitária figueira num campo desmatado para o gado.
É uma lama sem fim e jogo uns paus para apoiar os pés ao voltar para o caiaque enquanto o gado volta para recuperar a sombra que eu roubei.
Coloquei a bússola na proa, mas não dá para confiar nela, o rio faz muitas curvas e não tem uma direção geral. Meus mapas rodoviários quase não ajudam e pela primeira vez estou perdido.
Cheguei a jogar uns pauzinhos no rio (numa curva) para determinar se o rio descia ou subia.
Comecei a passar por muitas florestas submersas pelo lago que se formou pela barragem depois de Caldas Novas.
Sigo em frente e cruzo com um senhor que pesca com seu filho numa lancha. Ele diz que há uma ponte daqui a quatro km.
Ou meu caiaque é muito lento ou ele é um baita dum mentiroso
Remava, remava, as horas passavam e nada de ponte.
Passava das 5 h e nada de lugar para acampar.
Chego a uma praia com muitas dores, pois hoje eu não tomei remédios, resolvi parar, pois já tomei remédio direto, por seis dias.
Tomei o sol poente direto no rosto, que irrita quando queres ver algo para acampar.
Peço licença a João, para acampar defronte a sua cerca, na beira do rio.
Cheguei a ver 5 tucanos juntos, foi lindo!
Depois fui na sede do sítio deles para tomar um banho quente e para “ajudá-los” a comer uma carne que estavam assando.
Luis e Jr. têm uma fábrica de queijos e derivados a 17 km daqui, em Caldas Novas.
Aproveitei a noite gelada para me aquecer ao lado do fogo da churrasqueira. Tomei um delicioso banho quente e janto com os novos amigos.
Dormi 1 km antes de chegar na ponte!
03/07/05 Domingo dia 16
O rio mais parece um lago, não há corredeiras e até o vento deu um tempo. Cruzo com enormes paredões e chego na ponte que liga a Caldas Novas, com uma casa na base e dezenas de roupas multicoloridas penduradas no varal.
Local lindíssimo; cruzo com uma infinidade de tucanos, araras e até um urubu-rei, lindíssimo. Nunca vira um em seu ambiente natural!
?
O lugar é de cinema, papagaios cruzam o rio quase lago.
Chego numa parte larga, vejo uma cidade, é Caldas Novas.
Vejo duas lanchas fundeadas e vou para lá pedir informações. Mal consigo olhar para os caras, pois está cheio de prendas de biquíni. Eles dizem:
- Rapaiz, ocê tá muito animado!
Depois paro para almoçar numa linda praia de pedra, mas lindíssima, onde o caiaque boiava amarrado a um galho.
Aproveito para tomar água de coco (aquele que ganhei de Guilherme e Giovana) e depois comi a polpa, que chique!
O rio parece ter até cinco direções ao formar lago entre as montanhas e tenho imensas dificuldades em descobrir para que lado seguir, chego a tomar o rumo errado várias vezes e não encontro local.
Procuro com o binóculo, cruzo de uma margem a outra e a solução foi subir numa destas balsas de pescadores que ficam fundeadas em determinados locais.
Vejo tucanos mais uma vez.
Chega o final do dia, não acho lugar para acampar então vejo uma casa flutuante (que os pescadores deixam às margens do lago) com o binóculo e que parece não ter ninguém.
Monto acampamento ali, sobre a balsa. Ela está deserta, tive muita dificuldade para subir ao lado dos tonéis. Tive que armar a barraca mesmo tendo teto de zinco, pois vi duas enormes aranhas. Está deserta, a casa está trancada com um cadeado, mas tem uma varanda coberta. A casinha flutuante está fundeada bem ao lado da mata virgem.
O travesseiro inflável já era. Furou e não tenho como consertar.
Agora deve ser 3 h da manhã, o céu está estreladíssimo. Macacos que vi ao entardecer gritam de vez em quando de seus ninhos, nas taquareiras.
Ouço o barulho da água batendo nos tonéis de sustentação da balsa, os grilos e as corujas. Lugar de cinema!
É por isto que adoro estas viagens, tu ficas em situações inusitadas, locais maravilhosos diariamente, apenas curtindo sons, imagens e emoções.
Estou fazendo uma média de 57 remadas/minuto. Isto dá mais de 3420 remadas por hora ou 27.360 remadas num dia de oito horas de “trabalho”. Haja ombro!

04/07/05 segunda-feira 17° dia
Amanhece o e os bichos não me vêem, filmo um bando de macacos-prego e um enorme pica-pau de cabeça vermelha dando comida para os filhotes no oco da árvore submersa bem na minha frente. Show de bola!
Sigo em frente, seguidas vezes tomando o rumo errado. Encontro Anísio louvando a Deus dentro do mato em voz alta e quando pergunto para onde fica a barragem, ele me manda ter paciência e começa a falar de Deus e das maravilhas daqui.
Bueno, como diz meu irmão: - Tens que exercitar a tolerância!
Levei quase 30 minutos de catequese no saco até ele dar a informação desejada e apontar para uma direção completamente oposta àquela que eu estava tomando antes.
A PRIMEIRA REPRESA - CORUMBÁ
Finalmente chego na barragem (12:30), é cedo ainda. Acontece que fui pelo lado errado, para desembarcar devo atravessar diante da barragem até a margem esquerda onde há uma escadaria.
A minha sorte é que o rio está baixo e as comportas estão fechadas, pois o animal cruza bem na frente de tudo sem saber que se estivessem abertas teria sido sugado.
Local onde fui deixado
Deixo o caiaque junto às pedras, caminho o longo “s” da estrada até lá embaixo, junto à saída das turbinas, onde está o prédio da administração.
Apresento-me como “oficial da reserva do corpo de saúde da Marinha do Brasil” o que não deixa de ser verdade.
- O senhor nem deveria ter vindo aqui! É local proibido!
- Não vi nenhuma placa!
- É, mas deveria ter percebido!
- Eu não sou adivinho!
Daí já vem o segurança armado.
Mostro uma carta de ciência da Capitania de Santa Catarina e meu documento de oficial da marinha.
- Isso não quer dizer nada!
- Para não mandá-lo pra casa do chapéu, apenas sorrio.
Bueno, aquele papo não ia me ajudar e mudei o rumo da prosa, o Sr. Caputo entrou no prédio e não disse nada.
Fiquei ali fora, em pé, esperando uma autorização por mais de duas horas. Ninguém fala nada, ninguém sabe de nada.
Quando eu já estava pensando em voltar e descer o caiaque de rapel, ele autorizou uma camionete e quatro funcionários a pegar o caiaque lá em cima e me largaram ao lado das turbinas aqui em baixo.
Estávamos em cinco pessoas e eles bufavam e tiveram que parar duas vezes para descansar nas escadarias devido ao peso do caiaque.
Voltei a sentir dores lombares pelo esforço.
De brabo, fiquei tri feliz! Eram mais de 50 m de altura iria levar mais de dois dias para cruzar sozinho.
Fiquei receoso, pois queria partir de uma praia, mas eles me largaram ao lado das turbinas onde a água estava super agitada. Descemos sobre as pedras (com muita dificuldade) enquanto o pessoal da usina observava do alto do mirante. Aceno a todos e eles retribuem.


Fui largado nas pedras ao lado das rochas lisas, na saída das turbinas os funcionários vêm olhar
Segui adiante peguei água numa cascata ao lado do rio, passei por dragas de areia e fui em frente, passando por muitas florestas de gameleiras inundadas, mas ainda vivas.
De novo o sol poente me atacava de cheio e não consegui ver direito para as margens, chegava a irritar. Os riscos mais profundos foram cobertos com durepóxi

Acampei numa elevação entre as gameleiras e resolvi consertar as partes mais feias do caiaque com durepóxi. Dá pena de ver os milhares de riscos e trincados no outrora hidrodinâmico casco do Maktub.
05/07/05 terça-feira 18° dia
Parti meio tarde e logo adiante chego a uma ponte que está exatamente ao nível do rio, não dá de passar sob a ponte. Sigo até a extrema, arrasto o caiaque por terra auxiliado por Herci, que acampou sobre a ponte. Ele me manda seguir sempre pela esquerda nas bifurcações e sigo meu caminho. Passo pela ponte nova e de novo o rio se abre num lago com cinco ou seis direções a tomar. Paro para descansar a sombra de uma árvore, onde os bois estavam e se afastaram um pouco enquanto eu almoçava. Divido a sombra com eles, deitado sobre o colete enquanto eles se aproximam e ficam me observando.


ponte antiga ao nível do rio
Ponte nova
Ponte velha
Errando e acertando vou em frente, passando por belas sedes de fazendas até acampar em uma curva do lago, depois de girar sem rumo por mais de uma hora.

06/07/05 quarta-feira 19° dia
Segui pela bússola o rumo W - SW vou por mim os caras só me dão informações erradas.Remo cerca de quatro horas, estou perdido de novo, vou numa direção e ouço sons de outro lado. Vejo uma balsa de transporte de veículos e finalmente descubro onde estou no mapa.
Chegando ao Rio Paranaíba
Sigo até onde é o terminal da balsa, ali fica próximo de Corumbá Azul.
Um senhor me dá o rumo a seguir o lago tem uns 10 a 15 km de largura.
Não é que o corno me manda seguir em direção de uma ilha no meio do lago enquanto eu deveria acompanhar a costa no rumo SW? Uma lancha passou perto fiz sinais e parei uma ilha, o mal poderia ter sido maior.
Aqui já é a foz do rio Corumbá (foram 270 km desde o São Bartolomeu) e este imenso lago se forma com a junção do Rio Paranaíba, que faz a divisa entre Goiás e Minas Gerais.
07/07/05 quinta-feira 20° dia
Amanhece com um tremendo vento contra, cheio de carneirinhos, sou obrigado a deixar o bom senso prevalecer e ficar na ilha, estou puto da vida, se aquele cara não tivesse dado informação errada estaria perto do continente. Poderia ter avisado a família (estou há 12 dias sem dar notícias) e talvez tivesse seguido em frente.
Faço umas excursões a pé, descubro que estou na ilha Tancredo e, louco de impaciência, vejo o dia passar. É muito triste e agoniante ficar assim.
Ilha Tancredo
Lá estava ele, sir Lancelot Issi em seu belo cavalo Maktub.
Chegara ao reino da Ilha Tancredo nem sabe como.
Foram muitas batalhas e nosso herói sentia a necessidade de descansar nesta terra de ninguém.
Seguiu batalhando pelo reino das Sucuris e se tornou lorde nas distantes terras de Santa Capivara.
Esteve nas terras do Além, nas profundezas das Morredeiras (corredeiras), onde conheceu a Deusa Iara que quase o enfeitiçou.
Andou por muitos lugares até na terra dos Gladiadores.
Quando achou que iria morrer, seu amigo (um tal de Spartacus), lhe disse:
- AINDA NÃO É SUA HORA!
Perdido em pensamentos, conheceu uma princesa, mas ela estava prometida para o rei. Os anos se passaram e nosso herói, um High Lander (vindo das terras altas do Planalto Central) não envelhecia.
Esteve nas Legiões (Marinha), foi condenado a trabalhos forçados (consultório), mas conseguiu se libertar e fundar dois reinos: o Filantrópico da Lagoa da Conceição (para gatinhas desamparadas) e o de Maktub, na Guarda do Embaú.
Maktub Guarda do Embaú Vista da Lagoa da Conceição
Viu muitas vidas passarem e agora segue seu destino em busca de horizontes na direção do mar...
08/07/05 sexta-feira 21º dia
Decidido a partir de qualquer jeito, parti com um forte vento se iniciando, mas favorável.
Fui em direção do último ponto de terra que podia ver para SW e que fosse do lado de Goiás.
Mais uma vez fiquei nervoso, tensão total pois não conheço direito este caiaque e estou fazendo uma travessia de 15 a 20 km com vento forte que forma carneirinhos. Para pegar e sair assim “tem que ter farinha no saco”, pois a partir do momento que tu sais, sabes que não dá para voltar.
Ilha Tancredo
(de onde vim)
3 h de travessia no “mar” Represa de Itumbiara

Se der uma zebra de o caiaque virar, fica na água por um dia ou dois.
Sozinho com Deus, vou me acalmando à medida que as horas passam; percebendo que o caiaque é muito bom, ele anda bem de qualquer jeito, tanto com ondas de proa como de través, que passam por cima mas não o desestabilizam.
Fiquei feliz quando três horas depois cheguei na ponta que queria no maior pau de vento.
Almocei a reversa do vento e depois segui para outra travessia de duas horas, agora mais consciente do que o caiaque é capaz de fazer.
Cheguei na represa de Itumbiara e o pessoal foi legal demais e mais uma vez veio um baita dum caminhão que me transportou até a parte de baixo da usina.
Eram 16h30min quando sai dali e fui num pau violento até chegar em Itumbiara já noite.
É a primeira cidade que vejo na beira do rio!
O pessoal do corpo de bombeiros me alojou depois que apresentei a declaração da Capitania dos Portos de SC (obrigado amigos). Minha identidade militar está me ajudando muito a passar por barragens.
Gabriel é gente fina demais, faz continência e a todos que me apresenta sou cumprimentado com continência (por eu ser oficial da Marinha).
Ele está de plantão, então eu encomendo uma baita pizza e um refri para comemorar a passagem pela segunda represa.
Durmo ali no alojamento e no dia seguinte vou a uma internet.
Depois de oito anos, vou a um cinema e assisto ao filme “Quarteto Fantástico”. Adorei, comi pipoca e tomei bastante sorvete.
Acabo ficando mais uma noite
Um dos bombeiros insiste para eu desistir, que eles atenderam várias ocorrências por sucuris; ele diz que o rio está infestado de sucuris nesta região.
Digo que vou prosseguir mesmo assim, ele retruca:
- É aquela estória de que Deus avisa, avisa e quando acontece diz: eu avisei...
Hoje vim para o centro da city e estou há quatro horas no computador.
Os bombeiros falaram que existem muitas sucuris enormes aqui mesmo (em frente à cidade) e mais para adiante. Mas eu vou em frente, em busca do meu destino.
Vou agradecendo a Deus e a todos meus amigos que torcem por mim.
Ao escrever estas linhas me sinto mais forte e feliz de dividir as aventuras com vocês.
A primeira parte foi muito mais violenta, mas eu não tive muito tempo para escrever.
Um baita abraço a todos e até um novo despertar. André!

