sábado, 9 de fevereiro de 2008

Caiaque Brasília a Sc parte 2 Guaíra (Paraná) a Paraná (Argentina)






























GUAÍRA A FOZ DO IGUAÇU (5º e-mail)
Olá amigos!
Saí tarde da Lan house, soprava um vento fortíssimo e gelado. Mudou de repente, parece ser uma forte frente fria!
Seguir a pé até o porto, sem ter onde dormir e ainda correndo o risco de ficar encharcado se chover, mais o frio que está fazendo...
Ninguém merece!
Paro em um hotel e descubro que a diária não é tão cara e resolvo dormir por ali.
É muito tarde, ligo para a marina avisando que vou dormir por aqui. Eu nem teria onde dormir na marina mesmo. Iria dormir no chão de cimento em algum lugar que tivesse teto...
Depois de 51 dias de viagem, vou dormir numa cama com lençóis, TV e banheiro. Estou feliz, vou dormir em segurança.
Agora são 03h04min da madrugada, assisto a um filme de Jack o estripador enquanto escrevo o diário.
Não preciso dormir; apenas estar deitado em uma cama assistindo TV é o suficiente.
8/08/05 Segunda dia 52
Hoje, a batalha continuará; entrarei em território diferente, sem ilhas, zona de tráfico, contrabando e sem a proteção contra as ondas que as ilhas davam.
O local onde quase deixei o caiaque antes era barra pesadíssima, quase entrei em fria, mas acho que agora está tudo bem, pois o local onde deixei depois tem acesso restrito e a guarda municipal vigia 24 h.
Cara, entrou uma frente fria e ventou a noite toda. Em Porto Alegre a temperatura baixou 20 graus em um dia...
Tomo um café reforçado no hotel e vou até o museu agradecer a Nilza que me deu um toque sobre o lugar onde eu havia deixado o caiaque. Talvez não houvesse nada quando eu retornasse da Internet...
Que frio dos diabos!
Eu só de camiseta. Filmo os bichos empalhados do museu e vejo fotos da city antes da represa.
Sigo para a marina e lá encontro seu Aguiar, major da reserva. Agora é o chefe da Guarda Municipal.
Ele é super simpático e me convida para tomar um café. Estou tremendo, nariz pingando e espirrando.
O rio está que é um mar, mas tenho que seguir, não adianta querer ficar quentinho.
O pessoal da marina vem assistir a partida, mas ali fora o vento gelado está terrível e eles vão desistindo enquanto eu arrumo as coisas.
Acabo partindo sem ninguém para dar um tchau!
Que dureza!
É um vento cortante vindo do sul e as ondas me esperam.
Parto só às 11h20min, ondas furiosas me atacam assim que saio da marina, algumas pessoas que estão pescando correm para ver o caiaque ir de encontro às ondas mais fortes que pegarei ao passar por um navio atracado e pegar o vento de frente.
Ondas furiosas e desencontradas batem no porto e se chocam com as que vêm.
O caiaque parece um cavalo xucro e pula enlouquecido enquanto o vento gelado empurra os respingos para cima de mim, muito esforço para pouco avanço.
Os dedos, já congelados, puxam firme o remo e seguimos na direção de uma pequena ilhota onde há uma torre de alta tensão.
Há muito capim flutuante, as ondas pegam de proa e vou congelando aos poucos.
Passo por este pontal e vou parar só às 12h50min, no fundo de uma enseada, junto a uns barcos onde tem uma clareira no capinzal.
Tenho que comer rápido, pois só de calção é melhor ficar no caiaque onde a capa protege as pernas do vento.
O vento parece ficar mais furioso e frio. Apesar de tudo, vou em frente. Tenho que parar mais cedo para não congelar de vez e tomar uma sopa quente.
No lado paraguaio estaria mais abrigado, mas a margem é tomada de selva sem possibilidade de parar para descansar. Passo por vilas de pescadores, um deles pergunta se vou seguir com “este mar”.
Tchê! Como está frio! O vento contra e as ondas não dão folga, tentei acampar em vários lugares, mas está difícil de achar um que dê abrigo contra o vento e que pareça bom.
Chego a um pontal e faço uma longa travessia, o vento está tão forte que levanta a água do rio e forma tipo uma neblina que parece fumaça correndo rápida sobre as ondas.
Para o sul, o céu ficou azulado e roxo, parece que vem chuva e temporal.
Avisto umas casas ao fundo de uma enseada e lá parece ser abrigado do vento. Não tenho escolha, sigo para lá!
Colônia Águas Brancas
Muitas ondas depois, chego lá às 16h30min, é a colônia Águas Brancas e tem um cara de moto. É o Negrão (que é branco) e fala para eu descer.
Chega seu Chicão, peço licença para acampar por ali. Principia a chuva e espero parar para armar a barraca. Estou tremendo e gelando, mas ficamos conversando. Pelo menos é mais abrigado do vento.
Depois que a chuva pára, limpo o terreno e vou armar a barraca; será uma noite muito difícil, pois a roupa que tenho para dormir está molhada e a árvore onde vou armar a barraca não protege muito do vento gelado e da chuva que iniciou .
Seu Chicão vem até mim e diz para esperar, ele cuida de um barraco cujo dono não está; ele e Negrão abrem o barraco que parece estar fechado há muito tempo. Ali tem dois quartos com beliche e colchões que poderei usar; fora o fato de que não dormirei no chão gelado e livre do vento, o temporal se aproxima.
Deixo as coisas ali e vou para o barraco de Chicão, onde ele e Negão assistem TV e tomam um chá quente.
Coloquei o abrigo e fiquei um pouco melhor, mas já estou gelado e demora em aquecer. Ainda mais que as roupas com que vou dormir estão molhadas.
O pessoal é gente boa demais, não tenho como agradecer. Chegam Dárcio, Nezinho e Veinho.
Assisto as notícias e vou para o meu barraco.
Faço um mingau misturado com um pacote de sopa, pelo menos aquece um pouco. Tem um morcego pendurado no madeirame, mas logo ele deverá sair para comer.
Ao lado do beliche onde vou dormir tem um enorme rato em decomposição, mas ele está no chão e parece que não vai sair dali tão cedo.
Deito no colchão, tapando a cabeça e a chuva chega forte, mas não dura muito Que sensação gostosa estar ali, abrigado!
Apesar de tudo, consegui andar por cinco horas e uns 20 km. Nada mal para um dia destes e por ter saído tarde de Guaíra.
Estou andando praticamente direto todos estes dias, mas estou conseguindo suportar. De outra forma não conseguirei fazer os 5000 km em seis meses, ainda tenho que abrir a pousada no verão, fora o consultório...

9/08/05 Terça dia 53
Atenção, escurece, são 18h15min acampei no Paraguai em uma estrada suspeita no meio da selva. Tem pegadas de onça onde deixei o caiaque; estava no sufoco, não tive escolha!
Acordo cedo, faço o kinojo sob um frio dos diabos, deve estar uns 10 graus.
Aqui na colônia Águas Brancas tem vários ranchos de pescadores espalhados no mato de leucenas. São bem pequenas, mal cabe a cama e as tralhas de pesca.
Esta, onde passei a noite, é até grande, pois tem cozinha, dois quartos e é bem montada. A colônia cria Pacus em viveiros com bóias amarelas cedidas pela Itaipu binacional, parecido com a criação de ostras e mariscos em Floripa.
O sol aparece de quando em vez, os bichos se deitam e procuram se aquecer, os cachorros tremem.
Vou ao ranchinho de seu Chicão, é o mais modesto de todos, feito de bambus abertos e sobrepostos. Ele vive aqui há 17 anos.
Tem uma pequena TV, a cama e só.
O rancho onde dormi Seu Chicão e o ranchinho
Fico com pena ele é uma pessoa boa, divide a comida e o ranchinho que tem com os gatos, cachorros e uma galinha garnisé com seus nove pintinhos recém nascidos (uma graça os bichinhos). Vou no caiaque e dou duas barras de chocolate para ele e o Negão, são gente boa demais e, não fosse eles, teria passado uma péssima noite.
Tomo um chá mate quente e ajuda a aquecer. Vamos para a rua tomar sol onde os outros pescadores já estão “lagarteando”, como dizemos no sul.
Todos dizem para eu ficar o tempo que eu quiser, o vento parece mais forte que ontem.
Acontece que eu não vim até aqui para ficar em segurança; é muito bom o conforto, mas eu tenho uma peleia pela frente e não posso fugir dela.
Mesmo com o vento tão ou mais forte que ontem, cheio de ondas geladas e com as cristas espirradas com as rajadas, resolvo partir às 10h15min.
A invasão do Paraguai
- Tu vais partir com este “mar” gelado? Tem que ter muita coragem...
Agradeço de coração ao pessoal tão hospitaleiro, obrigado!

E lá vamos nós, só de calção, mas com casaco de chuva para atacar o vento e touca de neoprene. A capa do barco protege as pernas, embora por dentro esteja molhado.
Ao sair ainda estou abrigado, mas logo pego as ondas e o vento de rajadas no peito. Elas passam por cima, mas eu peguei o jeito do caiaque. É um SW e pelo lado paraguaio parece estar mais abrigado. O ponto crítico é a travessia, ondas de “cabeça branca” como eles dizem por aqui (“carneirinhos” no sul).
Faço a travessia rumo a um mato submerso com ondas grandes de través e viro de frente para o vento de rajadas.
- Senhor, estamos invadindo o Paraguai!
- Dizem que aí roubam e matam; que têm traficantes e contrabandistas; que comem criancinhas...
- Soldado, somos um destacamento e estamos em missão secreta.
- Não existem fronteiras!
- Mas e o ditador Solano López?
Ele que vá colocando as barbas de molho, vamos nos encontrar com o Almirante Tamandaré num local chamado Riachuelo...
O lado paraguaio é bem selvagem, florestas virgens com uma altura entre 40 a 50 m (no brasileiro não passa de 20 m); pior, existe um “mar” de troncos submersos quase a linha d´água e o maktub está se chocando com eles direto.
É um inferno: ondas contra, vento de rajadas, choque com os troncos e um mar de aguapés que me obriga a afastar da margem e ficar a mercê do vento mais forte.
Os dedos estão congelando, os braços formigam, mas não posso parar para descansar por falta de lugar abrigado.
Atravessando um rio furioso rumo ao Paraguai O frio era tanto que tive que colocar a touca de neoprene
- Sargento! Trouxeram a dexa-metazona?
- Senhor, ficou naquela bolsa que esquecemos no pico do Everest...
- Seu “apagadão”!
- “Paga” dez!
- Flexões, senhor?
- “Paga” vinte...
Vejo um barquinho com motor de rabeta entre os troncos, quase o acompanho no remo.
Lá vêm os chatos dos quero-queros paraguaios:
- Quiero-quiero!
Após 2h chego na parte abrigada e paro junto a uns troncos para descansar e almoçar.
Brody, aqui não dará para acampar, é selva pura, não achei uma brecha que fosse na mata. É um emaranhado de vegetação, árvores e malhas de bambu, fora esta “selva” submersa.
O pior será se encontrar polícia ou militares, entramos ilegalmente e eles podem “confiscar” tudo...
Como dizia o Roberto Carlos:
- São tantas as emoções!
- É isso aí brody, temos que manter os índices de audiência e jogar a vida ao destino tem sido uma constante; vamos ver no que vai dar...
Creio que se encontrar contrabandistas ou traficantes cada um vai ficar na sua, como foi de bicicleta na selva do Peru e Colômbia ou na selva da Bolívia, na viagem de moto.
Sigo em frente, falta pouco para chegar à parte abrigada.
- Cabo, vamos dividir o inimigo, eles estão muito fortes!
- Como, senhor?
- Encoste-se àqueles aguapés de mierda que tomaram conta das margens e quase tudo por ali; assim não teremos ondas, apenas este corno de vento de rajadas.
É verdade, o vento quer impedir que eu chegue em local abrigado e as rajadas se tornam cada vez mais fortes.
Parece incrível, mas eu tenho que fazer força até para levar a pá do remo para frente fora d´água, tal a força do vento.
- Sopra seu corno, aqui o furo é mais embaixo e tu não vais me impedir de avançar...
- Seu peido mal dado!
E ele parecia enfurecido com meus xingamentos e chegava a balançar o caiaque, querendo nos virar à força!
Vento filha da Santa, só me fazia remar com mais força ainda.
O problema é que as forças vão acabando e não tem onde parar.
Finalmente chegamos na parte abrigada, assim consigo avançar um pouco; do lado brasileiro seria muito pior.
O certo seria esperar o tempo melhorar, como disseram os pescadores, mas eu não consigo ficar parado, talvez se estivesse chovendo, talvez nem assim...
Vou em frente, o caiaque “acavalou” em um tronco submerso, o local é profundo; remo de tudo que é jeito, mas não sai.
- Merda!
Terei de saltar no rio para destrancá-lo, mas uma seqüência de ondas e muito balanço de corpo e ele se liberta do tronco que perdeu alguns pedaços na peleia.
Já estou nervoso, pois não tem onde acampar e atravessar vai me deixar desabrigado.
Vou seguindo e após uma curva me deparo com uma clareira, vejo casas, uma pequena tumba azul e um local onde está hasteada a bandeira do Paraguai:
- Estamos ferrados!
- E agora? Atravesso, sigo em frente, será que vão me deter?
- Se eles chamarem não pare, estamos dentro d´água!
Tiro uma foto, estou muito perto, eles me viram.
Aparece (na varanda da casa) um cara, tipo atlético, coturnos, calça verde e camiseta preta, é militar, deve ser uma base na selva.
- E agora tenente, que fazemos?
- Acene, finja que é turista, mas não pare.
Ele acena de volta, nem olho mais, ele pode me chamar.
- Encostamos, senhor?
- Nem pensar, na água estamos donos da situação, em terra seremos invasores, estaremos aos caprichos dele, mesmo que pareça amigo.
- Vamos em frente!
E assim seguimos, chocando com os troncos e levando sustos; pelo menos o vento diminuiu aqui. Não tem as ondas violentas que vejo do outro lado.
Já são 16 h, não sei o que faço, se cruzo para dormir, se tento achar lugar aqui na selva, abrigado do vento.
O problema é que não encontro uma brecha que seja: as praias que penso haver se transformam em troncos caídos ao me aproximar, o que parece ser barranco, não passa de uns capins mais amarelados entre outros que flutuam.
De longe é uma coisa, quando me aproximo não existe o tal lugar salvador
- Cara, faz algo!
- Porra, tu não estás vendo que estou procurando há horas?
- Aceito sugestões...
É verdade, atravessar agora, às 17 h, achar lugar em poucos minutos com o vento que faz por lá pode ser pior ; está para escurecer e eu não acho o mínimo de brecha que seja na selva, só malhas de bambu e vegetação entrelaçada.
- Acho que vamos nos ferrar brody!
Cacete! O pior é que é verdade, vai escurecer em seguida, vejo nuvens... Só falta chover.
Tento remar mais rápido e vou me chocando com os troncos submersos, estou agoniado, me sentindo em perigo e os galhos só fazem piorar. Não encontrando local de dia, terei que seguir o resto da noite viajando no escuro, pois não vou me aproximar da selva sem enxergar nada, posso ser atacado por uma sucuri igual àquela que encontrei antes de Guaíra. Além do mais estou cansadíssimo de remar contra as ondas e o vento de rajadas.
Pronto, já descarrego meu arsenal de xingamentos contra os galhos e o caiaque que quase vira ao bater nos desgraciados:
Estou perdendo o controle da situação, fico nervoso e não sei o que faço, chego numa ponta, olho, nada!
Daí olho para outra ponta e penso que depois dela encontrarei o abrigo salvador.
Remo nervosamente contra as ondas, contra esse vento ensandecido e os troncos submersos e fico enlouquecido de raiva e angústia, pois tudo contribui para me impedir de achar lugar seguro.
Depois de muita angústia tu chegas na tão desejada ponta e percebe que depois dela nada muda, é selva a perder de vista. Assim vai se repetindo, terei de passar a noite n´água.
Depois de ter visto aquela sucuri, agora mesmo que eu não vou me aproximar da margem no escuro...
Sempre a esperança que acharei um lugar, mas a verdade é que é selva.
- Cara vai só até aquela ponta e atravessa, por pior que seja. Do outro lado (Brasil) não é selva e pelo menos dá para encostar, o problema será ficar sem abrigo do vento de rajadas e do temporal que parece vir.
Já estou meio que me afastando para atravessar quando vejo uma canoa de madeira, pintada de verde escondida no meio da vegetação. Chego perto, mas não vejo nada.
Passo dela e sigo um pouco, vejo uma pequena praia de areia e uma brecha entre o bambuzal.
- Tem que ser aqui cara, tem que ser!
Vejo uma estrada, tipo picada, quase não se vê do rio, é larga o suficiente e a grama é baixa. Só pode ser uma estrada de contrabando, mas não importa, passar a noite gelada num rio furioso e cheio de troncos é completamente imprevisível.
- Estou salvo!
Coloco o caiaque sobre o barranco, armo a barraca meio escondida.
Um bando de macacos prego grita e me observa, estou invadindo sua área de passar a noite.
- Lamento meus amigos, mas estou no sufoco amanhã a mata será de vocês!
Estou superbem abrigado do vento SW, só que é selva, tinha pegadas de onça ali onde deixei o caiaque.
Pegadas de onça na praia onde cheguei Clareira no Paraguay
Pior é se vierem atravessar coisas para o Brasil e me virem acampado bem em cima da área de manobra.
O que pode acontecer é uma incógnita e se eu sentir que a barra vai pesar levo um chifrudo comigo.
Pego o aparelho de choque, o punhal e o facão. Fico bolando planos para o caso de ouvir um carro na selva.
- Deixa de ser boiola, quem é louco de atravessar o rio de noite com este mar e entre os troncos?
Igual durmo com o punhal fora da bainha e o aparelho de choque ao lado do braço.
Coloco roupa seca, escuto rádio.
De repente um dos macacos grita desesperado, mas pára em seguida, deve ter levado uns petelecos do chefe. Lembrei do vídeo em que uma sucuri pegou um macaco, parecia gente...Foi por isto que fiquei com raiva delas!
Neste silêncio aqui no mato o grito do peste me assustou:
- Ô vocês aí do andar de cima, nunca ouviram falar na lei do silêncio?