Alguns dos e-mails recebidos:

André: Eu tinha uma leve idéia que tu é uma pessoa especial.... Agora, depois de ler parte dos teus diários, tenho certeza! Te admiro profundamente pela coragem de buscar o que tu acredita, por não desistir de teus sonhos... Teus diários são uma bela lição de fé em ti mesmo e na Vida... Estou adorando ler e só parei porque queria te dizer o quanto estou gostando... Talvez tu seja tão especial porque realiza aquilo que todos nós gostaríamos: não desistir dos nossos sonhos, por mais que tudo ao nosso redor diga que não vale a pena, que é loucura ou burrice... Obrigada por compartilhar comigo essas pérolas.Um beijo grande. Kim.
Como nada é por acaso, que sua aventura atinja o seu propósito, na certeza que seus amigos torcem por você, e cada um, a sua maneira, reza para que, Nãnderu (grande espírito) de alguma forma ajude no melhor encaminhamento de suas escolhas.Lembre-se na sua viagem que todos os seres vivos estão inter ligados, formando um grande corpo, complexo como o universo... Adjuma, Nãnderu dere'é omaé (tchau, e que o grande espírito lhe acompanhe) e no seu retorno, possamos juntos fumar um petynguá (cachimbo sagrado) e saudarmos a vida...na sua plenitude... Agudjeverte, Marcelo Karai
André, recebi o seu e-mail e te digo que apesar de estarmos meio afastados, o tenho sempre nas minhas preces e no meu coração como um grande amigo. Tenho fé que vais conseguir o que planejas, mas tenha muito cuidado, pois você é muito importante para os teus amigos. Um forte abraço e toda a sorte do mundo. MUITA FÉ, SERGIO TOMAZONI
Assim como todos espero que volte logo e que realize a sua vontade me perdoe pelas minhas mancadas somente quero que saiba que fui feliz nos momentos que passamos juntos, você é muito especial para mim. beijos tenha uma boa viagem...Lílian
Amigo, te desejo a maior sorte do mundo,que dentro da dureza da viagem possa realizar teus sonhos, estarei contigo no pensamento, e rezando para teu sucesso, abraços, Dílson Cunha
Hola Andre , como andas loco lindo! en que lugares estas haciendo de lastuyas .Bueno espero que tu estado de salud mejore.Cuidate! no hagasboludeces, o bueno hacelas...Pero acordate que aca tenes que llegar enuna piesa sola.Bueno te mando un abrazo.Aldo
Vou pedir para DEUS mandar os anjos te acompanharem na viagem, para te protegerem e te iluminarem, vc não vai estar sozinho. Te cuida, eu e todos teus amigos gostamos muito de vc e aguardamos a sua volta. Beijos, Marlene BottegaAmigo andre, que alegria recibir tu mail,maluuuuuccccoooooo.Si pudiera te acompaño.... Bueno escribi seguido que aca vamos a estar muy pendiente de tu viaje.UN ABRAZO FUERTE ALDO D’Angelo.
GRANDE ANDRÉ ESTOU FELIZ EM FALAR COM VC. CUIDADO POR AÍ CARA, QUEREMOS VC VIVO. VC JÁ É UM HERÓI. BOA SORTE. BONS VENTOS. GUSMÃO.
AEEEE SEU MALUCO!!!!! HAHAHAHAHAHAHA!!!!! PARABÉNS GAUDÉRIO!!! Mas cá entre nós, acho que você só pode ter merda na cabeça. Espero que você chegue vivo no próximo computador para ler esse e-mail. Que show. Espero que você aproveite o máximo possível essa aventura e volte pra gente comer uma carne lá em Urubici. E na próxima vez, vamos planejar direito que eu vou com você. Hahahaha!!! Um abraço meu amigo. Fica com Deus e saiba que a gente torce por você. E espero também que quando você ler esse e-mail, O Brasil já seja campeão da Copa das Confederações. E entra com a camisa amarela quando cruzar a fronteira. Valeu rapaz. Mário
Oi André!!!!! Nossa!!! Que aventura!!!!. Parabéns pela coragem e determinação. Sabe lendo o teu relato, fiquei pensando que muitas vezes deixamos de fazer certas coisas por falta de coragem, e no teu caso coragem não te faltou. Isso aí vai em frente, falta pouco pelo que entendi, o pior já passou. E qualquer dia desses, nestas tuas andanças por este mundo afora venha nos visitar em Aracaju, as portas estarão sempre abertas para recebê-lo.O Paulo tem trabalhado muito, sai cedo e volta tarde, o estaleiro está com muitos pedidos e se não entregam no prazo eles pagam multa por dia. O Pedro está um garotão forte e saudável. BOA SORTE!!!!! SAÚDE (pelo que percebi tu tem de sobra)!!!! E TUDO DE BOM!!!! Beijos... Cilene
Recebi o seu e-mail e fiquei meio assustado com tantos acontecimentos, corredeiras, afogamentos, escoriações, e outros bichos mais. Mas... enfim, vc escolheu fazer esta aventura maluca e o que nos resta é torcer para que vc consiga chegar até o seu destino final e realizar mais esta belíssima aventura. Posso lhe dizer que no fundo todos nós estamos com inveja de vc ter feito o que gosta sem se preocupar ou pelo menos esquecer dos insignificantes problemas mundanos do homem. Obs.:Enfim, depois de tantos sustos e machucados vou lhe dar uma noticia boa que lhe irá motiva-lo. Este final de semana a nossa seleção "Grêmio" ganhou do líder Santo André por 1 X 0. Só para lhe deixar informado das noticias do Brasil e do mundo. Coragem amigo gladiador e que a força esteja contigo. E se desistir, não te preocupes, pois o mais importante foi ter tentado, o resultado é apenas um detalhe na vida que no final passa despercebido. Um grande abraço e no aguardo de mais noticias. Marcelo.
Querido, Quase morro do coração cada vez que leio as suas noticias, fico muito feliz por você, mas ao mesmo tempo com uma vontade DANADA DE TE MATAR.. Bom rapidinho;... volta logo seu porquera... BOA SORTE E TE CUIDA AI TÁ.... BEIJÃO PRA VC.. FÊ (Fernanda Bandeira)
Ô André!!!! Seu maluco!!! O que tu anda fazendo criatura??? Tá querendo se matar?? Por onde tu anda afinal, tá no hospital ainda??? Meus Deus do céu, André tu é doido mesmo!!! Vê se manda notícias!! E vê se sobrevive pelo menos até o próximo verão!!!! Abraço, saudades! Mariana Lopes!QUERIDO ANDRÉ!!! QUANDO LEIO TEUS E-MAILS FICO IMAGINANDO AS AVENTURAS QUE TU ESTÁ TE DEPARANDO, GUARDA TODOS ESSES ESCRITO E DEPOIS PUBLICA UM LIVRO ESSAS TUAS HISTÓRIA FAZEM A GENTE VIVER ESTAS EMOÇÕES. EU QUE PENSAVA QUE TU NEM MAIS VIAJAR IRIA, MAS NÃO COMO SEMPRE TU SURPREENDE E FOSTES AINDA MAIS LONGE...SÓ TU ANDRÉ!!! FICO FELIZ QUE APESAR DOS HEMATOMAS, ESTÁ INDO BEM,REALIZANDO TEU GRANDE OBJETIVO. FICA FORTE ANDRÉ AINDA QUERO OUVIR TU ME CONTANDO TODAS ESSAS HISTÓRIA NO PRÓXIMO VERÃO. ESTOU SEMPRE TORCENDO POR TI, MAS TE CUIDA TAMBÉM... FELICIDADES E GRANDES EMOÇÕES SEMPRE....... SABRINA
Alo André, A partir de agora estamos te acompanhando através do Google Earth. Ele é um programa que podes ver qualquer ponto do mundo pelo satélite, porisso não vai fazer besteira e vê se de vez em quando dá um sorriso para o céu ...Te desejamos muita sorte nesta empreitada e esperamos nos encontrar em dezembro na Guarda. Um grande abraço Fernando, Joyce,
Boa tarde navegador André,
Obrigada por nos colocar a par das tuas
aventuras, parabéns.
Esperamos que continue e numa boa.
Qualquer coisa estamos ao dispor.
Bons ventos
Nelson e Dircinha Piccolo

Salve André!
Daqui da Guarda do Embaú, eu, Taís e o Uaná desejamos suerte! nos mantenha informados de tudo. uma boa viagem e não esqueças de anotar e fotografar tudo. Abraço e até dezembro. Frank.

Oi Dr. André Issi ... Quero te desejar toda sorte do mundo, te dar parabéns por ter coragem de correr atrás dos seus sonhos .... porque poucas pessoas o fazem !!!Tuddddoooooo de bom .... e pode contar sempre com a gente aqui da Unicred viu ???? Abração, Déia (Andrea Tobal)

Navegador Issi!Boa viagem, vá em frente e faça o seu caminho,aproveite bem cada momento da sua viagem! Quando forpossível, mande notícias, pois a sua aventura semqualquer dúvida estará alimentando o sonho de muitasoutras!Queria estar lá, ajudando a colocar o caiaque na águae desejando BOA VIAGEM, mas estou aqui, a quilômetrose quilômetros de distância, torcendo para que tusuperes os obstáculos e tenhas sabedoria para decidirpelo melhor quando for necessário, mas mesmo assimainda posso desejar a mesma BOA VIAGEM!!!Um grande abraço, Leonardo Esch.
Que bom receber notícias tuas. Estou preocupada com vc. Está todo machucado? Procurei no site da google os rios que vc passou. Tem rochas e cachoeiras de até 68m. O rio Paraná é maior e melhor pra navegar, porque vc não pula esse caminho? Esteja onde estiver, fique com DEUS. Beijos... Marlene.

DESDE ITUMBIARA ATÉ SÃO SIMÃO (quarto e-mail)
10/07/05 segunda-feira 22° dia
Olá amigos, parti de Itumbiara pronto para enfrentar um rio repleto de sucuris, com punhal no antebraço e fé em Deus.
Itumbiara tem uma ponte que parece com a de Florianópolis em miniatura. O fluxo de veículos é apenas num sentido. Ora um, ora outro!
Como não tomei café, parei num bar a beira do rio para almoçar. Falei com o dono e ele explicou que tem sucuris enormes mesmo, mas que não tem notícias de que elas atacam. Explicou que elas têm tocas nas barrancas (onde eu durmo), mas que elas saem à noite.
Ele mesmo pegou várias na rede, diz que são de coloração mais escura (existem as mais amareladas) e que a média delas é de oito metros.
Uma das sucuris que eles tiraram da rede estava tão furiosa que eles tiveram que matá-la com um machado. Normalmente elas são devolvidas à água!
Ele fala que elas só atacam quando têm fome... Isso até minha mãe (de 80 anos) faria; elementar, meu caro Watson!
Então fica assim: eu com o rio de dia elas com ele de noite.
Enquanto preparam o almoço no fogão a lenha, ele mostra os diversos tipos de árvores, beija-flores que vêm comer em sua mão e bezerrinhos recém nascidos.
As margens são tomadas por um capim muito alto e impenetrável (capim de sucuri), florestas e campos mais ao fundo.
Comecei uma rotina de remar três horas, pára, almoça, rema mais duas horas, descansa, duas horas remando e procura lugar para acampar.
Finalmente achei uma clareira no capim de sucuri e armei a barraca em campo aberto, dormindo como bicho (pronto pra reagir se atacado).
Deixei o caiaque lá na beira e armei a barraca mais acima, junto a um local onde os fazendeiros deixam sal para o gado. Eles abrem estas clareiras para o gado ter acesso ao rio. Acontece que as sucuris adoram bezerros e podem estar a espreita nestes locais.
Aqui na natureza é assim: muita beleza, mas sempre alerta, tem que permanecer vivo.
Acampamento na clareira Barraca ao lado de um cocho de sal para o gado


No dia seguinte o rio alarga, vento mais ou menos favorável, chego na barragem de Cachoeira Dourada (terceira barragem), os caras são legais e arrumam um caminhão caçamba para me largar abaixo das turbinas.
Os caras acham que é muita coragem dormir nas barrancas junto às sucuris, mas botei na cabeça que elas não atacam de dia, é melhor pensar assim.