10/08/05 Quarta dia 54
Amanheceu com sol, os bambus estralaram a noite toda com o vendaval, mas aqui ficou super abrigado.
Agora são 08h35min, escutei um cachorro é melhor sair antes que chegue alguém, evita encrencas.
Amanheceu com. sol, o vento continua sul, sempre que entra frente fria ele fica assim por 3 a 5 dias.
Hoje faz três meses que o pai faleceu, vou lembrar do “veinho”!
Parti só às 09h50min e fui até a primeira ponta. Vi que teria que cruzar para o Brasil, pois dali há 10 km teria uma curva para bombordo; com vento SW ficarei mais protegido por lá.
Inicio a travessia, vento contra e ondas de través, mas mais fraco que ontem, pelo menos não é de rajadas.
Vou remando na moral, é quase estafa, o esforço de ontem exauriu minhas forças; nem consigo xingar direito o caiaque quando ele muda de curso, estou “podre”!
Passo pelo porto de Vila Nova (acho) termino a travessia em diagonal e encosto às 11h35min, nem deu 2 h, mas preciso descansar. Aproveito e almoço. Para minha surpresa, encontro uns pés de amora, algumas estavam maduras.
Lembrei dos tempos de guri, na Vila Nova em Porto Alegre.
Ao lado do chiqueiro de porcos havia uns pés de amora e a gente ficava com dedos e boca manchados de tanto comer as frutas.
Parti às 12h35min cruzei outra ponta e avistei Porto Mendes.
Fiz uma linha reta até lá. Tinha uma bela praia com rampa, barcos que cruzam para o Paraguai, bares e gramados bem cuidados.
Fui ao bar do Lauro onde D. Gorette fez duas enormes porções de frango e batatas fritas.
Cheguei a cogitar de dormir ali, teria chuveiro, segurança, mas não protegeria contra o vento sul. Resolvo partir para o pontal em frente onde também tem rampa, chuveiro, etc..
Passo dali, eu quero um lugar calmo e sem ninguém. Abro uma clareira entre um mato adiante puxo o caiaque sobre os troncos. Estou em zona de contrabando, não quero que ninguém me veja.
Agora são 18h15min, o sol acaba de se por estou sobre um colchão de folhas e super abrigado do vento sul que passa pelo pontal com ondas grandes. Aqui não mexe nem a lona. Será uma noite boa, preciso descansar, estou podre de remar três dias contra vento de rajadas e ondas.
Ali em Porto Mendes, Cristian, que faz transporte de passageiros para o Paraguai (com um barco grande), ficou sem fazer a travessia nestes dois últimos dias pela força do vento e das ondas. Ficou surpreso que eu segui viagem mesmo assim.
Bem ou mal, fiz 50 km em mais de 15 horas remadas desde segunda, foi muito pouco, mas se fosse esperar, nem teria saído de Guaíra, são 50 km que já se foram.

11/08/05 Quinta dia 55

Ces’t la Vie!
São 01h36min da manhã, tive que escrever agora:
Estávamos todos em casa e quando vimos, o pai tinha retornado.
Estava deitado na cama e ninguém sabia explicar como.
Tudo tinha voltado ao normal em nossas vidas.
Ele falou que explicaria mais tarde que tinha feito parecer que tinha morrido, mas que fez isto para nos proteger.
Daí eu estava na sala da casa antiga (na Avenida Padre Cacique) com meu primo Clóvis, comentando o que havia ocorrido.
Bom, não conseguimos explicar.
Um belo dia fomos passear de moto. O pai (com uma velha moto que tinha), eu, meu irmão e meu tio João, acho.
A moto dele falhava, saímos do asfalto e seguimos por uma estrada de areião. Meu irmão e meu tio na frente, eles fizeram uma curva difícil numa descida.
Não consegui fazer e passei reto. Vi o pai cair e fui ajudá-lo.
Quando cheguei perto vi que ele estava com partes da pele meio azuladas, parecia inchado.
Ligamos para um padre (deveria ser um médico). Ele começa com aquelas ladainhas dos caminhos de Deus, uma coisa assim como Deus sopra o vento através de um véu...
- Eu preferia ter um câncer a ficar assim, disse o pai!
- Toque seu coração, o que vê?
- Vejo carros, pontes, ruas...
- Não, toque com sentimento.
- Agora vejo minha família, minha vida, meus amigos, aqueles a quem ajudei!
- Agora toque como um espelho. O que vês?
- Apenas a mim mesmo...
- É porque você já morreu, mas está tão vivo na memória deles que jamais será esquecido...
- Brody, o negócio foi tão real que despertei.
Acordo aqui na barraca, dentro do mato e sinto que tenho que escrever antes que esqueça. Os detalhes foram muitos, mas a essência foi esta.
Detalhe: apenas eu ando de moto, mas sonhos são assim.
A gente tinha combinado de se encontrar em Foz quando eu lá chegasse...
É a primeira vez que eu choro desde o dia em que ele morreu!

Aí pai, esta é pra lembrar de ti:
Mudaram as estações, nada mudou,
Mas eu sei que alguma coisa aconteceu,
Está tudo assim, tão diferente...
Se lembra quando a gente, ousou um dia acreditar
Que tudo era pra sempre, sem saber,
Que o “pra sempre” sempre acaba!
Mas nada vai conseguir mudar o que ficou;
Quando eu penso em alguém, só penso em você.
Ai então está tudo bem...
Mesmo com tantos motivos, pra deixar tudo como está.
Nem desistir nem tentar
Agora tanto faz,
Estamos indo de volta pra casa...


Acordo com um frio dos diabos, perto de dez graus, há um pouco de cerração, mas estou melhor da canseira de ontem. Parti só às 10h20min, não consigo sair cedo quando faz frio.
Chego ao primeiro pontal e vejo pontais a perder de vista, o vento está SW de novo, que saco!
Acho que vou perder a elegância e xingar o vento com todo meu repertório de nomes feios. Não muda nada, mas depois dos ataques de fúria galopante eu fico mais calmo.
Porra, já está enchendo o saco.Remar por 4 dias seguidos contra vento e ondas...
Como saí tarde, de castigo, terei de remar por 3 h seguidas. Sigo remando de pontal em pontal, pelo menos cada dia que passa vai ficando mais fraco o vento.
Parei às 13h30min e havia pegadas de onça na praia.
Pontal de Porto Mendes O Trilho das onças Detalhe
Quando eu penso que não tem mais perigo, surgem os sinais de que não é bem assim. Passo por outro farol onde tem uma enorme rampa de cimento. Deve ser porto Bragado, estou mais perdido que cusco em procissão!
Adiante há uma grande travessia por fazer e vejo um navio balizador com dificuldades para instalar uma bóia de sinalização por causa das ondas, já que o vento contra voltou a aumentar.
Resolvo fazer a travessia indo à direção do navio que tem um guindaste na ponta e várias bóias coloridas sobre o convés.
- Aonde é que tu vais, seu exibido?
- Ué, vou tirar fotos...
É que pra mim ficou normal andar nas ondas grandes, não tenho mais medo!
Chego perto do navio, os caras conseguiram colocar a bóia e uns 10 funcionários se voltam para ver o caiaque nas ondas há uns 100 m.
Passo mais três pontas e depois de seis horas remadas chego noutro pontal à reversa do vento.
Levo quase trinta minutos para abrir uma clareira e limpar o terreno para a barraca.
Não é dos melhores, tem galhos buracos e muitas folhas, mas meu curso intensivo de faquir me permite dormir sobre fundo de pedras, raízes à mostra, galhos e assemelhados.
12/08/05 Sexta dia 56
Parto às 09h40min, rumo ao primeiro pontal.
Aleluia! Sopra um vento do quadrante norte, isto muda tudo, aprôo o barco para o último pontal que vejo no horizonte. Aqui é uma margem cheia de reentrâncias no sentido NE-SW.
Dia bonito, viajo sem a capa e navego por 3h até parar para almoçar. Aproveito para tomar banho nesta água gelada. Ao fundo desta enseada há um farol tradicional, pintado com listras horizontais brancas e vermelhas.
Vejo uma balsa carregada de caminhões vir do Paraguai. Ela passa por trás de uma ilha que eu não havia visto.
Sigo em frente, o tempo passa e remo muito forte para chegar a uma ilha, mas ela é ruim para dormir, pequena e mato alto, remo mais forte ainda até chegar à outra onde tenho que abrir uma clareira no capim alto.
Nesta só vejo pegadas de capivara e graxaim, se visse uma de onça daria no pé. Foram 06h30min de remo hoje, tem uma placa na ilha diz:
Rio São Francisco - km 2001
Há uns barranquinhos de barro vermelho que gruda mais que durepoxi e que mancha até a pele, parece uma tinta.

13/08/05 Sábado
Acordo às 4h, faço o kinojo para esquentar o ar gelado no interior da barraca.
Agora são 07h40min, dia bonito e com um pouco de cerração. Achei a carcaça de um graxaim na beira e parto às 08h40min.
Fui em frente quase sem vento, chego num pontal, olho para frente e tudo parece se fundir no horizonte.
Hoje estou possuído pelo Demo e sigo na direção da bruma, onde mal vejo um pontal. São três longas horas e meia olhando o mesmo ponto de referência ou alvo, como dizem na marinha de guerra. Tu entras em alfa pensa no que quiser, família, amigos, viaja no tempo tipo assim:
- Agora vou lembrar de quando eu tinha 12 anos e a mãe levou toda a turma da rua para o sítio da vó e lá encontramos as primas de Caxias.
É impressionante, tu vais aonde queres, lembra de detalhes, ri, fica brabo e quando volta para o corpo está remando sem parar e reinando com o caiaque porque o corno saiu da rota...
Chego no pontal, almoço e sigo em frente, passo mais dois e vejo algo no horizonte, pela bochecha de boreste, são torres de alta tensão, consigo distinguir os guindastes centrais, estão mais próximos do lado paraguaio. Estou me aproximando da maior represa do mundo...
Cara, é muito emocionante estar me aproximando dela no meu caiaque depois de 57 dias de loucuras...
Dou um grito de Tarzã ali no meio do nada, não deixa de ser uma vitória!
Resolvo encostar na margem para filmar a represa e surpreendo um bando de quatis, cerca de vinte, fuçando na areia da praia. Eles não me vêem e vou filmando quase ao lado deles quando o caiaque encosta na areia e faz barulho.
Sigo em frente, paro em outro pontal onde tem uma placa caída, mas não consigo identificar a placa. Vejo uma praia mais para o fundo, remo até lá. Tem rampa, jet-ski na beira e lanchas.
É a praia de Santa Terezinha de Itaipu, o homem dali diz que já passei da cidade e que tem outra mais próxima da represa.
Pergunto quantos km faltam, ele não sabe e pergunta pra um dos caras de jet, ele responde quase sem olhar para nós:
- Uns dois quilômetros...
Olho pro relógio, são 17h20min, dá tempo.
Pego o caiaque e sigo em frente, lá terá bombeiros que poderão me transportar até a capitania.
Sigo em frente, cada vez mais próximo da represa, desta vez não poderei usar a tática kamikaze de chegar e pedir para me largarem ao lado das turbinas... É ultraviolento.
Afora isto, tem a parte burocrática que tenho que resolver em Foz do Iguaçu e cambiar plata, pois só retorno para o Brasil daqui a 3 meses, se Deus deixar!
O sol se põe, passo a primeira ponta, nada. Passo a segunda, nada!
Estou remando há mais de uma hora, Que cara filho da santa!
É mata virgem, não dá para encostar, está cheio de troncos submersos.
- Desgraçado! Estou louco de raiva, se pudesse voltava lá e dava umas porradas no cara irresponsável. Agora estou em fria nos dois sentidos, pois está frio e escurece.
Eu nunca volto, então sigo em frente. Filmo a represa ali do meio mesmo, está linda toda iluminada, estou há uns 4 km no máximo dela, mas vi uma lancha passar para o interior de uma enseada.
Vejo luzes, mas deve ser do pessoal da represa e acho que serei executado sumariamente se chegar lá. Então vou seguindo no escuro, pego a lanterna para o caso de alguma lancha vir por cima. Tenho que me afastar da margem, estou me chocando com troncos submersos e levando sustos enormes. Finalmente vejo luzes e sigo para lá. Está muito longe, mas que remédio?
Xingando a mãe do cara que deu a informação, vou seguindo em frente, usando o reflexo das luzes para ver os obstáculos no caminho.
Finalmente chego, são 19h30min remei mais de 8h, é um clube.
É o Iate Clube Lago de Itaipu.
Falo com Carlão e Carmo.
Depois chega seu Florêncio, estou tremendo de frio, aqui já é Foz do Iguaçu.
Falamos com seu Adauto depois de ligar para a capitania (onde pretendia me alojar), mas sábado a noite...Não havia ninguém por lá!
Eles resolvem me alojar no clube, tomo um delicioso banho e tiro uma barba que não é deste corpo, quer ficar branca...
Da próxima vez passarei aquele barro vermelho nela.
O pessoal é bom demais, fui muito bem recebido por todos e só tenho a agradecer.
14/08/05 Domingo Dia 58
Hoje conheci o Sr. Cláudio, diretor de vela, que já viajou de moto e colocou-se a disposição inclusive para o translado do caiaque. Fiquei super feliz.
Acontece que eu não tinha nem idéia de como faria para transportar o caiaque para depois da Represa de Itaipu (como fazia nas outras represas).
Cheguei aqui (no escuro) pensando que fosse apenas um monte de casas e, sem querer, cheguei no único local onde poderia ser ajudado a transportar o caiaque para depois da represa de Itaipu.
Pensava em conseguir ajuda com o pessoal da Capitania dos Portos ou com os bombeiros...
Se eu acreditasse em coisas estranhas, misticismo ou assemelhados, iria ficar grilado. É uma viagem muito louca e fatos estranhos (coincidências) estão ocorrendo fora do meu controle.
Acordei cedo, organizei as coisas no caiaque, conheci o Sr. Rolim e os garotos que fazem parte da flotilha do clube, entre eles o Allan (campeão sul-americano), Jorge e Wiliam “Popó”, que me emprestou um sabonete.
Tomei café com eles, peguei um ônibus e vim até o bairro Três Lagoas para escrever aos meus amigos.
Agora são quase 22 h, escrevo desde às 12h. Aqui foi mais um pouco de aventuras, espero que estejam gostando e que continuem viajando comigo, pois é muito bom dividir as emoções com aqueles que gosto.
Um baita abraço, agora serão três meses fora do Brasil e, se Deus permitir, I Will Be Back, Baby!
E-mails:
Oi amigo aventureiro! Estou adorando os relatos da viagem, consigo enxergar tudo o que vais descrevendo! Vamos pensar em publicar uns livros quando tu voltar? Por aqui todos bem, tivemos um ciclone ,mas sobrevivemos lindo no mais. Deve ser em conseqüência dele que tu pegou tanto vento e ondas neste ultima etapa até Itaipu. BOA SORTE E que aquele Deus que protege as crianças,os loucos e os apaixonados te acompanhe heheheheheheheh.BEIJOS DA SOGRINHA

E aí Gaudério,
tudo em riba? Não esmorece companheiro, aqui deu ventos de até 138 km/h, mas tá todo mundo vivo e bem! Um abraço, Osmar Yang

Dá para escrever um livro só com os teus e-mails nossa e os teus relatos, tem hora que dá até medo. Tenho que te perguntar porque vc faz isso? Corre tanto perigo . Se fosse um perigo só. Mas é de vida... Ou vc é louco ou eu não sei. Mas amigo a gente pode escolher né? E aceitar como ele é... E eu escolhi vc como vc é. Louco e maluco. Se cuida. beijos Saudades. vou continuar vendo seus e-mails. MALUCO. CLAUDINHA.






André:
Obrigada por me deixar um “pouquinho” mais preocupada contigo...
Criatura, vê se te cuida e não inventa de virar “flor seca”... Com quem vou compartilhar
aquelas cartas da nossa adolescência, se tu resolver bancar o aventureiro do além???
Vê se te comporta, mas volta inteiro pra nos contar ao vivo e a cores sobre tuas
reflexões nesta viagem, em que todos nós embarcamos contigo (no lado esquerdo do teu e do
nosso peito, com certeza...). Te cuida, porque eu vou tomar umas providências com meus
“contatos” no além de perto, pra que Eles providenciem uns guardiões extras pra ti... (aliás, tu deve dar um trabalho daqueles pra teu anjo da guarda... mais aliás ainda: tu não deve ter só 1 anjo da guarda, deve ser um batalhão inteiro, pra dar conta deste teu espírito aventureiro...).
Mas, são pessoas como tu que fazem de nós, os “pacatos e enferrujados”, buscar o sonho de novo e querer sacudir a poeira e as teias. Obrigada por existires e por compartilhar comigo este pedaço de tua vida. Adorei as fotos (pra ser franca, levei outro susto quando vi de novo a foto do teu rico carrinho amassadinho... fiquei imaginando quantas ataduras levaram teus anjos da guarda nessa...).Te cuida e segue em frente, pois com certeza tem muita Luz iluminando tuas trilhas. Beijos. Kim.

Dr. André!!! Bom, nós estamos bastante felizes com o sucesso que esta sendo sua viagem, apesar dos contratempos já ocorridos. Adoramos ler seus e-mails e sempre ficamos aguardando um novo. Fique bem e aguardamos o retorno. Um abraço, Ana Paula Turnes






Sorte aí, em águas turvas e violentas. te esperamos aqui ao fim de ano. não esqueça de continuar mandando notícias. Aqui está tudo tranqüilo, abraço, Frank Marcon



“PENETREI” 185 km NA ARGENTINA (6º e-mail)

Baita macho!
Desculpem a pontuação, mas este teclado configurado para espanhol está paranóico!
Não tem acentos nem cedilha!
Bueno, vou continuar o diário;

14/08/05 Domingo dia 58 Foz do Iguaçú






Acordo cedo, conheço o Sr. Cláudio, diretor de esportes e ele conversará com o Sr. Adauto para transportar o caiaque abaixo da represa. Ele já fez uma baita viagem de moto.
Fiquei imensamente feliz, era um problema sério, pois eu nem tinha idéia de como faria isso, pensava no pessoal da Marinha...
Tomo café com a gurizada da vela, lembrei dos tempos do remo em Porto Alegre com o seu Pineda que fazia o mesmo com a gente, voltei no tempo.
Fiquei quase 10 h na Internet e volto a noite para o clube.
15/08/05 Segunda dia 59






Fui fazer compras no centro, correios e capitania dos portos.
Conheci Nuri, uma menina super simpática na secretaria de turismo e que me ajudou muito.






16/08/05 Terça-feira dia 60
Passei a manhã arrumando o barco e a tarde fui ao centro conversar com Adriana que queria fazer uma matéria sobre a viagem, no dia que cheguei ao ICLI, ela lá estava.
Ela e Mauricio foram super legais, pena que estavam muito ocupados na Câmara Municipal, fui conversar com Daniela e Nei que escaneou algumas fotos de viagens anteriores. Eles farão matéria para o jornal.
Ficou combinado que no dia seguinte o pessoal da TV Cataratas iria ao clube fazer uma matéria.






17/08/05 Quarta dia 61
O repórter Caio e o cameramen, Mariano fizeram a matéria por cerca de 2 h enquanto eu remava para lá e para cá, Adauto os levou na lancha,
De tarde fui de moto-táxi até a Argentina, na prefectura naval, depois Aduana, policia federal.
Cara, na receita federal é muita frescura, querem a nota fiscal de tudo, inclusive da máquina fotográfica velha... Dá um tempo!
Decidi que vou atravessar a fronteira por água, assim no mais; sem burocracia.
Eles falaram que vão me pegar... Vamos ver!
Serei obrigado a ir até Puerto Iguazu na Argentina (sair do Rio Paraná e seguir contra a correnteza, subindo o rio Iguaçu), para receber instruções e exame da embarcação.
Quando retornei ao clube fiquei conhecendo o comodoro do ICLI, senhor Ademir que estava em reunião com os demais membros da diretoria. Ele é super simpático e diz que posso ficar o tempo que quiser, ressalta que o clube ajuda a todos os que viajam e não tenho como agradecer a tanta gentileza, amizade e hospitalidade.
Meu muito obrigado aos amigos de Foz!

18/08/05 Quinta dia 62
Hoje faz dois meses que saí de Brasília, foi em 18 de Junho.
O Sr. Adauto mostra o projeto que estão desenvolvendo no clube junto às crianças carentes no sentido de conscientização ecológica e iniciação no mundo da vela.
Paralelamente a isto, estão substituindo o bosque de leucenas por árvores frutíferas.
É muito bonito, mas ele ressalta que não é idéia dele, mas de um grupo.
A reportagem saiu no jornal, a Daniela mostrou as coisas por outro ângulo, ela captou como eu sinto tudo, o que penso em relação ao que isto tudo significa e não só a viagem em si, ficou linda!
Daniela, muito obrigado, adorei!
A reportagem saiu no jornal A Gazeta do Iguaçu, no segundo caderno. Uma baita foto da bike ao por do sol nos pampas argentinos em metade da capa e matéria de duas páginas com fotos de viagens anteriores e trechos dos diários... Para mim foi a mais linda de todas as reportagens de outras viagens, é mais ou menos isto que ela captou, várias vidas...
Cada viagem foi uma vida!