Cachoeira Dourada

Final de dia e nada de lugar para dormir, cruzo com um bando de macaco prego, papagaios e outros bichos.
Achei lugar no alto de um barranco que desmoronou, o caiaque ficou lá embaixo.
Estou dormindo e escuto barulho de folhas na árvore ao lado, um pé de Gameleira que está envolvendo um pé de Bacuri (tipo um coqueiro).
- Fica aqui seu metido! Vai me arrumar confusão!
- Cara podem ser macacos fazendo seu ninho na árvore, vai lá filmar com o infravermelho.
- Que cara desgraciado, não me deixa dormir e fica procurando sarna.
Ao sair da barraca no escuro e me encaminhar para a árvore do barulho, sinto bater de asas e vento no rosto. Ligo a lanterna e vejo dezenas de morcegos passando na frente do facho da lanterna.
- Pronto, satisfeito seu metido?
Gameleira envolvendo Bacuri Alto do barranco


No dia seguinte remo por sete horas, encontro um acampamento abandonado e uma floresta escura é meio baixo astral, mas que fazer?
Chega um pescador e, ele diz que o acampamento era dele, mas que parou de vir aqui porque uma enorme jararacuçu (uma enorme jararaca do banhado de uns 2 a 2,5m) muito agressiva lhe atacou duas vezes e que em outra oportunidade quase morreu queimado quando a lamparina virou e ele estava dormindo...
- Legal, que belas informações ele me dá com a barraca já montada e anoitecendo.
Diz ele que uns 15 min para frente há um terminal de balsa e que lá tem luz, banheiro e água...
Gozado, apesar de jararacuçus e sucuris fico mais a vontade no mato.
Agradeço e digo que vou ficar.
No dia seguinte, longas travessias de 2 a 3 horas; chega numa ponta outra travessia.
Muitas consultas no meu mapa rodoviário e na bússola, assim vou seguindo no rumo W-SW.
É meio difícil, mas no geral estou acertando o rumo, às vezes, consulto com o binóculo.

Parti na manhã do dia 14/07, escutando as caturritas e os papagaios, longas travessias, brigas histéricas com o caiaque que teima em mudar o curso por causa das ondas e do vento (na verdade, a falta do leme é muito grande):
- Não é pra lá seu corno é pra onde eu quero que tu vás!
E remava furiosamente, percebendo que cada vez mais a dor nas costas diminui.
O tempo passa, tu ali passando as horas sozinho começas a viajar em pensamentos, lembrando das pessoas que se foram, dos amigos, de passagens alegres e tristes e começa a rir sozinho, ou (de repente) começa a remar furiosamente quando lembra coisas que te deixam brabo.
Isto sempre aconteceu, fosse de bicicleta nos Andes, de moto pela América, de Windsurfe pela Lagoa dos Patos ou de Caiaque pelo mar.
Depois de três horas descanso sob a sombra de uma frondosa gameleira que envolveu um pé de bacuri.
Sigo em frente e encontro um pessoal acampado com uma estrutura de dar inveja: Três possantes lanchas, caminhão baú, gerador mesas e tudo o mais.
Ney, Èzio, Walter, João, Conceição, Wesley, Maurício, César e Didi me convidam para chegar.
Almoço com eles, são gente boa demais. Vamos de lancha pescar tucunarés, bebemos muita cerveja e de noite churrasco de picanha e lingüiça.
Muito legal mesmo, um pessoal bom e amigo demais.
Hoje vim com o Ney e o Wesley até aqui, São Simão para mandar notícias. De lancha demorou 50 min, mas para vir de caiaque vou demorar uns dois dias, talvez um, fica quase ao lado da represa de São Simão.
É isso aí, um baita abraço amigos e até a próxima, André!
DESDE SÃO SIMÃO ATÉ GUAIRA
Olá amigos, a viagem está meio doida. Muita coisa aconteceu e está acontecendo, enquanto a veia da foice não chega eu vou seguindo meu destino. Este é um resumo do diário:
Bueno, no dia 15/07 fui de lancha com o Ney até S. Simão e no final do dia retornamos de lancha para o acampamento e passamos o resto do dia comendo e bebendo. O César preparou o tucunaré ensopado e estava uma delícia.
Que pessoal mais amigo e hospitaleiro, se eu não me sirvo, logo tem um colocando comida ou cerveja para mim.
Aí eu fico pensando naqueles que acham que isto é “idiotice”, pego um copo de cerveja, olho para as estrelas sobre a copa da gameleira, num lugar especial na beira do rio, e “concordo” plenamente com estas pessoas. É muito fácil colocar “rótulos” depreciativos naquilo que é diferente e que confunde conceitos de vida pré-estabelecidos.
Lamento por aqueles que pensam assim, mas que seria de nosso mundo se todos pensassem igualmente?
Agora deve estar assistindo a uma novela de vaqueiros, curtindo dramas alheios ou ouvindo os noticiários das “novelas” de Brasília.
Há uma turma que vai caçar capivaras e eu resolvi encarar.
Ligam o som da D 20, toca uma música do Bruno e Marronei que diz:
- Que pescar que nada eu vou para a noite beijar na boca e deixar a mulherada toda louca...
Fomos abrindo porteiras e andando a 100 km/h numa estrada de terra cheia de buracos e mata burro.
Um deles recebe a ligação da mulher, motor desligado, silêncio pessoal! Já estamos em Santa Vitória (MG), passa uma carreata para uma festa com fogos e som enquanto ele fala.
O cara tem sangue frio!
Chegamos ao local da caçada, capturamos duas, mas o resto está perdido pelo mato.
Na hora de matar e comer alguém lembra que capivaras têm carrapato...
É melhor soltar as pobres, eram muitos petiças e o odor não era dos melhores...
Como a gente riu; que caçada mais divertida. O mais legal era cada um contando os “causos” de porque atirou ou não atirou.
Posso dizer que foi bom demais e que ninguém se feriu.

16/07/05
Acordei disposto a partir, mas eles querem que eu fique mais um dia, tem sempre um conversando e bebendo cerveja, até me sinto mal querendo partir, mas eu tenho o meu caminho.
Acabo almoçando e partindo só às 3 h da tarde.
Adeus amigos; foi bom demais, obrigado por tudo mesmo!
Parti às 15h10min, com o intuito de remar direto para o último pontal que vejo. Calculei mal e chego à costa só 10 min antes de o sol se por.
Armei a barraca junto a um barranco, quase ao nível d´água e sem abrigo para o vento. Noite estrelada e o barulho das ondas.
17/07 Trigésimo dia Domingo
Quando cheguei ontem, tomei banho de sabonete no escuro, não estava tão frio. Acordo com o vento médio e as ondas batendo. Arrumo tudo e sigo em frente, cruzando ora para GO, ora para MG, conforme uma linha reta que determinei quando passei aqui de lancha. Pelo menos uma vez eu já sei por aonde ir.
São várias travessias de hora e meia, tu vais de uma ponta a outra e dali atravessa de novo. O Ney estaria em S. Simão até às 13 h e cheguei na última ponta (antes de atravessar) ao meio dia.
Daria tempo remando forte, mas entrou um fortíssimo vento de rajadas.
Completamente contra. Parei um pouco antes do pontal, no remanso. Encosta um barco de pesca onde estou a coisa ficou difícil.
Eles estão no motor e ficamos ali conversando.
Mierda, deixei de cruzar e encontrar meu amigo por causa de uma mísera hora. Agora eu levaria duas ou três horas para cruzar no contra vento e aí o Ney não estaria mais por lá, tive que desistir.
Fico ali sentado no sol, em segurança, talvez esperando que o vento diminua:
- E aí cara, vai ficar que nem galinha velha tomando sol?
-O que tu queres que eu faça?
Pega este caiaque e testa ele contra as ondas e o vento, é uma maneira de treinares para quando chegares no mar.
-Pô, tá o maior pau de vento, só tem carneirinhos...
-Seu bunda mole; não me faz te pegar nojo. Arruma as coisas e vai, comeste demais, agora transforma isto em energia.
E lá se vai o condenado, uma onda explode no meu peito e me dá um banho.
Adeus sol e segurança. Vamos nós corcoveando entre as ondas furiosas, subindo e descendo.
Apesar de tudo o caiaque segue para frente, lentamente, mas segue.
Com o meu antigo estaria andando como caranguejo. Esse caiaque é muito bom mesmo, faz coisas que eu não tinha noção que pudesse fazer.
Vejo uma ilha para frente, o plano era seguir a costa, mas o espírito resolve me intranqüilizar de novo.
- Segura peão, vamos em frente, quero ver se tu és macho mesmo ou se tem medo de capivara.
Estou encharcado, o vento só faz aumentar, mas tenho o domínio da situação (à meia boca)!
Se virar ali a coisa vai complicar para o meu lado, mas até que é divertido se eu não me der mal.
O vento aumentando e as nuvens se aproximando me colocam na real:
-Cara, faz força, acho que estamos nos encrencando!
-Ahá, agora tu aperta, né?
Após uma hora consigo chegar ao abrigo da ilha. Na verdade são três; há casas lindas, parece ser uma pousada na outra ilha. Copa da Gameleira onde passei a noite
Encosto, Haroldo trabalha ali, é uma pousada de luxo, linda.
Há faisões soltos, peixes empalhados, todo tipo de mordomia.
Falo com meu irmão e a mãe de um telefone público.
Chega Luis, o dono. Ele oferece hospedagem, mas o jumento, imbecil e outros bichos do espírito resolvem dar uma de bacana e prefere seguir mais uns 15 min, para outra ilha e acampar debaixo de uma gameleira.
- Eu não acredito que fizestes isto comigo! Tu és um animal!
Assim era o canyon de S. Simão antes da barragem, agora tem mais de 130 m de profundidade, um lago...
Caranha Quando o sol se põem
- Cara dormir debaixo de uma gameleira ao invés de um hotel de luxo numa ilha paradisíaca...
- Dar uma surra de relho é pouco...
A solução é achar que fiz o certo, que assim partirei mais cedo amanhã para a represa.
Então vou a pé olhar o por do sol e escrever o diário entre as pedras...

18/07 Segunda-feira dia 31
Hoje faz um mês que me despedi de meu amigo Aldo lá no rio S. Bartolomeu e agora me dirijo para a maior represa de todas, tem 127 m de altura, 7 km de extensão, as águas são muito profundas.
Encosto na barreira de pedras e desperto o gigante adormecido:
- Que queres aqui, seu metido?
- Tire daqui esta casquinha de noz antes que eu me incomode!
- Venho beijando boca de china e aparando guampa de macho, mas não quero pelear, apenas seguir meu destino...

Antes de eu viajar de bicicleta para Machu Pichu, a mãe me deu um cartão onde havia um menino plantando uma árvore com os dizeres:
- Nunca te sinta pequeno para realizar um grande sonho!
É assim que eu devo enfrentar estas coisas que aparecem diante de mim e que parecem intransponíveis.

Pego minhas coisas e vou caminhando na direção da base onde fica a central.
Logo um segurança vem de carro e me intercepta, ele chama outro que também vem de carro.
Weder é legal, mas Antônio, o chefe, é um cara limitado que não sabe repassar para os outros (por rádio) o tipo de viagem que estou fazendo.
Faz frio, estou só de calção e camiseta, mas eles me deixam quarando ali no vento enquanto vão falar com os responsáveis.
Antonio vai e volta duas vezes, não me deixa falar com ninguém e diz que “infelizmente” não poderei passar, falo que se existisse boa vontade daria.
A cada argumentação ele só responde com “infelizmente”.
Weder está indignado com o chefe ele tem poder para resolver, mas é um limitado e sinto que terei que forçar uma situação que não sei como vai terminar.
- Retroceder nunca, render-se jamais!
- Pois é seu Antônio, mas eu vou ter que passar, nem que seja carregando e leve três dias...
- Aqui o senhor não passa!
- Então o senhor terá que chamar a polícia para me prender, talvez venha a imprensa, não é uma boa política para a empresa.
- Estou pedindo tão pouco e o senhor se recusa a ajudar...
Ele se vai de novo e volta depois de 30 min dizendo que chamou a polícia.
- Então eu não vou ficar aqui passando frio esperando sua ajuda.
Weder me leva para cima puto com o chefe, diz que vai ligar para um amigo que me pega no garimpo do outro lado e me atravessa.
Vou ao caiaque e enquanto almoço o salamito, aparece o “traíra” do Antonio e fica puxando conversa.
Acho que se julga esperto, pois está me vigiando e eu finjo que acredito.
O que eles não sabem é que para me prender tem que ser oficial igual ou superior a mim (sou 1° Tenente), além do mais, eu nem invadi ainda!
Outra: estamos em Minas Gerais e os policiais são de Goiás, estão fora de sua jurisdição...
Represa de Itumbiara 127 metros de altura Vieram duas viaturas A caravan de seu Ivo