Despeço-me de todos, seu Florêncio chega; ele vai me levar até o Iate Clube Cataratas, que fica uns 4 km abaixo da Ponte da Amizade.
Adriana liga pedindo para Adauto tirar umas fotos para o informativo do clube, quero despedir-me de todos e fico atucanado.
Vamos embora e, depois de enviar a reportagem pelo correio, quase chegando ao Clube Náutico Cataratas, lembro que o remo ficou num canto e não veio...
Que mico! Que vergonha! Ligo para Adauto e peço que envie o remo por um moto-boy!
Seu Florêncio vai embora, despeço-me do meu amigão.
Clube Cataratas Rio Paraná Ponte da Amizade Subindo R Iguaçu
Seu Florêncio ponte da Amizade
Fico no clube conversando com seu Valdir e depois almoço no restaurante dali. O moto-boy demora, resolvo ir ao centro e só partir no dia seguinte, pois já passa das 16 h e não dará tempo de cruzar a fronteira, resolver a parte burocrática e ainda encontrar local para dormir.
Volto mais tarde e sou apresentado ao Sr. Luis Carlos, presidente do clube e que permite que eu passe a noite aqui.
Falo com Adriana, ela foi legal demais, queria vir despedir-se, mas sua vida é agitada demais, eu compreendo. Um beijão, muito obrigado por tudo!
Iria dormir na rede de Valdir, mas Guilherme me deixa dormir no assoalho de uma lancha entre dois bancos. Ela está sob um telhado de zinco com o caiaque ao lado.
Isso é para eu recuperar o ritmo depois de cinco dias de moleza.
Dormi tri bem, até tirei fotos da minha “cama”!

19/08/05 Sexta dia 63
Argentina e Paraguai
Seu Valdir chega cedo e eu já estou com tudo pronto, o dia está bom e eu estou louco por mais aventuras!
D. Leoni, esposa de Valdir me dá um envelope com santinhos, muito amável!
Descemos com o jipe a ladeira do clube até a rampa. Eles se vão, arrumo tudo e entro no caiaque na forte correnteza, são 08h30min. Aceno para Dona Leoni no alto da barranca e sigo em frente, antes fiz o sinal da cruz, é uma nova etapa!
Estou eufórico demais, parece que a viagem está iniciando hoje!
Barrancas de uns 50 m de altura, vou seguindo até que vejo o que parece ser uma falha na barranca da esquerda (Brasil). Já se passou meia hora e o rio Iguaçu está ali.
Para boreste o marco do Paraguai, na proa tenho como alvo o marco Argentina e na “esquina” de bombordo uma construção circular (marco brasileiro).

É o Brasil, que só vou rever daqui a três meses...
Tríplice fronteira! Eu a estou vendo pela primeira vez, remando pelo rio Paraná em um caiaque desde Brasília...
Cara! Custa a cair a ficha, que loucura!
Encosto ali para filmar e fotografar, estou emocionado!
Como é bom ser assim, um aventureiro!


Simplesmente estou “voando alto”, quantos (que não são daqui) fizeram isto, vendo as três fronteiras por água?
Os caras da receita disseram que a policia federal iria me interceptar se eu cruzasse a fronteira sem autorização, vamos ver!
Subo o rio Iguaçu e cruzo para o lado argentino (cadê a polícia?) e, cerca de 2 km para cima, chego em Puerto Iguaçu, 8:50 h.
Aqui cruzei de bike vindo de Porto Alegre. Antes passei uma noite inesquecível no mirante da Garganta do Diabo (lado argentino) com bicicleta e tudo; foi noite de lua cheia. Fiquei olhando as cataratas iluminadas pela lua e tocando minha gaitinha de boca...
Repeti isto (na mesma viagem) no alto da montanha em Machu Pichu, Peru...
Vi as geleiras desabando no sul, noites de lua em plena selva no Rio Amazonas, o Deserto de Atacama, vulcões, os canyons gaúchos...
Trilhei através de sonhos, até onde fui eu não sei, mas tenho a certeza de que fiz minha vida ter valido a pena, como tenho esta certeza agora, aconteça o que acontecer!
Uma senhora paraguaia fala que ano passado uma onça devorou um turista nas passarelas onde dormi!
Diz que só encontraram um pé dentro da bota, mais uma para eu me preocupar!
Vou ao quartel da prefectura naval e falo com o comandante. Ele solicita que eu informe todos os dias quando chego, quando saio, para não cruzar para o Paraguai, dormir em destacamentos navais e não dormir em praias ou matos, pois é muito perigoso pelos ladrões, traficantes e pelos “tigres” (onças).
Se não encontro destacamento tenho que ligar pelo telefone 106 ou VHF canal 12 ou 16: caso contrário, eles sairão de lancha para me encontrar.
Como não tenho VHF, não tem telefone no meio do mato e meu celular nunca funcionou, só me resta chegar aos destacamentos que eles mandarem. Quero ver se escurece, como vou achar no escuro?
Pior, o mapa que tenho é um rodoviário que usei na viagem de moto em 95, sem detalhe nenhum do rio!
Um rio que desconheço totalmente e ainda tenho que achar agulha no palheiro...
Isto vai contra meu jeito de viajar, mas é como nos tempos de Marinha nos Fuzileiros Navais em Rio Grande, o recruta só pode falar três coisas;
- Sim senhor, não senhor, quero morrer!
Ou seja, terei de informá-los diariamente para evitar que saiam atrás de mim e tenham gastos. Tenho medo de que não me deixem prosseguir se tiverem que sair atrás de mim 1 ou 2 vezes.
Isto praticamente me proíbe de dormir no Paraguai.
A Argentina é como uma namorada ciumenta e possessiva, não quer nem que eu olhe para os lados, para a outra...
Só se eu colocar pregos nos olhos e ainda assim creio que vão rasgar...
Essa namorada não passará de dois meses...
Sou levado de carro ao porto e liberado, são 10h40min. Finalmente posso navegar. Show!
Puerto Iguazu Vistoria
Aposto corrida com a balsa que vai para o Paraguai e ganho, desci o Rio Iguaçu em 10 min e dobro à esquerda, no rio PARANÁ (km 1927), olhando mais uma vez as três fronteiras.
Estou num estado de euforia que só aumenta enquanto o caiaque gira sem parar pela correnteza forte que forma redemoinhos, está difícil para manter uma rota em linha reta.
- Soldado, mantenha o curso!
- Impossível senhor, estamos sem leme, a correnteza é forte e vem de todos os lados. Surgem emergências de águas quando a correnteza bate nas pedras do fundo e sobe; fora as rochas que quase afloram...
- Então mantenha uma linha torta!
O chefe sempre quer dar uma ordem, não pode demonstrar insegurança...
Passa uma hora, a velocidade é boa e vou me acostumando.
Às vezes, a superfície está lisa e, de repente, surge uma emergência de águas que faz barulho e assusta, parece um chafariz submerso!
As barrancas dos dois lados estão cobertas de selva e tem uns 50 m de altura.
Tchê, é muito louco, quase assusta. Pego a filmadora e deixo o caiaque correr solto e vou filmando enquanto ele desce girando nos redemoinhos, estou maravilhado!
Viajar assim entre dois paises estrangeiros...
Cruzo com um velho navio paraguaio, casas na selva, botes a remo e lanchas de pescadores.
Há inúmeras saídas de pequenos riachos e várias cachoeiras aos lados, é lindo demais!
Selva, selva, selva...
É barra pesada dormir aí, pelas onças e pelos assaltos que a marinha Argentina (Prefectura) alertou.
Tenho que chegar ao destacamento daqui há 55 km, mas eu levei três dias para fazer 50 em Guaíra contra o vento e agora só tenho 5 h: acho que não irei conseguir...
Aqui é tudo estranho, onça é tigre, sucuri é anaconda, escuto galinhas cacarejando em guarani, cães latindo em espanhol...
Após duas horas, vejo uma linda cascata do lado argentino e faço a volta, quero comer algo. O caiaque não avança contra a forte correnteza, tento 3 vezes e descubro que junto à margem é melhor para subir. Encosto e entro no riacho da cascata.
Borboletas gremistas O punhal e a borboleta
Lindíssimas borboletas multicoloridas pousavam em mim e no caiaque. Sento no caiaque para comer:
- Sai daí, tem sucuri!
Subo no barranco:
- Sai daí, tem onça!
Mas que saco, tenho que comer em pé, de lado para o rio e de lado para a mata.
Se uma onça me atacar o plano é fácil: dou uma “gravata” nela e me atiro no rio para afogar a desgraciada: se for sucuri é só utilizar o punhal.
- É tão fácil e eficiente a teoria...
Sigo em frente, ora pelo Paraguai, ora pela Argentina. Passo por Puerto Libertad e aviso que vou em frente até P. Wanda (km 1873), aonde chego às 16h30min, apenas 03h45min e fiz 55 km, não acredito!
Os caras são super legais, arrumam um trailer e levam o caiaque até o alto do destacamento, 50 m acima. Só mesmo um carro com tração para subir essa ladeira íngreme até o alto onde está o destacamento. A vista dali é linda.
É incrível a preocupação deles comigo, todos os postos já sabem que vou passar e se comunicam por rádio.
Tomo banho e durmo no alojamento, tratamento nota 10!

20/08/05 Sábado dia 64
Amanhece com neblina não querem que eu siga. Segurança é bom, acontece que eu não gosto disso, ser monitorado, avisar até quando peido...
Que saco!
Eles contam a estória da onça, na verdade ela devorou uma criança.
Estou impaciente peço que me liberem com neblina mesmo, queria fazer 100 km em um dia agora o máximo que posso tentar são 84 km...
Parto às 09h15min, nem tomei café, não almocei ontem e a janta foi aquela sopa...
Sem café, pois as coisas estavam no caiaque.
E vou em frente, deslizando entre belíssimas paisagens, como é bom ser assim:
- Sou vagabundo eu confesso, curto um rio e as garotas à beira mar...
Este é um trecho de uma música da Guarda do Embaú; é uma das praias mais lindas do Brasil, não só pelo rio, pelo morro do Urubu, costões com piscina e a praia do Maço, mas também pela gente jovem, pelo astral de liberdade que rola por ali, é a praia do regae, hip-hop, etc.

Muita “fumaça” rola por ali, mas eu não sou assistente social, nem padre ou médico: não dou conselhos, cada um que viva sua vida e não atrapalhe a dos outros, só!
Redemoinhos gigantes
Duas horas depois vejo os silos do lado Paraguaio, ali começa o “Passo Fantasma” uma série de perigosos redemoinhos com centro de 1 m. O perigo é de virar o barco e eu ser sugado pela força de água. É uma curva com fortes correntes de várias direções que formam corredeiras e redemoinhos.
Entro por ali, evitando os maiores: pego a filmadora e deixo o caiaque girando enquanto vou filmando os menores.. Sem eu perceber, fui levado de encontro à região dos maiores e não podia remar, pois estava com a filmadora na mão: Sigo pelas corredeiras e quando vejo o caiaque ficou posicionado entre dois enormes redemoinhos
Remolino de bombordo (cerca de 1 metro de diâmetro) Remolino de boreste

- Senhor, estamos cercados!
- Surgiram dois enormes remolinos: um por bombordo e outro por boreste.
- Seremos sugados!
- Calma, preparem as boleadeiras!
- Boleadeiras, senhor?
- Sim, arremessem contra estes bichos em sentido horário, assim acaba com estas “criaturas anti-horárias!”.
Cara! O caiaque caiu no “olho dos bichos” e girava sem parar; a mim só restava filmar e fotografar de cima, rezando para que não virasse.
Não tinha como pegar o remo e guardar a filmadora!
Agora, que aperta o cutuco, aperta!
Depois de quase 2000 km surgem coisas inusitadas, nada se repete!
Cruzo com um enorme navio, aceno para os caras, são três lado a lado empurrados por um rebocador contra essa correnteza, não dá para acreditar!
Pior, depois que ele passou o rio ficou cheio de ondas... Que não saem do lugar!
Que loucura!
Como o barco está subindo o rio, a tendência é de que as ondas sigam no mesmo sentido, mas a correnteza do rio não deixa (nos locais onde é mais forte) e então as ondas ficam ali, paradas...
Essa cobra era venenosa!

Almoço a bordo, não posso parar se quero fazer 84 km. Deixo o caiaque correndo ao sabor da correnteza enquanto como e descanso um pouco.
Coloquei o colete salva vidas nas costas e ficou mais confortável, pena que esqueci o chocolate na popa. Estou muito mal alimentado.
- Senhor, não vamos baixar terra?
- Negativo, ficamos 5 dias em Foz, temos que recuperar o ritmo.
Após 03h30min, passo por Puerto Mado (36 km) e sigo reto. Ali havia uma cobra venenosa (cabeça bem triangular) que deve ter caído de algum galho. Acho que ela pensou que iria ganhar carona e tentou subir quando me aproximei para fotografá-la. Aposto corrida com um bote, passo por lindos lugares no Paraguai, converso com uma turma que toma tererê nas pedras, onde há uma lindíssima praia de areia. Umas paraguaias lindas perguntam de onde venho enquanto me vou, perturbaram minha alma de pecador.
Finalmente, às 17h30min, chego em P. Monte Carlo, paro ao largo e os caras da prefectura me mandam seguir até um clube de pesca, uns 1000 m para baixo.
Foram 08h15min direto, sem descer do caiaque!
Não fosse obrigado a parar ali, passaria frouxo dos 100 km/dia, fiz “apenas” 85 km! Está bom!
Na marinha não dizemos está bom, dizemos:
- Podia ser melhor.
Converso com o pessoal e durmo lá embaixo, na praia, ao lado do caiaque.

21/08/05 Domingo
Noite de lua cheia é manhã de neblina. Estou vendo a altíssima ilha de Caraguatay, onde tem outro enorme redemoinho, no lado argentino.
Hoje só poderei fazer 45 km, pois depois da próxima prefectura, teria que fazer mais 70 km e aí não dá; 115 km em um dia é difícil!
Depois da isla Caraguatay tem as ruínas da casa onde morou a família de um tal de Ernesto “Che” Guevara.
Aviso a prefectura (pelo telefone do bar que há no alto do barranco) que estou saindo e vou com vento contra e chuva. A filha do dono, uma loirinha simpática vem ajudar a desmontar o acampamento e conversa muito. Gostei dela e fico rindo das coisas que me conta e de suas perguntas.
Não demora muito e vou “aprontar” para este monitoramento, eu me conheço e sei que isto ainda vai dar mierda! He, he!
Atravessei para o lado Paraguaio para me livrar do redemoinho, mas não o vi, apenas escutei o estrondo e passei por fortes correntezas.
Depois que a chuva pára, continua o vento contra; sigo xingando a mãe e os filhos do vento em espanhol, até parar para almoçar no Paraguai.
Longas retas e muitos redemoinhos. Cheguei em Puerto Rico às 16h30min, deu 04h30min remadas para fazer 45 km com vento contra.
Terminal graneleiro no Paraguai ao por do sol caiaque ficou lá na margem Cassino
Frente a Puerto Rico Puerto Rico
Deixei o caiaque ao lado do barco deles, levei as coisas para uma casa que será demolida e onde vou passar a noite na barraca.
Caminhei até aqui, no centro da City que é muito bonita e tem um cassino com uma réplica da torre Eifel na frente. Aproveito que cheguei cedo e escrevo para os amigos, assim não perco totalmente o tempo parado.
Nem descansei, agora é quase meia noite, tenho que caminhar 2 km e partir amanhã de manhã.
Deu 5 h de Internet.
Um baita abraço amigos!