Chega a viatura, as pedras vão rolar. São duas viaturas e quatro policiais militares, estou me sentindo importante... Antonio se antecipa e diz que eu iria invadir...
Imagino como ele distorceu tudo.
Explico para os militares o que quero e o cara se surpreende:
- Só isto?
Antes que a coisa vá mais adiante, aparece o Sr. Ivo, gente fina e que faz serviços para a represa.
- Eu vou transportá-lo em meu carro!
Ele se penalizou e resolveu a questão. Antoninho teve que ficar assistindo, he, he!
Todo mundo quer me levar, inclusive os guardas, mas preferi seguir com Weder a quem considero amigo.
Não sei como o caiaque coube no carro.
Vamos até a parte de baixo, ao lado das turbinas nem sei como agradecer ao seu Ivo que ainda me oferece seu almoço na frente do traíra que não ofereceu sequer um copo de água.
Saldo: Amigos 8 x 1 traíra
Filmo todos e fotografo, é claro que excluo o traíra da foto que faz pose meio sem graça, he, he!
É brabo, que custa ajudar?
Ainda bem que eu já tenho o espírito preparado para este tipo de situação.
A represa estava fechada, o rio forma um imenso canal de altas paredes de rocha, há terminais graneleiros para carregar enormes barcos empurrados por rebocadores. Daqui para frente o rio é navegável (para navios).
Sigo contra as ondas e o vento forte e frio, tenho que colocar o casaco de chuva para atacar o vento, é o que tenho para o frio.
Após umas três horas, paro em uma casa ribeirinha para pedir água; eles são legais e dão um pastel que guardo para comer mais tarde.
Passo por um bando de macacos prego que pula nos galhos e me observam alvoroçados enquanto sigo.
Antes era tudo largo, indefinido, agora mata fechada de novo e muitos bichos, inclusive ela, a sucuri...
Foi uma longa reta para SW e poucas curvas.
Às 17 horas eu paro em um braço de rio, parece meio abrigado, pescadores dali oferecem pouso, mas eles têm gatos (que eu não gosto), o terreno é muito inclinado e acho que ali o vento vai pegar de frente.
Resolvo atravessar e procurar local mais adequado.
Monto a barraca dentro do mato, sinto que virá chuva forte.
Não deu outra, chuva muito forte e vento, felizmente estou abrigado, meio torcido sobre as raízes, mas seco.
19/07 dia 32 terça
Continua o vento parou de chover.
Estou no mato e vejo uns vinte quatis vindo na minha direção, volto para a barraca e consigo filmá-los.
Eles me vêem e sobem nas árvores de onde me observam emitindo grunhidos de aviso.
Sigo contra o vento, escolhendo o lado melhor no rumo W-SW, hoje o tempo está nublado e feio, já é o terceiro dia de vento contra.
Remo por 3h seguidas, almoço, remo mais duas horas, descanso e remo de novo até o final do dia, passando por muitas florestas submersas.
Encontro outro braço de rio, desembarco e abro uma clareira no mato com o facão, pode chover e ventar de novo e tenho que estar abrigado.
Welton e Aporé aparecem de lancha convidando-me a visitar seu acampamento. Agradeço, mas não gosto de deixar meu equipamento; eles voltaram de uma caçada de capivaras, felizmente não as encontraram.
Durante a noite escuto risadas, está animado lá para o acampamento deles.
Parece que estou próximo da foz do Rio Aporé, que faz a divisa entre GO e MS.
20/07/05 dia 33 quarta
Tchê! Que noite mais fria! Amanhece gelado, mas sem vento, preparo o kinojo para esquentar dentro da barraca.
Faz tempo, encontrei uma régua de alumínio e ela está servindo de talher, ficou tão boa que não quis comprar uma colher. Pelo menos é melhor do que a caneta que usava antes...
O sol aparece fugazmente, o suficiente para mostrar a beleza do lugar. Vejo os ferozes tucunarés dando saltos atrás dos peixes menores e um bando de araras amarelas e azuis.
O sol se foi fica uma espécie de neblina, viajo com o casaco de chuva para manter o calor do corpo. De cara vejo uma capivara que mergulha assustada ao me ver.
Com o auxílio da bússola e do mapa ora ia à direção de Goiás e desta ponta seguia para outra em Minas Gerais, eram travessias longas e eu não me sentia confortável com esse tempo esquisito. Eram travessias entre 1 e 2 h, chegava num lado que não dava para desembarcar por causa da vegetação de capins. Encosto em uma bóia de sinalização de bombordo (vermelha) para tirar fotos e filmar
Finalmente avisto com nitidez a foz do rio Aporé, tenho diante de mim três estados: para a direita, Goiás, de quem me despeço agora.
Terra de gente boa e onde permaneci por mais de trinta dias. Do outro lado Mato Grosso do Sul que vai me acompanhar até o Paraguai. Para a esquerda fica Minas Gerais.
Sigo para MG, estou no caiaque direto remando por 03h40min, suado e cansado.
Parei na sombra de uma gameleira que tem as raízes submersas e tenho que descer ali mesmo, dentro d´água. Almoço em pé, assistindo aos milhares de peixinhos nadando ao lado do Maktub que flutua sobre as raízes. Ficou frio, desisto do banho, ainda mais que sou atacado por marimbondos.
Um corno me acertou, mas matei uns sete e fiquei ali até comer tudo, não vou ser expulso por uns veadinhos.
Atravesso de um estado para outro, o final da tarde se aproxima e começo a ficar nervoso.
São travessias longas que se sucedem e vou seguindo sobre os troncos perigosamente perto da superfície e que quando vejo, já passei.
Na última travessia sou interceptado por uma lancha que passa entre os troncos, são Antonio e Marcos e me oferecem um revigorante café que aceito com muita alegria!
Foram mais quatro horas dentro do caiaque, passo por uma pequena ilhota e avisto uma enorme ponte ao longe com dois arcos.
Passo ao lado de um barranco avermelhado e o sol projeta minha imagem e a do caiaque no barranco, que legal, é a primeira vez que me vejo remando.
Paro do lado mineiro são quase oito horas remando hoje.
O local é de cinema, uma floresta de bacuris e gameleiras, água espelhada e o sol se pondo, show!
As folhagens se mexem, é um bando de macacos que se retira e fica me olhando do alto.
Agora são 05h30min, estou escrevendo desde as 04h48minh, não tem vento, armei a barraca sobre fundo de cascalho, mas dá para encarar.
Cara, que espetáculo! Fui lá na rua e a lua cheia quase no horizonte formou um reflexo prateado desde o outro lado até encostar no caiaque aqui na beira.
Ponte de 2 arcos reflexo da lua Rio bem sinalizado
Está amanhecendo, o café está pronto, as corujas, morcegos, grilos e outros bichos cedem espaço para os bichos do dia.
21/07/05 dia 34 quinta
Parti e segui até a ponte. Desço para pegar água e descubro que ela foi inaugurada em 2003, pelo Presidente Lula.
Segui em frente, cansado de ontem, a moral da tropa está baixa. Nestas situações o comando deve tomar medidas drásticas para reverter o quadro:
- Tenente Issi!
- Sim senhor!
- Encoste naquele barranco, tome um banho e faça a barba!
- Senhor, hoje é quinta...
- Sem contestações, ninguém na companhia agüenta mais o seu cheiro. Aproveite e lave estas roupas de viagem.
- Sim senhor!
E assim, de banho tomado sigo em frente, uma longa reta de mais de 10 km, menos mal que o vento está favorável. Nem vejo onde é o fim.
Vejo uma torre ao longe, do lado de MS. Enquanto sigo para lá, nestas longas travessias, entro em alfa, deixo o corpo remando e viajo pelo tempo, passado, presente e futuro.
Passo por uma fazenda lindíssima e mais tarde chego na torre. Desço para descansar e leio a placa da frente com o binóculo:
- Farol de Formigas
Não iria cruzar mais hoje, mas não vejo local adequado e sou obrigado a cruzar no final do dia.
Então sou obrigado a remar com muita força até chegar em MG, num mato alto e escuro enquanto o sol se põe.
Mais de sete horas de remo e sempre remando forte no fim. Achar local a partir das 17 h está complicado.
Escurece, um bicho late próximo da barraca, deve ser graxaim. Uma coruja berra estridentemente. Pelas minhas contas hoje é o último dia em MG, amanhã chego na foz do Paranaíba (depois de andar nele por 456 km), junto com a foz do Rio Grande, terei andado 956 km. O R. Paraná tem 2739 km até B. Aires, depois é só subir o mar por mais 1500 km...
Tudo isto dá mais de 5000 km, que Deus me ajude!
22/07/05 sexta dia 35

Entregue às feras!
Saí e logo ao cruzar a ponta vejo ao longe uma ponte que não tem no meu mapa.
A solução é tocar reto pelo meio do rio. Passam 4 lanchas, elas vêm próximas da margem.
É chato tu veres um objetivo de longe, remar por horas e nunca chegar.
Depois de quase duas horas encosto em uma ponta onde tem uma casa no alto de um barranco. Vejo gente, desembarco para pedir água, mas os bugres se escondem.
Vou em frente assim mesmo e quando vejo, um enorme cão fila se aproxima.
Para piorar, há um canil com um baita cão rotweiler. Pior, o portão está aberto e ele sai e vem na minha direção.
Estou sem o punhal, olho para a casa (está fechada) para ver se alguém chama as feras, nada.
- Te vira cara!
O fila não parece tão feroz, então desvio meu olhar X-45 para o rotweiler que rosna mas não se aproxima muito.
Fiquei invocado com os donos que me deixaram para ser devorado e vou até a área da casa (passando entre os cães) encho as garrafas com água e volto na direção dos bichos. Se eles me atacarem ao mesmo tempo vou virar guisado!
Fiquei com raiva dos “bugres”, que mania de se esconder!
Agora tenho que retornar e passar pelos dois cães, mas a tática é não tirar o olho deles, nem ficar de costas!
Cruzo pelo fila, o rotweiler entra no canil e avança lá de dentro, acho que quis mostrar serviço.
Foz do R Paranaíba no Rio Paraná
MG KM 0 SP (ao fundo) MS

Depois de passar pela foz dos dois rios, tem o bico de MG onde tem outro farol em forma de torre (o km Zero) e um barco de turismo encostado ali.
Agora as divisas são: São Paulo à esquerda e Mato Grosso do Sul à direita.
O vento está forte agora, a ponte liga SP a Aparecida do Tabuado (MS). Ela é rodo-ferroviária sendo que o trem passa na parte inferior.
Foram três horas de viagem. Encosto em um restaurante rodeado de coqueiros peço um belo prato a base de carne para comemorar a chegada no Rio Paraná.
É o bar arara azul, muito lindo e rústico. Converso com João e Benê enquanto devoro a carne e tomo três águas de coco para arrematar.
Fiquei parado por três horas, mas valeu a pena.
Parto às 15h e vou remando forte, passo por uma ponta, vou à direção de outra passando por uma imponente fazenda cuja sede é um sobrado enorme e envidraçado um pouco mais adiante.
Tem uns caras pescando tucunarés, falo com eles e não acho local abrigado.
Avanço sobre capins flutuantes e arrasto o caiaque até a margem. Armo a barraca sob um solitário pé de goiaba. Os caras chegam depois, pescaram um enorme tucunaré.
Escurece e vejo a lua nascendo lá do lado de SP, parece uma bola de fogo que projeta o reflexo desde o outro lado. Que coisa linda!
23/07/05 sábado dia 36
Parece que vai chover, amanheceu com muito vento contra que balança a barraca. Aqui está abrigado, acho que não vou partir:
- O quê?
- Não descende o fraco do forte, filho do Rio Grande não és!
- Chorastes diante da morte?
- Não, Senhor!
- Então vai à luta!
É verdade, ficar que nem galinha (chocando os ovos) não é comigo.

Agora eu tenho um caiaque que anda contra o vento e as ondas. É ruim eu sei, mais esforço, menos avanço, mas é bem melhor que ficar esperando no campo (embaixo de um pé de goiaba) o tempo mudar.
Parti às 08h55min, seguindo paralelo à costa desabrigada, uma neblina parecendo tempo nublado, ondas e vento contra. Tudo mais ou menos, até que chego numa ponta e tenho que fazer uma travessia que vai durar uma ou duas horas.
O vento cada vez mais forte e ondas gigantes:
- Soldados!
- Sim General Bento Gonçalves!
- Primeiro eu quero dizer que é uma honra lutar ao lado de homens com tamanha valentia. O campo de batalha está aí em frente. Não há testemunhas, será uma luta solitária.
- Apenas peço dignidade na hora da morte, pois a bravura é esta medalha que vocês tem dentro do peito, forjada a ferro e a fogo nos pampas do Rio Grande.
- É fácil a missão de comandar homens livres, basta ensinar-lhes o caminho do dever!
Dito isto os homens encheram o peito de orgulho e uma batalha épica se travou nas águas do Mato Grosso.
O soldado Maktub, guerreiro gaúcho com alma castelhana, lançava sua proa tal qual uma lança contra os inimigos.
O tenente Issi recebia no peito o sangue do inimigo perfurado e comandava o cabo Remo.
A legião de inimigos se perdia no horizonte e o vento assassino fustigava nossos heróis que avançavam mesmo assim.
Os soldados Bíceps e Peitoral garantiam a vanguarda enquanto que Tríceps e Trapézio garantiam a retaguarda.
Foi uma peleia bruta e feia! Tão braba que muito homem calejado virava o rosto de lado.
As ondas se torciam, mudavam de forma, mas os tauras gaúchos ginetearam e pelearam como nunca e atravessaram o campo de batalha em duas horas e tomaram a colina que havia do outro lado.
- Muito bem homens, vamos em frente!
Fui seguindo agora paralelo a outro campo e tive que parar para filmar cinco emas entre um rebanho de cavalos.
Alguns cavalos vieram até a beira e batiam a pata, desafiadoramente.
- Calma amigos, venho em paz. Estou cansado de batalhas e vocês não estão no meu caminho.
Agora tem outras travessias, mas menores.
Depois de quase oito horas remando, parei junto a uma gigantesca árvore cuja copa deve ter mais de 10 m de circunferência.
A noite toda o vento balançou forte a barraca, ele virou, agora vem de SE, antes vinha de SW.
Talvez amanhã seja pior que hoje, mas meus soldados estão preparados para a peleia.
Não podemos entregar pros homens, amigos e companheiros, pois não está morto quem peleia.

24/07/05 domingo dia 37
Parti só às 09h40min e resolvo tocar direto para a barragem de Ilha Solteira (quinta barragem).
É um misto de barragem e ponte. Chego lá quase duas horas depois, encosto próximo das turbinas, desço e vou a pé na direção da guarita.
O segurança vem e me intercepta de moto. Está surpreso de como cheguei aqui.
- De barco!
- Que barco?
Aí ele vê o caiaque entre as pedras, é gente boa e quer me ajudar.
Hoje é domingo, não tem caminhão, Zezinho disse para eu cruzar para uma praia do lado de SP.
Ele vai avisar os bombeiros de que estou a caminho e eles me transportarão.
- E as turbinas? Como vou atravessar ali?
- Pode passar, estão desligadas.
- É mas seria bom o senhor ligar para confirmar, se eu cair na correnteza não consigo escapar.
Ele liga e confirma que posso passar. Mesmo assim sigo apreensivo ao passar na frente das comportas.
Estou chateado, acho que apenas fui “despachado” com a estória do domingo.
Chego na praia, mal desembarco, dois soldados dos bombeiros já me esperam com viatura e reboque, nem acredito! Morde a língua, seu “bocudo”!
Eles me levam para o porto depois da usina.
Os soldados me deixam na rampa e se vão. Resolvo almoçar no restaurante ao lado. Está ventando forte e tem muitas ondas, já estou acostumado.
Alguns vêm perguntar de onde venho e outros, como Bilu e Cabelo vão mais além. Eles me presenteiam com uma gorra de lã e dão boas dicas de como será para frente.
Parti só às 15h35min, depois de ter falado com os sobrinhos, a cunhada, o brody e a mãe.
Fui orientado a seguir pelo lado paulista.
Logo ao partir, passo por uma pequena ilhota cheia de garças que se abrigam do vento.
Sigo em frente, a barra não está fácil, vento de rajadas contra e aumentando.
À medida que avanço, a situação piora! Além das ondas e do vento muito fortes, percebo que estou entrando em uma região de mata muito fechada que se debruça sobre as águas e não permite desembarque, é uma trama de galhos que não deixam ver terra firme.
A ilha da Ferradura, que eles indicaram, está muito longe e no contra vento; acho que não chego lá de dia.
- Cara, na próxima brecha que achares no mato entra, pois a coisa está ficando feia pro teu lado e vai piorar!
Duas lanchas avançam com muita dificuldade e isto que elas vêm a favor do vento e das ondas. Está cheio de mulheres e crianças, algumas gritam de medo, dá para ver que todos estão tensos e o piloto manda as crianças abanarem para mim. Todos abanam, quebra a tensão deles por uns momentos.
Está próximo das 17 h e não achei brecha nenhuma se forçar para entrar entre os galhos certamente irei virar com a força das ondas.
É melhor nem tentar. É muito estressante!
- Acho que terás que cruzar para a ilha neste mar, pois lá tem rancho de pesca.
Vejo um bambuzal e uma pequena brecha que permite ver que entre eles dá para montar a barraca.
- É ali, é tua única chance!
Concordo plenamente, aproximo, mas está brabo, recuo e tento mais duas vezes. Coloco o bico da proa entre um tronco e uma barra de ferro próxima do barranco e consigo.
Ali é raso e consigo descer e puxar o caiaque antes que as ondas o inudem.
Felizmente foi tudo perfeito, nem acredito que deu certo, estou em segurança.
Agradeço a Deus, estava em situação muito difícil, bem agoniado.

25/07/05 segunda dia 38
Que noite fria, não foi fácil. Fui lá fora e vi uma cotia passando devagar a menos de 10 m. Parece uma capivara em miniatura, um pouco maior que um gato, mas sem o rabo.
Meio preguiçoso, fui arrumando devagar e apressei quando ouvi trovoadas.
Parti às 09h30min cruzando próximo da ilha da Ferradura para o MS, pois do outro lado estava melhor. Fui o mais rente possível da margem, seguindo entre plantas aquáticas e juncos enormes. Havia muitos troncos submersos, alguns para fora d´água e que funcionavam como vasos, pois algumas plantas cresciam neles.
Gaviões caramujeiros de patas vermelhas davam grasnados enquanto me aproximava.
Pelo menos continuo avançando em mais um dia muito ruim de vento contra. Por aqui a distância é bem maior, mas do outro lado iria pegar as ondas com toda sua força.
- Bela decisão tenente, parece que estás aprendendo sobre táticas de guerrilha, se o inimigo é mais forte, tem que usar de astúcia.
Fui aproveitando e vendo todo tipo de garças, frangos d´água, marrecas piadeiras, patos, papagaios e araras. Um pouco mais adiante vi uma ariranha demarcando seu território sobre uma balsa de pescadores entre os juncos. Ela urinava por tudo e foi para a água quando me aproximei.
Ela seguia mergulhando na minha frente enquanto eu costeava os juncos gigantes. Filmei um casal de araras numa árvore próxima.
- E aí soldado Maktub, virou “aparador de junco”?
- Mazelas da guerra, senhor!
Após 03h20min paro para almoçar e vejo chuva para o lado de onde eu vim; ainda dá para ver a represa e a cidade de Ilha Solteira. É o quarto dia de vento contra, estou cansado e começo a fazer musiquinhas idolatrando o vento e seus “progenitores”.
Tamanduá-Bandeira

Atravesso a foz do R. São Marcos e vejo um tamanduá a menos de dez metros bem na beira. Ele não me viu, deu tempo de filmá-lo e fotografá-lo. Nem se importa comigo, acho que não está me vendo.
Procurei local para dormir na boca de um riacho, mas o capim era muito alto:
- Quem tem medo de sucuri?
Lembrei dos três porquinhos...
Paro adiante num barranco, tiro as coisas rápido, pois choveu durante a vinda e ameaça chover de novo. Armo a barraca longe do caiaque dentro de um mato mais abrigado enquanto um pica pau de cabeça vermelha batuca nos troncos. Vejo pegadas diferentes, parecem de onça...
Anoitece e chove, está bem frio de novo e a noite se torna longa.
26/07/05 terça dia 39
Daqui já posso ver a represa de Jupiá, umas 3 ou 4 h de viagem mais.
- Senhor!
- Fale cabo!
- Lamento informar, mas o cabo PH (papel higiênico) se foi...
- E o sargento bujão? Disseram que ele não passaria de hoje!
- Está firme senhor, preparando a refeição da tropa.
- Este merece uma medalha de bravura. Trinta e nove dias...

Parti às 09h45min, sigo pela margem quando vejo um mutum (todo preto e com melecas amarelas em volta do bico).
Aproveito a parada para o almoço, tomo um banho e faço a barba, tenho que chegar meio apresentável na barragem.
Atravesso a foz do rio Sucuriu que deve ter uns 5 km de largura e depois toco direto para a represa tentando descobrir onde fica a eclusa.
Chego na barragem de Jupiá (sexta barragem) às 14h20min desço e vou falar com o segurança Fernando.
Sou bem atendido por todos, os engenheiros explicam que não dá para passar pela eclusa, explico que só quero que um caminhão me deixe do outro lado.
Ter servido na marinha e possuir uma carta de ciência pela capitania dos portos de Florianópolis está ajudando demais.
Estórias de sucuri
Fernando fala que pegaram uma jibóia aqui na frente e que uma sucuri atacou seu amigo dentro d´água e de dia... Ele estava pescando dentro do rio, na beira. Quando foi colocar um peixe dentro de um viveiro onde estavam outros peixes, foi atacado por uma sucuri que estava atraída pelos peixes.
Ela deu o bote no braço do homem que não conseguia esfaquear a sucuri porque ela lhe pegou pelo braço direito. Não fosse um colega pra lhe ajudar, estaria morto.
O amigo dele só se salvou porque havia um companheiro que foi ajudá-lo e conseguiram arrastá-la para fora da água onde conseguiram matá-la.
Ainda por cima o cara ficou com defeito no braço. Deve ter afetado algum músculo ou nervo.
Que mierda, estava tranqüilo e agora essa da sucuri atacar de dia...
Punhal no punho de novo seu André!

Seu Teixeira resolve o problema e providencia um caminhão. Eles me transportam para baixo, o pessoal é muito legal.
Já passa de 17 h, apenas tenho tempo de comprar algo no boteco da vila do lado de MS e desço uns poucos metros apenas para passar a noite. Um pouco antes passei por uma estranha estátua na beira do rio.
Um barranco cheio de mosquitos uma fábrica atrás do mato e o barulho de trem que passa um pouco acima.
Outra noite ruim e a perda da tranqüilidade lembrando os detalhes do ataque da sucuri. Já é o segundo caso que ouço.
27/07/05 quarta dia 40
Acordo com o barulho de um casal de papagaios ao lado.
Parti quase 10 h, fraco vento contra e boa correnteza a favor.
Uma hora depois chego na ilha Comprida e minhas preces foram atendidas: dia sem vento, corrente favorável, rio cheio de paisagens maravilhosas e liso.
Há um canal entre a ilha, a paisagem é linda, está tudo espelhado e vou passando por diferentes linhas de barcos de pesca apoitados perto das cevas.
Cheguei a filmar e fotografar cerca de dez barcos apoitados em linha.
Sigo em frente, passando por diversos bandos de bugios bem pretos entre a densa vegetação da bela ilha. Há bandos de macacos-prego.
Depois de duas horas chego ao fim da ilha e vejo, no lado de SP, uma pousada que serve refeições, bem na minha hora de parada...
Isto é um sinal dos deuses, é melhor não contrariá-los e almoçar.
Almoço converso com o pessoal, a família do Gino e uma gatinha tri bonitinha, mas eu tenho meu caminho. Ela perturbou minha alma de pecador. Passo por dezenas de pescadores apoitados no sol, que dureza!
Agora tem muitas casas flutuantes, balsas e bugios.
Num determinado momento cruzei com nove, depois onze e, numa terceira linha, sete barcos apoitados lado a lado.

O CHUPA CABRA
Depois de seis horas remando, estou com o ombro esquerdo incomodando e já começo a pensar em acampar.
Aqui tem muito mais ilhas que no meu mapa, paro uma lancha que passa e acampo em uma ilha bem pequena, num barranco atrás de um rancho flutuante. O local é lindo demais, tem bancos e muito lixo, mas está arrumado dentro de sacos.
Armo acampamento, assisto ao por de sol e vou para a barraca para escapar dos mosquitos.
Acordo mais tarde, está bem escuro, lembro que esqueci a capa de chuva no caiaque e vou lá fora.
Estou ali com a lanterna ligada quando um bicho vem amassando os galhos, espalhafatosamente, na minha direção. Não consigo vê-lo e corro para a barraca para pegar o punhal.
Apaguei a lanterna para não atraí-lo e a deixo num canto da barraca
Entro de chinelo e tudo, fecho o zíper e o bicho vem atrás. A lanterna não achei mais e de punhal em riste escuto sua respiração ao lado da barraca, penso em onça..
Estou às escuras dentro da barraca, com o bicho ao lado e tateio sem achar a maldita lanterna... Merda!
Quase espetei a barraca para atingir o bicho encostado na lona e acendo o bujão de gás, talvez o fogo o afaste.
O fogareiro acende e acaba o gás. Fico no escuro de novo, nem dá de ficar brabo, estou como um bicho acuado dentro da barraca.
O chupa cabra se afasta um pouco e acho a lanterna.
Foco na direção do barulho e não consigo ver nada, mas ele retorna (atraído pela luz)e se afasta quando passo a mão na lona produzindo um silvo.
Sinto que será uma longa noite, não posso sair no escuro e a ilha é muito pequena. Certamente ele voltará.
Basta pegar no sono e lá vem o barulho de folhas. Pelas 4 h da manhã, invocado, abro o zíper e ilumino em volta.
Consegui focar o chupa cabra; era um maldito tatu...
Vai se....
- Seu merda, com é que vai ter onça numa ilha tão pequena?
- Ela pode vir nadando...
Ouço alguns grunhidos, os tatus volta e meia retornam. Não fico tranqüilo dormindo ao lado da água sabendo que tem sucuris. Durmo com o punhal na mão e brabo comigo por não ter reativado o aparelho de choque.
Estas noites estão muito longas. Parei de tossir vou tentar dormir mais um pouco.


Arara Ilha do “chupa cabra” Por falar em cabras...