DESDE PUERTO RICO ATÉ ITATI
22/08/05 segunda-feira
Parto da bela cidade em meio a um tempo esquisito e sem vento, são 08h50min e a bússola marca W direto, deveria estar seguindo para o sul.
Os barrancos estão cada vez mais baixos, agora estão com uma média entre 10 e 20 m de altura. Predominam os bambuzais ao longo da margem e florestas mais ao fundo. Vejo muitas partes desmatadas, fabricas e plantações de pinus.
O lado paraguaio é mais bonito, possui areais que parecem ser rampas de concreto quando vistos de longe.
No meio da mata sempre tem gente morando, navegando em pequenos botes ou mesmo pescando, são pessoas simpáticas e simples que acenam quando passo.
Deu uma doideira e resolvi passar o dia a bordo, não vou baixar terra de novo.
Está um dia agradável, corrente favorável, rio lisinho e só meu, dá gosto navegar assim, é um silêncio só, escutando o murmúrio das águas, o canto dos pássaros e o remo empurrando a água para trás.
Minha alegria dura pouco, um enorme rebocador sobe o rio empurrando duas enormes chatas, é incrível a força que tem o rebocador, pois a corrente é poderosa.
Não desviei muito dele e fiquei admirando sua luta contra a correnteza, é admirável!
O problema é que ele passa com muita velocidade e percebo que forma ondas com mais de um metro. Estou sem a capa e elas vêm muito próximas uma da outra, viro rápido o caiaque na direção delas, de outra forma vou virar.
Elas vêm como touros ferozes e sinto que a barra vai pesar. Segura peão!
O Maktub sobe a primeira, a segunda lambe o bico, a terceira bate nas mochilas que estão no convés de proa e que funcionam como um “castelo de proa” como dizíamos nos barcos de competição, no Guaíba.
A quarta invade o cockpit e tomo um banho de água gelada.
Pronto, estragaram o “meu” rio. Ele fica cheio de ondas que não saem do lugar (lá no meio do rio) pois ficam lutando contra as corredeiras. Outras vão para as margens, batem nos barrancos, voltam e batem nos barrancos do outro lado, parece um jogo de ping-pong onde eu faço o papel de rede, pois viajo pelo meio do rio e vou chacoalhando naquela barafunda de ondas e correnteza, fora as corredeiras.
Até que o rio ficasse calmo de novo, passou uma hora.
Tenho que seguir pelo meio do rio onde a corrente é mais forte, mas tem o inconveniente de não ver os bichos.
O pessoal do Paraguai parece mais alegre, vejo casinhas na selva, acho que aqui só falam o guarani.
Onde andará meu amigo França “Karai”? Ele já deve ser um cacique a esta hora, trabalha no projeto Rondon e faz belos trabalhos com a comunidade Guarani no sul do País.
Ele sempre aparece nos jogos de futebol fumando cachimbo ou charuto e cospe na “Mãe Terra”, índio adora fumaça.
Vejo crianças peladas tomando banho de rio, gritam de felicidade enquanto as mulheres parecem bater com um pau em alguma coisa, não sei o que é, estarão lavando roupas?
Às 12h40min, quatro horas depois, deixo o caiaque correr ao sabor da correnteza e almoço uns pães (que comprei na city) acompanhados de salamito, queijo e chocolate, minha ração básica.
Faço alongamentos e prossigo, tenho que fazer 70 km até o próximo posto de la prefectura. O ritmo nestes três últimos dias tem sido forte.
Para acabar com a monotonia, resolvo salvar abelhas que estão se afogando, mas algumas picam a luva. Mal agradecidas!
Sinto uma auréola pelas boas ações; é bonito ver um inseto que iria morrer secando-se e tendo uma nova chance. Sempre que alçam vôo, sinto-me bem e pego outra para vê-la secando as asas e depois partir.
Assim me distraio enquanto vou seguindo meu caminho.
Não me sinto responsável pelas que salvei, elas que cuidem da própria vida, é cada um por si, de repente estou devolvendo a ajuda que recebo pelo caminho, é meio parecido.
Já estou a seis horas dentro do caiaque, para variar, não sei onde estou, mas às 17h30min avisto um belo gramado, lá deve ser San Pipo, mas ali não tem mais prefectura, devo seguir mais adiante.
Como ali não tem telefone para avisar a prefectura, sou obrigado a seguir em frente até chegar à próxima, para que não venham atrás de mim... Saco!
Parece haver uma neblina no ar, o sol está se pondo contra o rio que está liso agora e forma desenhos incríveis ao colorir as nuvens de vermelho e dourado. Para completar o quadro, bandos de pássaros cortam o horizonte e vão gravando imagens inesquecíveis na minha memória.
Bueno, depois eu vi algo inusitado; o sol refletiu sua imagem na superfície do rio quase sem distorções, era como se estivesse diante de um espelho. Há dois sóis, um no céu e outro no rio.
É simplesmente incrível! Tchê, sem palavras.
Obrigado Senhor por estar presenciando tanta beleza!
Fotografo e filmo sem parar, contando ninguém acredita.
Às 18h20min chego a Puerto Corbo, fiquei exatamente 09h30min dentro do caiaque, estou quebrado, quase com câimbras nas pernas, ombro esquerdo extremamente dolorido, mas já se foram 77 ou 80 km.
Castro diz que posso dormir dentro da lancha deles, sobre um estreito banco de madeira. Ela é toda envidraçada e posso ver as estrelas enquanto durmo. Fede a diesel, mas é melhor que armar a barraca, assim saio mais cedo amanhã. Comi minha granola e parto para um sono recuperador.
Às 21h30min sou despertado, devo desembarcar pois eles têm que atender uma ocorrência.Coloco tudo sob o banco da lancha e vou sentar no gramado, junto a uns tonéis.
Coloco um grande saco plástico sobre a cabeça para proteger-me do sereno e juntar ar quente com minha respiração. Sento na grama, apoiado nos tonéis e cochilo por ali até que eles voltam e passo o resto da noite na lancha.
23/08/05 Terça dia 66
Agora já são 08h30min, fiz o kinojo aqui dentro da lancha e vou partir assim que terminar de escrever o diário.
Parto às 08h50min com o tempo meio esquisito.
Os gaudérios sabem o que significa um “cavalo passarinheiro”, é aquele cavalo que se assusta com qualquer coisa.
Eu tenho um caiaque “passarinheiro”, ele tem a irritante mania de virar o curso assim que um mínimo vento lhe atinge por través, sempre se volta para barlavento e isto revolta nosso comandante:
- Te pára, animal!
- Soldado dê-lhe uns tapas na orelha desse bicho!
- Senhor, o Maktub é só um barco...
- Barco não tem “bochecha”?
- Então dê-lhe uns tapas nas bochechas...
O céu fica azulado, parece que vem temporal.
Na curva do rio, do lado paraguaio, vejo um terminal de grãos, o estranho é que os condutos para os barcos atravessam o paredão de uns 30 m de altura e saem bem pelo meio deste. Aproximo para fotografar aquilo antes de fazer a curva do rio. Os caras lá de cima fazem sinais, dizem que está soprando um vento fortíssimo que não posso sentir pois estou protegido pelo paredão, é o temporal que se aproxima.
Encosto em uma vegetação para colocar a capa e o casaco de plástico com capuz e o quepe por baixo, assim protege o nariz dos pingos, he, he!
Brody, a coisa estava feia, podia ver as rajadas formando carneirinhos e ondas fortes que lutavam contra a correnteza, uma visão desagradável, mas que não estava me alcançando.
São rajadas muito fortes, fico ali, agarrado nos galhos da margem e tentando filmar aquilo enquanto não chove. Acontece que o corno do vento e as ondas me descobriram escondido ali e quase viraram o caiaque antes de eu proteger a filmadora.

- Cara, sai daí, o bicho pegou, estamos na “onça”!
- Ir para onde?
- Não sei, te vira!
É um vento tão forte que é capaz de virar o caiaque na marra!
Subo contra a correnteza, tentando encontrar local mais protegido, imagina se estivesse direto no vento.
Enfio o caiaque entre uma fresta no barranco de lama e o amarro com dificuldade numa raiz. Jogo o remo para cima e escalo o barranco pelas raízes de uma árvore que está para cair no rio.
Lá em cima tem um bambuzal paraguaio que abriga muito bem do vento que dobra as árvores e que quebra alguns galhos. Estou só de calção e os primeiros pingos já dizem o que vai ser.
Chove forte, penetro ainda mais na mata e nem sinto o vento. Ficou muito frio.
Fico ali no bambuzal, feito uma vaca esperando que o vento diminua:
- E aí seu bunda mole, vai ficar aí parado, contando quantos espinhos tem em cada galho do bambuzal?
- Senhor, olha o vento e as ondas...
- E o que nós somos?
- Um pelotão, senhor.
- MAIS ALTO!
- NÓS SOMOS UM PELOTÃO, SENHOR!
- Será que eu tenho que dizer o que fazer?
- NÃO, SENHOR!
Chega de moleza, o pelotão farroupilha desce resoluto o barranco, esvazia o caiaque que foi invadido pelas águas, coloca a capa e vai para a peleia.
- Agora sim, é aqui o lugar de vocês, no sagrado campo de batalha.
Tchê, que loucura, o caiaque mergulha nas ondas revoltas que se formaram nas corredeiras e que passam por cima, tentando derrubar nossos heróis do cavalo. O que elas não sabiam é que estes tauras já estiveram no mundo dos mortos e voltaram.
Agora não tem mais medo de morrer, só de sucuri...
Sigo entre trovoadas, raios e muita chuva.
- Alguém da tripulação é casado ou tem namorada?
- Não senhor!
- Ainda bem, pois correria o sério risco de levar um raio nos chifres...
- Todos olham temerosos para o céu...

Brody, ondas nervosas, piores ainda em zonas de corredeiras, estaria até divertido, se não corresse o risco de virar.
Ora sigo pela Argentina, ora pelo Paraguai, assim vou seguindo por mais 2 h, não vou almoçar, pois chove demais.
Não é que vejo duas enormes cavernas no lado paraguaio?


As cavernas vistas do rio

Na segunda foto já não se vê a outra margem devido ao temporal
Sigo para lá, estão bem na margem, uma ao lado da outra.
Uma delas é mais escura, mas protege inclusive a beira e a praia é de areia.
Brody, é incrível, até o Maktub na praia está livre da chuva.
Fico ali na beira, pulando de alegria e fazendo figa para a chuva que aumentou mais ainda.
Um violento raio explode perto do destacamento Santana, do outro lado do rio; chegou a doer o ouvido.
Penetro mais na caverna e paro de provocar os elementos, deve haver mesmo um santo me protegendo. Encontrar uma caverna na beira do rio quando eu mais precisava...
Até entrei numas meio que tipo assim... Bah!
Tiro fotos dali vejo fezes de morcego, tem inscrições que devem ser de povos indígenas, outras de vândalos com datas desde 1956... Para chegar nessa aqui, só de barco.
Está tudo meio esquisito hoje, parece que estou numa região mística, cavernas, povos indígenas, muitas missões jesuíticas, os conquistadores, esse tempo doido, super estranho!
- Irado brody!
- Senhor, este não é o Caminho de Santiago de Compostela?
Sigo em frente, parece que vai clarear, atravesso para a Argentina para ver enormes paredões avermelhados de calcário, show de bola!
Tem uma caverna no alto de um deles!
Vamos em frente e depois de um tempo vejo nuvens ameaçadoras, é a terceira tempestade no mesmo dia, isto aqui está ficando mucho loco, qual é que é? Quer me deixar pinel?
- Senhor, estamos cercados, o inimigo é tão numeroso que suas lanças e flechas cobrem o sol...
- Então lutaremos à sombra!
Caverna no alto do barranco O pelotão em plena tempestade
Era para dormir em P. Santana, mas estou de saco cheio de rotina, vou forçar uma situação de perigo, só para ver o que vou fazer.
Vejo um barco paraguaio, acelero o ritmo para alcançá-los e saber onde estou. A mulher diz que não dá mais tempo de chegar a Candelária, que devo atravessar para a Argentina que o lado paraguaio é muito perigoso(cheio de ladrões)... Pô, até ela?
Dizem que os caras chegam de lancha e armados, saco!
Como estou há 30 km de Candelária, só chegarei lá no escuro...