28/07/05 quinta dia 41
- Senhor! Durante a refrega com o chupa cabra o sargento Bujão teve uma parada, ainda respira, mas já não pode mais fazer o rancho da tropa.
- Substituam-no pelo soldado foguinho. Preparem o funeral do sargento com honras de herói; ele merece.
- Esta campanha será longa e terá muitas baixas, teremos que recrutar mais soldados.
Parti deixando a pequena ilha como uma noite diferente, fui deslizando entre várias ilhas, passando por canais até chegar numa barcaça de areia uma hora depois.
Fotografo a barcaça que é controlada por dois caras legais, André e Fabio, do barco Paulluci.
O canal parece terminar, estou saindo por um valo lateral, os caras da barcaça sinalizam para seguir em frente.
Aposto corrida com eles por uns 500 m e depois eles se vão.
Sigo em frente até chegar numa ponte em construção que ligará a cidade de Paulicéia ao MS. Paro para almoçar depois da ponte e sigo em frente, já passando da cidade de Panorama.
Uma lancha vem na minha direção é André e Fábio, eles perguntam se eu levo um motor escondido, pois dizem que estou andando muito.
Fiquei super feliz. Eles me dão água e nos despedimos pela terceira vez.
Uma hora depois de Panorama penetro sobre uma floresta inundada.
Como a água é transparente!
Parece que o caiaque está sobrevoando a floresta que posso ver até uns seis metros de profundidade.
Vejo os galhos das copas das árvores, os galhos e os troncos, só que em vez de folhas, o limo e as plantas aquáticas se unem aos galhos agora mortos.
Às vezes o terreno sobe (antigos morros), a profundidade cai para poucos metros e muitas árvores mortas estão semi-submersas formando paisagens surrealistas aonde o Maktub vai deslizando sem fazer barulho.
Remo por mais de 4 h seguidas e sou obrigado a remar com força, pois o local que escolhi de longe não é bom.
Acabo contornando um pontal até achar uma enorme árvore tombada no rio e uma pequena ao lado de um trilho de vaca. Ela está isolada no campo.
O campo é de grama baixa e creio que vá passar uma noite tranqüila.
Havia um pouseiro de anus (eles dormem um ao lado do outro para se aquecerem) e os corninhos cagaram a noite toda em cima da barraca...
Agora tenho uma barraca camuflada... De bosta!
Local de “bombardeio” dos anus


29/07/05 sexta dia 42
Parti todo dolorido de ontem, estou remando, em média, acima de 7 h.
Sigo entre florestas, pergunto a dois pescadores legais onde estou e dizem que é a foz do rio do Peixe.
No meu mapa era uma linha reta, agora é um imenso lago com quase 10 km de extensão.
Eu estava indo para o lado errado. Paro para almoçar em outra ponta, um local lindíssimo.
Remo mais duas horas, paro para tomar banho e fazer a barba.
Estou exausto. Pergunto para dois pescadores e eles apontam numa direção que pensei ser o MS.
Não posso vacilar e me vou para uma travessia (pensei que fosse durar 2 h e durou quatro). Remava forte, cruzava entre florestas inundadas e depois por longas extensões sem nada. É um lago que chega a ter 20 km de largura.
Quando chego na costa de altos barrancos, falo com uns garotos e, para minha surpresa descubro que cheguei em Presidente Epitácio (SP). Remo mais um pouco e penetro em um pequeno rio que deságua no rio Paraná.
Falo com um pessoal de um estaleiro e descubro que aqui tem uma sede da Capitania dos Portos. Posso pedir abrigo ali, deixar o caiaque seguro e comprar o que preciso.
Encosto na rampa próximo de uma ponte deste rio que adentra para a cidade.
Os marinheiros Ribeiro e Fábio ajudam a colocar o caiaque no galpão. Ele liga para o comandante Abraão que manda o sargento Gomes verificar e ver se não me falta nada.
Pô cara, que legal, como é bom ser bem recebido!
Gomes me instala e dá uma carona (na toyota) para o centro, onde tomo sorvete e sigo para a internet.
A cidade é uma tranqüilidade só, nem parece ser São Paulo!

30/07/05 sábado dia 43
Hoje saí de manhã, fui agradecer na Capitania a gentileza. Resolvi ir ao super e comprei roupas.
Não vão acreditar... Fiquei escrevendo por mais de oito horas. São 23 h, vou retornar para a capitania e partir amanhã de manhã.
É isso aí meus amigos aqui foi mais um pouco de aventuras, amanhã a viagem continua. Dos 5000 km, já fiz pelo menos 1000 km.
Um baita abraço!
E-mails:
Estou cada dia mais convicto de que vc vai muito longe. Só toma cuidado com as cobras, já que as corredeiras brabas vc já parece ter passado. Cara, essas tuas histórias vai dar para fazer um livro. Que aventura legal, gostaria de estar ai participando mas já dá para matar um pouco da vontade com as histórias.
Um grande abraço e até a próxima noticia. Marcelo

Muito bem escrito o diário da indiada. Parabéns. Pela indiada e pelo diário.
Não tenho noção de onde fica Itumbiara nem S Simão. Diz aí algo tipo X km mais ou menos a NW de alguma cidade que esteja no mapa. Abraço, Danilo.

Hola Hermano kayakista!!!! Que maluco que estas , trata de llegar en unapieza!!!! Como va todo , recien termine de imprimir tus maiol asi lospuedo leer tranquilo.Yo reviso el correo una ves por semana asi que meentero de todo siempre unos dias despues.Viste que el kayakista es mediomontañes ,estas cosas de la internechi no son para nosotros.Buenocuidate y nos vemos pronto.Un abrazo ALDO

QUERIDO ANDRÉ!!!QUANDO LEIO TEUS E-MAILS FICO IMAGINANDO AS AVENTURAS QUE TU ESTÁ TE DEPARANDO, GUARDA TODOS ESSES ESCRITO E DEPOIS PUBLICA UM LIVRO ESSAS TUAS HISTÓRIA FAZEM A GENTE VIVER ESTAS EMOÇÕES. EU QUE PENSAVA QUE TU NEM MAIS VIAJAR IRIA, MAS NÃO! COMO SEMPRE TU SURPREENDE E FOSTES AINDA MAIS LONGE...SÓ TU ANDRÉ!!! FICO FELIZ QUE APESAR DOS HEMATOMAS, ESTÁ INDO BEM, REALIZANDO TEU GRANDE OBJETIVO. FICA FORTE ANDRÉ AINDA QUERO OUVIR TU ME CONTANDO TODAS ESSAS HISTÓRIA NO PRÓXIMO VERÃO. ESTOU SEMPRE TORCENDO POR TI, MAS TE CUIDA TAMBÉM... FELICIDADES E GRANDES EMOÇÕES SEMPRE.......SABRINA Hola Andre! estoy leyendo tus mail , como te gusta escribir! Gracias porcompartir tu aventura con nosotros.Yo cuando leo tus mail estoyviajando con vos.Bueno veo que ya sos un profecional del kayak asi quepienso que no vas a tener problema en concretar el recorrido que tepropusiste.Yo no dudo en que lo vas a lograr y en todo caso el intentoes valido.Bueno te esperamos por estos lugares para comer unoasado.Un abrazo grande. SI SE PUEDE!!!!!!! Aldo D’Angelo


De Presidente Epitácio a Guaíra
Buenas pessoal, acabei de chegar a Guaíra depois de remar por cinco horas consecutivas. A barra anda meio pesada por causa dos bichos e da região de tráfico e contrabando.
Tenho dormido direto de punhal na mão, instinto de sobrevivência em nível máximo, mas faz parte.
Saí de Presidente Epitácio no Domingo, dia 31/07/05 depois de uma noite fria num contêiner de aço. DePaula e Da Silva ajudaram a colocar o barco na água.
Manhã muito linda vou seguindo os altos barrancos protegidos por concreto. Vou remando por 3 h até que passo da city e começo a navegar rumo a pontais que se sucedem.
São travessias longas e monótonas, pois não vejo quase os bichos e fico pensando nos amigos e parentes.
O vento aumenta, as ondas começam a passar por cima, mas peguei uma confiança bem grande no caiaque e nem chegam a preocupar, apenas incomoda para manter a rota.
Campos e mais campos e margens desmatadas, as únicas árvores preservadas são aquelas que a barragem deixou submersas.
Finalmente encontro um local, têm um coqueiro com imensos espinhos no tronco e uma figueira mais para cima. Ao redor é tudo campo e parece haver um condomínio em construção mais adiante, é o “formigueiro” chamado São Paulo.
Recuperei o sono, mas fiquei muito cansado.
Deixei o caiaque amarrado no coqueiro espinhento e armei a barraca sob uma árvore mais para cima. O que chama a atenção é o desmatamento que vai até a margem e os desmoronamentos ocasionados por isto. Daí os “inteligentes” que desmataram para colocar o gado são obrigados a colocar cercas para impedir que o gado caia nas regiões que estão por desabar.
As únicas matas que não foram derrubadas são aquelas que ficaram no lago que se formou por causa da represa de Panorama.
01°/08/05 dia 45
Chegamos a Agosto!
Parti com vento de través no sentido N-NW.
A exemplo de ontem, vejo muitas tartarugas descansando sobre troncos ou mesmo em troncos submersos. Depois enormes cascudos que estão na areia ou em galhos com limo. Tentei voltar para fotografá-los, mas é claro que eles não ficam esperando sorridentes para as fotos. Desisti!
Quando vejo os bichos já estou passando, é muito difícil.
Depois de muito tempo vendo campos, entro numa região de muita mata e vejo um bando de bugios.
Pego a filmadora e deixo o caiaque à deriva enquanto filmo. O macho é bem preto e as fêmeas são marrons esbranquiçadas e todos têm uma barbicha.
Um estrondo, o caiaque bate num tronco e quase deixo a filmadora cair, solto um palavrão e os macacos se vão.
Um pouco adiante paro sob a árvore onde um macho come as frutas e não me vê. Na hora de filmar o caiaque passa com a corrente e preciso remar, acabo fazendo barulho, ele me vê e se vai, mierda!
As primeiras três horas de remo são suportáveis, depois do almoço divido em etapas de duas em duas horas, mas acho que o ombro esquerdo está indo pro pau, incomoda muito.
O sol forte me obriga a molhar a camiseta para refrescar. Vou remando de pontal em pontal, já não sei mais onde estou, passei por muitas entradas de riachos.
Parei para descansar em um barranco e descubro uma infinidade de cupinzeiros, alguns mais altos do que eu.
Meu negócio é remar minhas sete horas, dormir e fazer o mesmo no dia seguinte, não adianta saber onde estou.
Na última hora sou obrigado a colocar o boné com mosquiteiro, pois os insetos vêm no rosto.
Quando chega no fim do dia penetro em zona de floresta fechada, difícil de acampar. Encontro Davi e Carlos que indicam um local que eu não teria visto da água. Valeu!
Armo a barraca no alto do barranco, vejo o final do dia e as luzes de uma city, deve ser Anaurilândia em MS, é minha única referência.
02/08/05 terça dia 46
Hoje a Ângela, minha irmã, está de aniversário, parabéns!
Estou ao pé de uma enorme árvore que em breve vai cair no rio, como outra enorme que já caiu.
Os papagaios parecem conversar e jogam as cascas bem em cima da barraca enquanto os filmo, são uns folgados!
Parti só às 09h10min, desisti de chegar hoje na barragem, pois se estou de frente para Anaurilândia, devem restar uns 60 km até a barragem de Porto Primavera onde tem eclusa.
Uma hora depois entra um vento NE de forte a médio e meu rumo é de W-SW e isto muda tudo. Resolvo tocar direto as três horas de sempre e ver o que acontece. Traço linhas as mais retas possíveis, sempre longe da costa.
As ondas já beiram um metro, algumas passam por cima, principalmente ao me aproximar dos pontais onde as ondas retornam e onde fica mais raso e elas ficam mais fortes.
Segura peão! Tu não pretendes enfrentar o mar?
Paro para almoçar depois de um pontal, queria ver o que havia do outro lado, vejo apenas pontas e mais pontas ao longe.
Não me conformo, pego o binóculo, escalo o barranco e olho adiante.
Agora consigo ver uma estranha formação ao longe, só pode ser a represa, para cruzá-la, tenho que chegar lá até às 18 h.
- Brody, acho que dá para encarar. É só remar sem descanso até chegar.
Com esse vento favorável é possível.
Volto pro caiaque com um plano: 1h para chegar na primeira ponta, a segunda hora até um mato verde claro e a terceira hora até a represa. Parece que a eclusa fecha às 17 h.
Parto às 13 h sem vacilar, o ombro que me desculpe.
As ondas estão cada vez mais fortes e irritam ao forçar o caiaque a mudar de rumo, parece de propósito e isto causa ataques de fúria galopante e sobra pro caiaque (que está sem leme):
- Não é pra lá, seu corno!
- É pra lá! Tu tens que ir pra onde eu quero e não onde tu queres!
E remava com fúria para corrigir o curso; aí vinha uma seqüência forte de ondas de través e eu ficava quase enlouquecido, remando e gritando palavrões aos berros contra as ondas e o caiaque.
Passam 02h30min, estou cansado, mas vejo a represa cada vez mais perto, quero descansar, mas o espírito diz:
- Vamos cara, é só mais uma hora, estás perto, lá tu descansas!
Não vejo a eclusa, então vou direto para o centro da represa que está contra o sol.
- Cara, toma cuidado! Se entrares na correnteza das turbinas vai te dar mal.
O engenheiro de Jupiá falou que nem barco com dois motores sai de lá (da corrente que leva para as turbinas).
Então vou mudar de tática, seguirei as bóias de sinalização, embora elas sigam para o centro da represa. Quando chego numa, consigo ver a próxima.
Passo por uma de bombordo e vejo a próxima, mas não dá para ver a cor, pode ser uma de advertência.
Como há o refluxo das ondas que voltam da represa, enormes ondulações vêm em sentido contrário. Chego na bóia seguinte, é uma de boreste (verde), mas não vejo a eclusa.
Olho para os lados e vejo as próximas, estão próximo da margem de SP, bombordo e boreste, acompanhadas de uma amarela, de advertência.
Entro no canal de acesso da eclusa (16h30min) depois de remar quase direto por 06h30min.
Há um rebuliço enorme de ondas, mas consigo encostar junto a umas pedras ao lado do portão da eclusa.
Mal encosto e já vem um segurança; é Eudes, super camarada que ajuda a puxar o caiaque. Falo ao telefone com José dos Santos, ele opera a eclusa e diz que é mais fácil eu passar pela eclusa do que arranjar um transporte. Legal, vai mudar a rotina de novo.
Eclusa de Panorama (entrada) 17 metros de desnível Abrindo o portão de saída O rio

Fico a deriva por uns 20 min enquanto enche a eclusa. Finalmente desce o portão de acesso. Recebo ordens de entrar. Remo até o meio da eclusa e amarro o caiaque na lateral da eclusa, onde têm bóias móveis que sobem e descem por trilhos nas laterais da eclusa. É obrigatório o uso do colete salva-vidas. Estou maravilhado! Agora as águas começam a escorrer das paredes e a baixar. Parece uma cachoeira. Vou filmando e fotografando enquanto descemos longos 17 metros...
A sensação que dá é que tu vais sendo baixado numa cova bem profunda, he, he!
O José olha lá de cima da torre de controle, ele anotou meus dados, origem e destino, balança a cabeça, não acredita naquele inseto de barco na eclusa que foi feita para navios de grande porte:
- Tu és louco!
Aceno para ele e Eudes, são 18 h. Em 10 min o sol irá se por. Terei de viajar no escuro até uma praia há 7 km que Eudes indicou ou achar um local antes.
O portão de saída sobe, barulho de água escorrendo, o rio surge na minha frente, estou livre das ondas.
Vou saindo entre as paredes de concreto e sigo por barrancos cobertos de cimento com centenas de canos de drenagem, parece um paliteiro...
- Há local para acampar ali...
-Não, aqui tem muito barulho.
Saio do canal, entro no rio, há barcos grandes na margem. Ouço um latido peculiar, é uma capivara nadando só de cabeça de fora enquanto me observa.
Nuvens de mosquitos infernizam. Escurece de vez, as margens se tornam borrões, deixei de parar em dois bons lugares:
- Saquei o teu lance, seu palhaço, tu queres fazer o máximo de km e eu que me rale remando...
Quebrei o pacto de não andar de noite, nem pensar de encostar, estou sem lanterna que ficou no compartimento da proa.
Agora só enxergo o rio e um farol na ponta da ilha que demarca a entrada.
Chego na tal ponta onde deveria haver a praia mas tudo está escuro como um breu, noite sem lua.
- Viu? Eu te avisei! De castigo, vais remar a noite inteira pelo meio do rio, pois filho de meu pai não encosta em floresta de sucuri à noite.
Vejo uma luz fraca ao longe, mas logo se apaga. Ando mais um pouco e finalmente vejo luzes.
Paro junto de uma luz forte, peço licença para o morador e monto a barraca ao lado da rampa de barcos.
Aparece Gabriel, seu Aparecido e Aldo, eles querem que eu vá para sua casa, mas prefiro ficar ali. Aceito o convite para um banho quente e uma janta deliciosa. Aldo e Gabriel caçam enormes jaús de arpão. Eles mostram fotos onde aparecem mais de oito enormes jaús de mais de 50 kg, maiores do que um homem.
03/08/05 quarta dia 47
Acordo cedo, muitas aves aquáticas estão em volta da barraca e não me vêem pela fresta. Tiro fotos delas a menos de dois metros.
Amanhecer assim dá uma sensação de tranqüilidade e satisfação de poder estar aqui, curtindo tudo isto...
Agora de dia vejo como é bonito o local onde parei. É um canal que se forma entre a ilha em frente e as casas lado a lado ao longo dele.
Tem pescador que não acaba mais. Agradeço aos amigos e sigo pelo canal. O caiaque desliza rápido na forte correnteza de águas límpidas e rasas.
Fico impressionado com a velocidade, pois vejo o fundo passando muito rápido há uns 30 a 40 cm por uns 1000 m, depois afunda para 3 m e acaba a ilhota. Surge um fraco vento de popa e fica covardia. As bóias das cevas demonstram a força da correnteza favorável.
Às 09h50min estou passando pela bela praia da cidade de Rosana.
ESTADO DO PARANÁ
Às 11h30min chego à foz do Rio Paranapanema, que faz a divisa de São Paulo e Paraná, para boreste continua o Mato Grosso do Sul.
Tenho que parar em uma pequena ilhota que há ali para filmar e fotografar, pois o vento e a correnteza estão muito fortes.
Ilhas, muitas ilhas. Ora sigo junto a elas ora pelo meio do rio.
Estou cansado de remar 07h30min ontem, mas só vou parar às 13h, 03h30min depois de ter saído.
Sol forte, já passei por porto S. José e resolvo atravessar o rio e parar em Porto Rico (PR) para dar notícias para meu pessoal.
Um picolé, um suco de laranja e sigo por mais uma hora parando mais cedo, pois só vejo florestas densas para frente.
Acampo numa parte inclinada, arrasto com esforço o caiaque para cima. O mato ficou fechado, sinto perigo no ar, meu instinto de bicho se aguça.
Armo a barraca com meu chapéu de legionário com mosquiteiro, pois hordas de moscas, mosquitos e borrachudos infernizam enquanto armo.
Tudo pronto, sento no barranco e fico olhando o sol se por do outro lado do rio.
Muitos peixes saltam atrás dos frutos que caem de uma figueira, bandos de garças sobrevoam as águas em busca de lugar para passar a noite.
Cara! É lindo demais!
Entro na barraca, vejo o final do dia através da tela enquanto os mosquitos tentam entrar.
Só de ruim, espero eles pousarem na tela e dou “petelecos” bem na barriga deles.
- Esse não faz sexo por pelo menos uma semana!
- Como é bom ser mau! He, he...
Aqui é selvagem, não estou seguro. Resolvo dormir por fora do saco de dormir com o punhal na mão!
Estou me sentindo tal qual um alpinista neste terreno inclinado.
Deito, escorrego, subo um pouco; até o final da noite terei feito o equivalente do acampamento 1 até o topo do Everest...
Pelas 3 h acordo com passos quase ao lado da barraca:
- E aí, seu bunda mole?
- Vai só ficar escutando a noite toda como fez com o chupa cabra?
É verdade, chega de ficar me preocupando a noite toda. Acho a lanterna e dirijo o foco na direção do barulho.
É uma enorme capivara, um macho. Nunca vi um tão grande está ao lado da barraca, ele fica desorientado com a luz em seus olhos.
Como é que um bicho destes (uns 70 a 80 kg) faz tão pouco barulho? O maldito tatu fazia um barulho dos diabos.
04/08/05 quinta dia 48
Sigo pelas 09h30min entre centenas de ilhas, ouço o ronco dos bugios, bem-te-vis e outros.
Remo sem camisa e com o boné de legionário para proteger os ombros.
- Tu não levas protetor solar?
Gaúcho que se preza morre de câncer de pele, mas não usa protetor, creminhos e outras frescuras...
Há um princípio de motim a bordo, mas é punição por ter saído tarde.
Paro só às 13h, início de uma ilha e fim de outra. Água límpida, sol forte, urubus e muita mata virgem. Remo mais 4 h, nada de local para acampar. Parece haver uma praia ao longe, é Porto Natal, lugar lindo e bucólico. Sou bem recebido por todos janto e acabo dormindo ao lado da rampa.
Sr. Deleo, Tião, Marlene e Edson são muito bons e amigos.
05/08/05 sexta dia 49
Cedo já tem muita gente em roda, estou atraindo curiosos...
Arrumo tudo, tomo um café e me vou.
Seu Tião fala dos ataques de tamanduá, diz que ele abraça a pessoa de frente, enfia a língua pela boca ou nariz para sufocar e que suas garras são como navalhas.
- Meu amigo perdeu um braço e ficou com as tripas de fora quando o tamanduá lhe atacou. Na verdade o Tamanduá foi atacado pelos cães de caça e o cara se meteu na peleia, pois o tamanduá estava matando os cachorros. Ele estava se defendendo!
- Por isto ele não fugiu quando te viu, ele não tem medo...
...E eu quase desci do caiaque para filmar mais de perto aquele que encontrei no MS...
Fala das sucuris, de uma de 8 m que mataram porque havia comido o cachorro de um fazendeiro e de outra que matou um homem...
Despeço-me e vou em frente:
Estou me sentindo bem, sem dores e a manhã está linda:
- Tenente Issi!
- O que é isto?
- Isto aqui está parecendo uma gôndola de Veneza! Só falta uma camisa listrada.
- Que cantoria é esta?
- Euforia, senhor!
- Recomponha-se!
Vejo pássaros, estou viajando em pensamentos quando, de repente, um pouco para trás, duas capivaras entram aos gritos no rio...
Tomei um susto dos diabos, carajo!
- Vão pro diabo!
-Vai dar susto na tua vó!
São umas histéricas, eu até já havia passado por elas....
Passo por muitas capivaras (carpinchos).
Ao meio dia estou passando por Porto Camargo, disseram que eu não chegaria ali hoje...
Estou há 1 km de cada margem e passo sobre um banco de areia , a água fica super rasa, quero descer mas a corrente é forte, então só filmo e fotografo. Remei direto por 4 h, hoje quero remar oito...
O JACARÉ
Entro por um estreito canal onde tem muitas casas de taquaras, plástico e palha. Tudo fica para trás, apenas matas a perder de vista, não vejo mais ninguém. Passam as horas, sinto que estou em fria.
Estou há meros 3m da margem quando vejo um enorme jacaré na base de um barranco. Faço a volta contra a forte correnteza e tento me aproximar o máximo possível para fotografá-lo. Ele deve ter mais de 3m.
- Cara, não estás muito perto?
Dá para ver os dentes dele. Ele me cuida e quando quase passo uma folhagem para tirar a foto ele vem para a água.
Aí eu caio na real:
- E se ele vem pra cima de mim?
- Te manda brody!
Travo o caiaque e deixo a correnteza me levar, fiquei impressionado!
Desisto de achar lugar na margem.Ali os barrancos são altos e a mata se debruça sobre as águas, não encontro lugar para acampar. Fora a lembrança do jacaré!

- Tenta as ilhas!
Na margem desisti de achar local, atravesso e vou até as ilhas, pelo menos os barrancos são mais baixos.
Uma noite de sufoco - ilha das onças Parque Nacional da Ilha de Sete Quedas
Encosto. Estou desesperado, abro uma picada com o facão para o caiaque, subo e abro outra para a barraca.
Estou no sufoco e inseguro, local barra pesada.
A noite será longa.
E foi! Vários bichos rondaram a barraca e a mão chegava a dar câimbras de tanto apertar o cabo do punhal.
Eu não tenho para onde fugir, seja o bicho que for, terei que enfrentá-lo aqui.
Cochilo às vezes, me vejo esfaqueando sucuris, tenho que enfiar o punhal entre as escamas ou na boca, são os pontos frágeis.
Vários já disseram que facão não a corta, o couro dela é como um pneu de carro.
Por isto uso o punhal, só uma ponta afiada para penetrar entre as escamas, é minha única chance...
Eu nunca vou estar em segurança até que chegue o último dia.

06/08/05 Sábado dia 50
Amanhece nublado, praticamente não dormi. Parti às 09h30min e meia hora depois surge uma lancha. É da polícia florestal (IBAMA):
- De onde tu vens?
- De Brasília!
- Não, onde tu colocaste o barco?
- Em Brasília!
Custa a cair a ficha, ele não entende a princípio, depois abre um largo sorriso.
Diz que estou penetrando em zona perigosa, que o perigo é o homem.
Tem coisas que ele não falou e que ficarei sabendo só depois, como ele disse:
-Vai pela margem que é mais seguro! - Tem rio em Brasília?
Sigo em frente, mais adiante a lancha se aproxima de novo, agora tem umas seis pessoas. Todos de uniforme camuflado, aqui é um parque nacional.
O mais velho deles e que parece ser o chefe tira fotos de mim, diz que é para mostrar para os amigos...
Após 3 h, encosto em um rancho abandonado na ponta de uma ilha. Almoço ao lado da cabana e espio pelas frestas. Por dentro é de chão batido, há beliches e um fogão rústico.
Há uma clareira ao redor e um arremedo de roça de batatas com cinza de fogão por cima.
Não mexo em nada.
Escuto passos de bichos, mas não se aproximam. O brejo é muito alto; estou sempre com o punhal na mão, esse lugar não dá confiança.
Sob um mormaço vou desanimado até encontrar um barco de pesca e descobrir que estou há menos de 40 km de Guaíra. Fiquei muito feliz, pensei que estivesse a dois dias de lá chegar. Este caiaque deve estar voando. Deve ter dia que andei próximo dos 60 km, antes fazia uma média de 30 km/dia...
Às 15h30min chego a porto Brington (braiton), há uma rampa, muita gente de lancha.
Logo o pessoal fica sabendo de onde venho e tira fotos de mim e do caiaque, virei atração turística.
Resolvo almoçar por ali, e vou ficando.
Seu Dinho é muito legal e conta que nestas ilhas tem onça a dar com um pau.
Aqui foram colocados todos os bichos que retiraram por causa do Lago de Itaipu.
- Nas ilhas? E tem o que elas comerem?
- Tem muita capivara!
Ele prepara um peixe a milanesa, arroz, feijão, salada e uma carne de porco deliciosa.
- Esse porco eu peguei com 70 kg e tinha 139 kg quando matei...
Ele vem com a mesma estória das sucuris, só ataca quando têm fome...
- Elementar, meu caro Watson!
E eu dormindo nas ilhas...
Seu Dinho brinca dizendo que os passos que ouvi esta noite ao lado da barraca talvez não tivessem sido de capivara... Insinua que foram onças!
Por isto o guarda florestal falou que no continente era mais seguro...
Como pretendo parar em Guaíra e só faltam 30 km, não fará diferença seguir mais um pouco, melhor dormir em um local seguro, estou precisando descansar. Estas últimas noites não foram das melhores.
Resolvo dormir por ali mesmo (ao lado da rampa) assim que todo mundo for embora.
Noites “seguras”
A noite chega, seu Dinho me chama num canto:
- Tá vendo aqueles dois caras de moto?
- Não dê confiança para eles, o cara vive na cadeia...
- Pô, eu até tirei foto deles com o senhor.
Pior, seu Dinho não fica aqui, ele vai para a cidade e pede que eu cuide do seu restaurante....
Vai todo mundo embora, inclusive ele.
Os caras subiram a estrada, certamente vão voltar, pois não tem saída. Resolvo não montar a barraca enquanto eles não passarem de volta, não quero que saibam que fiquei por aqui.
- Mierda!
Chegam os últimos pescadores que estão fora. Marcos me dá uma cerveja, pão e presunto. Ele insiste e eu aceito.
Vejo os caras da moto passarem, nem me viram. Depois que todo mundo vai embora, armo a barraca e vou deitar.
Desperto, algum bicho está em roda. Fico com o punhal em riste até que durmo.
Lá pelas tantas surge um cara de carro, ele desce ao lado da rampa e fica ali.
Super estranho. Está tudo escuro e mal vejo o tipo!
Fico espiando pela fresta, surge um barco na escuridão, o cara esperava por eles. Desembarcam 4 fardos pesados e levam para o carro, acho que são capivaras mortas. Seu Dinho falou depois que poderia ser contrabando do Paraguai.
Acho que não me perceberam, pois armei a barraca um pouco mais afastada da rampa.
Ou não me viram ou ficaram na deles.
- E aí seu André! Sentiu o que terás pela frente?
- Gostou da “noite segura”?
Pois é, já é meia noite e não dormi direito, ainda tem bichos em roda, irritei-me e fui lá no caiaque pegar a lanterna.

07/08/05 Domingo dia 51
Arrumei tudo cedo, tomei um café com seu Dinho e parti às 08h30min.
Fiz a travessia passando por porto Irara e fui costeando a ilha Grande ou Sete Quedas, a ilha cheia de Onças.
Era uma vez, uma enorme sucuri...
Vejo algo ao longe, uma hora depois. Está bem na parte de dentro da curva do rio e eu estou seguindo por fora. Parece um tronco claro, mas é cheio de pintas circulares.
- Cara, aquilo é uma Sucuri!
Está entre os galhos, paro de remar, pego a filmadora, tiro fotos...
-Volta e desce o rio mais perto dela!
Meu coração está aceleradíssimo o bicho é enorme!
Eu nunca tinha visto uma, é simplesmente descomunal.
- Tenente Issi, tem que nos aproximar mais...
- Tá louco?
- Ela está na superfície, deve ter comido algo e não vai te atacar!
Sempre que come alguma coisa, a sucuri fica fora da água, sobre galhos da margem, para fazer a digestão.
- Merda! Eu estou mais cagado que chiqueiro de porco e tu queres que eu vá lá, neste rio cheio de correnteza, para fotografar aquele monstro mais de perto?
- Afirmativo, positivo, operante!
- Bosta!
Se esse caiaque virar ao lado ou perto dela, vou nadar até Guaíra em cinco minutos.
Subo o rio de novo e deixo o caiaque ao sabor da correnteza e desço fotografando e filmando. Ela deve ter uns 4 a 6 m, quase do tamanho do caiaque, dá pavor e medo ao mesmo tempo.
Depois de subir duas vezes e voltar ao sabor da correnteza cada vez mais perto, sinto um cheiro de podre, ou está morta ou se borrou de medo do pelotão farroupilha.
A cabeça dela está presa para baixo dos galhos, eu que não vou pegar um “recuerdo” (queria cortar a cabeça e amarrar na proa, como uma carranca), o caiaque pode virar nesta correnteza e pode ter a irmã dela por aí!
É um animal muito perigoso e não posso deixá-lo viver, o rio é pequeno para nós dois. Encosto e “finalizo” o bicho com meu superpunhal matador de sucuri!
- Tenente Issi, vamos registrar que ela morreu de medo ao cruzar com nossa patrulha Farroupilha!
Que coisa mais impressionante! Como é que vou parar um bicho destes apenas com um punhal?
Não tive escolha, era ela ou eu... Olha a boca da criança (ilustração)
É por esta e por outras que, quando durmo, escuto o mínimo barulho; não dá de vacilar aqui. Podes acordar com um bicho deste te enroscando ao lado do rio!
Sinto um alívio ao saber que eu não estava de frescura, o perigo é real!
Alguém duvida?
Outra: como é que os caras têm coragem de afirmar que ela não ataca?
Não é “o deles” que está na reta!
Com este tamanho eu não teria medo de nada.
Basta estar na frente dela em seu habitat quando ela estiver espreitando alguma caça e aí chega um tal de pelotão farroupilha encostando na margem para acampar.
Será uma peleia bruta e feia, mas juro que ela não me leva sem tomar o troco...
Adiós, pampa mio! Adeus teóricos!
E me vou, remando por cinco horas direto, até cruzar com a ponte de Guaíra. Bem embaixo da ponte tem uma pequena corredeira, mas nada demais.
Acabou Mato Grosso do Sul. Agora estou entre o Brasil e o Paraguai, muita aventura pela frente.
Que Deus me ajude!
Chego a Guaíra após passar pela ponte. Deixei o caiaque em um local cheio de malucos e mochileiros. Tiramos o caiaque do rio e ele fica aos cuidados de Tininha, que é muito simpática. Ela pede que eu volte logo, mas tenho muito que escrever na internet, sei que vou demorar.
E se ela for embora e o caiaque ficar ali sozinho? Alguma coisa não está certa, fico intranqüilo, mas a vontade de mandar notícias é maior e resolvo ir ao centro mesmo assim. Eles guardam o remo para mim, mas tem muita coisa na coberta de proa, fora o remo reserva que fica por dentro do cockpit. Coloco uma roupa para ir ao centro.
Sigo a pé para uma internet, mas quando chego a um museu, recebo uma séria advertência de que quando voltar talvez não encontre nem o caiaque. A moça dali falou que o local onde deixei o caiaque é barra pesada. Outra pessoa já havia dito o mesmo quando eu pedia informações pelo caminho.
Retorno para o rio, dou uma desculpa esfarrapada ao pessoal que ficou “cuidando” e desço o rio remando com minha roupa “domingueira” mesmo.
Não encontrando lugar adequado, sigo viagem, não vou perder meu caiaque por bobeira!
Desço até uma marina que pertence a prefeitura e que é vigiada pela Guarda Municipal. Converso com o pessoal e eles autorizam a deixar o caiaque ao lado da rampa.
Vou caminhando até o centro da city e encontro uma internet, onde fico escrevendo até perto de meia noite.
E-mails:

Caro amigo André, recebi o teu e-mail (ataque da onça, quero dizer do tatu) e estou te retornando para te contar as novidades daqui. Na realidade, novidades não há muitas, pois a monotonia reina por aqui se comparadas às tuas aventuras aí na selva. Fico só imaginando as paisagens, o rio, o mato, os bichos... Eu acho que no fundo quem tá certo é tu, pois lá no finzinho, nos últimos momentos da vida, quando a gente faz aquela retrospectiva que já não tem mais volta a gente vai se perguntar pq não fez diferente e aproveitou mais a vida. Tenho lido teus e-mails (3) e tenho gostado muito das narrativas. Carinha, te cuida por aí, lembra daquilo que o Bello disse: na dúvida não vai te arriscar , agüenta e pensa noutra coisa! Até a próxima irmão, Paulo Rojas Oi seu doido de varrer!
Como é que tu tá?! Eu to adorando receber os teus "relatos", parece até que eu estou acompanhando os capítulos de uma novela, hehehehehe
Nós estamos com muita saudade de ti, tenho certeza que tu vai sair inteirinho dessa, inclusive mais preparado ainda para a próxima "indiada", hahahaha To torcendo por ti!!
Fica com Deus e volta luego brodinho!!!
Beijão, Ana Lopes

Hola André,Acá en Rosario estamos siempre atentos a tus mensajes, nos deleitamos siempre leyendo las historias de tus días en este viaje, y estamos con muchas ganas de verte y escuchar esas historias.El Colo (o fabricante do caiaque) está con mucho miedo por el bote, cree que lo debes tener todo destruido (quebrado) jajaja. Te estaremos esperando con un buen asado Argentino!!!En Rosario te vas a tener que quedar un mes mínimo Y si nos dan los tiempos, tal vez te podamos acompañar algunos días remando.Te mando un abrazo en nombre todos los hermanos kayakistas de Rosario.Daniel Ross
Estamos felizes com seu sucesso.
Não deixe de nos dar notícias.
Onde você estará quando do recebimento desta?
Todas as vezes que nos reunimos falamos de você.
Um abraço do amigo Walter.

Oi Mariana, cheguei há pouco em Guaíra, depois de remar por cinco horas consecutivas. Vi uma sucuri, era enorme, tirei fotos filmei. A barra tá pesada, região muito selvagem e perigosa (pelos bichos e pelos homens), durmo todas as noites com o punhal na mão.Bem ou mal estou chegando em Foz. Estou de frente para o Paraguai. Entrando na Argentina ficarei três meses fora do Brasil e se Deus deixar, retorno pelo Chui rumo a Porto Alegre. Um beijão!

Brodinho, brodinho.. vê se te cuida!!!! É um doido mesmo, hehehehe!!!
Bom, que Deus te proteja!!!
E quando vier a Poa vê se liga pra nos contar das tuas maluquices!! Beijão!
Mariana!Oi dr....Estou guardando todos os seus relatos em uma pasta para depois imprimi-las e guardar pra quando vc for mais velho e nos encontrarmos recordarmos, pois recordar é viver...Issi espero que vc esteja bem e correndo poucos riscos.....beijus e saudades
Cristina Kemper

Aló irmao André, Acá estou te esperando, a gente toda tambein!!! Seus relatos me estão facendo viajar junto a vc. Eu tambein corto e pego seus relatos em unos foros nauticos da internet, onde tein muitos kayakistas que fican muito interesado em teu avance do raid.
Si eu nao te escrevo, fica tranquilo eu sigo teu viagem bem de perto. Vc saiba que eu fico aqui por cualquier duvida o necesidade que vc tenha.Te mando um abrazo grande e forte, Ate pronto.
Juan La Bianca.-

Bom saber que tu está bem e, apesar dos pesares, continua tua viagem. Continuamos torcendo por ti e pedindo Luz e Proteção pra ti, nessa empreitada. Dentro do possível, te cuida, hem?
Estou adorando te “acompanhar” pelos relatos.... Nessa loucura toda, tem sido uma benção ler teus relatos e aventuras (apesar dos sustos que tu teima em dar na gente). Um grande beijo. Te cuida e fica na proteção dos amadinhos da Luz. Fica com Deus. Kim.

Fala irmão....
Tá vivo ainda? Tá pedindo pra morrer heim...? Tá faltando mulher nesse corpo, aí não ias ter vontade de sair nessa indiada...hehehe Brincadeira...muito massa tua viagem, mas, te cuida, viver é mais importante do que ter historia pra contar. Grande abraço, Andrey

ESTOU ACHANDO TUDO ISSO DU CARALHO, QUE AVENTURA HEIMMMMMMMMMMMMMM.
ESTAMOS TODOS ORGULHOSOS DE VOCE.
BONS VENTOS.
GUSMÃO.

Estou maravilhado.Com seus relatos consigo escutar o barulho das ondas,o cheiro do mato como se estivesse sendo o protagonista da estória. Na real estou torcendo,rezando por você.Gostaria de te incentivar dizendo que o que vc está fazendo eu também gostaria de fazer, só não tenho coragem... ANDRÉ,FORÇA,CORAGEM,DETERMINAÇÃO,RAÇA,EMPENHO,LUTA E TUDO DE BOM, PAULO SEMPÉ
Tenho certeza que todos estão adorando os teus relatos.
São ótimos, muito bem escritos e descritos com humor refinado. Acho que deverias escrever um livro, posteriormente.
Continua assim, pois é melhor que a novela das oito, da Globo.
ABRAÇOS, Ricardo Verdi.

André: É um alívio e uma alegria receber noticias tuas...Se ler teus escritos já é um susto só, eu imagino como tu deves ter te sentido passando por tudo que passou... Com certeza viajo contigo, cada vez que leio teus e-mails! Obrigada por compartilhar essa aventura com a gente. Se for possível, te cuida, viu? Um beijo grande. Kim.

2 comentários:

Pedro Augusto F. Guimarães. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pedro Augusto F. Guimarães. disse...

Uau meu amigo
Estava me preparando para ir de Brasília até Buenos aires pelo Rio São Bartolomeu. Uma aventura que pensei ser inédita.
Percorro pelo google earth toda a extensão do rio, procurando e marcando as corredeiras, além de buscar por imagens postadas no rio para me basear.
Nisso acabei me deparando com uma foto sua no google maps, e caramba, você desceu o rio são bartolomeu, praticamente o mesmo caminho que eu gostaria de fazer,e ainda me deixou esse incrível diário com informações preciosas sobre todo o perigo.
Creio que a pior parte seja o rio são bartolomeu, depois do corumbá deve ser mais fácil.
Ainda vou estudar bastante, ler e reler o que você escreveu, mas teria alguma maneira de eu entrar em contato com você para me passar algumas dicas? Iria me ajudar de uma forma incrível!
Parabéns pela aventura.
Francamente admiro sua coragem!