- Agora te rala!
- Não querias mudar a rotina?
Pelo menos não tem mais sucuri, era só delas que eu tinha medo, uma onça não vai me pegar na traição e vai levar um bom punhado de punhaladas, quero ver uma chifruda me pegar sem levar o troco, embora eu ache que elas queiram é distância de gente.
Para “melhorar” minha situação, outro ruidoso temporal se aproxima.
Carajo!
Desenvolvi uma técnica hindu para não me apavorar ao navegar sob uma tempestade de relâmpagos.
- Tudo é uma questão de manter: a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo!
Se eu escutar o som, é porque não me atingiu, se ele me atingir, não sentirei nada: para quê ter medo, então?
Só não quero que venha aquele vento de rajadas contra, aí sim não chegarei a lugar nenhum e terei de dar um jeito de dormir nessa região infestada de ladrões.
Gozado, até fico contente de estar enfrentando situações diferentes, a rotina é dose!
Quando entro em fria fico curioso para ver o que vou fazer...
Tenho certeza de que há uma força positiva vindo de minha família e de meus amigos, pois é incrível a maneira que as coisas acontecem quando estou em perigo, sempre consigo escapar.
O essencial é não entrar em pânico!
Como chove forte agora, decidi que vou remar pela noite até chegar na prefectura, não tivesse que avisá-los já teria acampado, mas aí eles sairiam para me procurar e isto eu não quero, daria despesas para eles.... Saco!
Ao mesmo tempo estou feliz de seguir em frente, hoje passei dos 2000 km, estou contente.
Agora só faltam 3000 km...
E aí “tio” Aldo? Dissestes para todos que eu só iria durar 5 dias....
Qui, qui, ri, qui, qui!
Vejo luzes ao passar por um pontal, está muito longe, mas pelo menos eu tenho uma referência. A tempestade está passando e o céu parece ter ficado mais claro, faço sinais com a lanterna, não quero que ninguém venha atrás de mim. Os caras viram meus sinais e respondem com sinais de lanterna. Quando eu passo por uma prefectura, eles já avisam a próxima por rádio, daí tem sempre alguém observando o rio para ver se eu passei.
Acho que eles se sentem aliviados, uma vez que passo pelo destacamento, a responsabilidade por mim é transferida para o próximo destacamento.
Entre ver e chegar nas luzes muito tempo se passa.
Chego lá (Candelária) às 20h40min, lá está Benitez é o km 1601(distância que falta para B. Aires), estou há cerca de 10 km de Posadas, capital de Misiones.
Sou muito bem recebido por todos, tomo um delicioso banho quente, estava congelado.
Fiz mais de 70 km em sete ou oito horas, não está nada mal para um dia de tempestades, nem eu esperava vir até aqui.
Hector me invita para comer um “reviro”, uma farofa feita com ovos, farinha de milho e azeite.
O interessante é que devo comê-la colocando em uma colher e mergulhando a colher numa xícara de mate cozido, bem quente. Fica delicioso, esquenta o corpo e alimenta.
Janto com ele, Jose e Carlos, gente muito boa.
Ser monitorado tem os prós e os contras, é muito bom chegar “podre” e ter alojamento, banho quente e comida (às vezes).




24/08/05 quarta-feira dia 67
Agora são 07h45min, aqui é o km 1601, dormi super bem no alojamento enquanto chega o frio de novo. Tudo bem, já é final de Agosto, acho que o frio só dura até Setembro. Entro no mar entre Setembro e Outubro, então não terei tanto frio.
Espero que não tenha muito vento, é disto que tenho medo; nunca atravessei uma rebentação com este caiaque, com ele carregado então, não sei como será!
Gordillo faz um mate para mim, é hora de seguir. Está muito frio, teria me ferrado na barraca com o vento que fez, pois não tenho mais as roupas de lã que deixei com o Aldo em Brasília (por falta de espaço), muito menos a roupa de neoprene..
Antes de sair, escuto no rádio deles um aviso de Posadas que está fazendo ventos de 45 km/h ou nós, não me importa, vou igual.
- Tiene muchas olas!
- Que avisem al raidista!
- Assim finalizam o comunicado.
Encolho os ombros e vou embora às 09h15min. Sigo para o meio do rio onde tem a correnteza mais forte, ali não tem abrigo contra o vento e as ondas de través:



- Senhor, estamos sendo invadidos pelas alheta e bochecha de bombordo, as ondas estão varrendo as cobertas de proa e popa.
- Mande toda a tripulação assumir os postos de combate por bombordo, temos que compensar o ataque por ali.
Uma delas pega em cheio no costado e me atinge no rosto. Tomo um banho gelado!
- Mierda!
- Atingiram o Tenente, saiam de perto, agora ele terá um ataque de fúria galopante e jogará na prancha o primeiro que estiver na frente!
- Cara, banho gelado de manhã cedo… GRRRR!
Meu irmão, quando fica brabinho, enrola a língua entre os dentes…
Lembrei dele, esqueci da brabeza e comecei a sorrir!
Sigo em frente, vejo uma gruta enorme do lado paraguaio e sigo para lá, para fotografar, justo onde tem correnteza e ondas bem fortes.
Cara, o caiaque pulando como cavalo chucro, que coisa mais doida!


Tirei a foto da santa e sigo na direção da ponte que liga Posadas a Encarnación.
Cruzei esta ponte em 1986, com uma Agrale Elefant 125 em uma viagem rumo ao deserto de Arizaro e Atacama, norte da Argentina e Chile.
Uma vez mais estou cruzando com meu passado de aventuras aqui no R. Paraná. Ainda cruzarei com ele várias vezes.
Enormes torres de alta tensão estão sobre o rio, baseadas em estacas de concreto.
Passo perto para fotografar e sigo para a ponte onde a correnteza é forte e onde as ondas estão mais picadas.Dali sigo para o lado argentino que está mais protegido do vento
Encosto em um navio afundado para filmar e fotografar a cidade de Posadas.
Foram duas horas até aqui, sigo costeando a cidade com altos barrancos até chegar a um belo gramado ao nível da água, são 12h15min, três horas de remo.
Aproveito para comer uma milanesa enquanto seco um pouco ao sol e converso com Carlos.
Ele me conta a estória dos índios que fugiram dos espanhóis com uma imagem da Virgem Maria, pelo rio Paraná. Chegaram a um local chamado Itati onde enterraram a imagem da santa na praia. Hoje, Itati tem uma basílica que é Meca de procissões de piraguas, caiaques, bicicletas e assemelhados.
Ele segue com uma turma com mais de 20 caiaques de Posadas a Itati. Este ano fecharão mais quatro comportas da represa de Yacireta e o nível da água subirá mais 4 metros, o camping dele deixará de existir…
Parto às 13 h e sigo cruzando por belíssimas mansões, parecem clubes náuticos.
Acaba a city, paro uma hora depois, entre a vegetação da margem, para descansar. É um capinzal e ali protege bem do vento contra que não da trégua e que, aliado com as ondas, está me detonando aos poucos.
Aqui já é um lago, há muitas árvores submersas e outras que ficarão sob as águas até o final do ano.
Dá pena de ver árvores gigantes que irão morrer. É muito ruim ser uma árvore à beira de um barranco, sabendo que um dia cairá no rio…
Elas não podem fugir, mas como todos iremos morrer um dia…
Li um livro que se chamava “Minha Canoa Rosinha”, era sobre uma árvore que um dia cairia no rio e acabou tendo a “sorte” de ser escolhida para ser uma canoa.Vi um gigantesco ninho de cocotas em uma enorme árvore submersa, este impressionou, deveria ter vários ninhos agregados, um verdadeiro “condomínio”.
Vou em frente, teria só 38 km depois de Posadas, mas com este forte vento contra e ondas, não estou passando de 5 km/h e isto pode levar 8 h de remo ou mais…
Acho que entrei em fria, o sol está no horizonte, já são 18h15min, nuvens se tingem de vermelho e dourado.
Paralisado pela beleza das imagens, sou obrigado a filmar e fotografar.
Brody, não te apavora, vamos viajar durante a noite!
Estou nervoso, tentando calcular quantos quilômetros andei e quantos faltam para chegar ao destacamento Ombu.
Sempre tem aquela obrigação de chegar nos destacamentos militares e isso acaba forçando situações.
Andar durante a noite com este vento e as ondas será muito difícil. Ao mesmo tempo em que tenho medo, estou na expectativa de como será e o que farei para sair dessa situação.
É uma mistura de medo e prazer por desfrutar de uma aventura dentro de outra; parece um jogo e que não sou eu quem está ali, se ferrando aos poucos.
Finalmente saí dessa rotina.
- E agora Tchê?
- Vamos à luta!
O problema é esse frio, os dedos congelam, os braços formigam e dão choque sempre que faço um movimento diferente: nem consigo fechar direito o compartimento da filmadora.
Para NW ainda está claro (é a direção para onde o sol se põe), olhando para trás, até dá medo, está escuro como breu!
Retiro a lanterna, deixo-a à mão (na coberta de proa), como um pão e me preparo psicologicamente para enfrentar isto tudo durante a noite.
Há uma ponta para frente, quando lá chegar, deverei estar há uns 2 km de Ombu, estas são minhas contas.
Perto de 19 h, já escuro, chego na ponta e, surpresa!
Até onde vejo para adiante no horizonte não tem luz nenhuma… Brody, estamos ferrados!
Com a noite vejo uma outra coisa incrível, o planeta Marte está muito próximo da Terra, dia 26 será o auge e isto só irá se repetir daqui a 5000 anos.
Ele está tão forte no horizonte que está dando reflexo na água, mesmo com ondas. Parece uma mini lua!
Que loucura! Meu Deus, será que um dia vou cansar de ver tanta beleza?
Vejo várias estrelas cadentes, o Cruzeiro do Sul parece se sobrepor à Via Láctea.
O caiaque sobe e desce em ondas que já não vejo, se virar agora, neste frio, a coisa beira ao risco de vida, pela hipotermia.
Estou nervoso, é bonito ver tudo, mas altamente perigoso.
- Te acalma brody!
- Te lembras quando cruzastes a Lagoa dos Patos na parte mais larga? Foi com o caiaque velho, entre 60 e 70 km de travessia.
Foi durante a noite, lutei contra aquele temporal incrível, não dormia há três dias, tive alucinações, o caiaque virou às 3 h da madrugada, quase o perdi no escuro (encontrei-o graças a uma lanterna à prova dágua entre as ondas) e tive hipotermia.
- Eu consegui sobreviver e fiz a travessia em 24 h. Foi incrível!
- É quase morrer e voltar ao mesmo tempo, pavor e euforia simultaneamente, isto vicia!
- Então segura a barra, tenta manter a calma!
O sol se põe Navegando no breu da noite (para onde?)
Já não vejo mais nada, não tem lua. Sigo até a próxima ponta e finalmente vejo luzes (há cerca de 15 a 20 km, mais 4 a 5 horas remando), estão tão longe que chega a desanimar! Estou exausto e dá vontade de encostar e seguir no dia seguinte.
Sigo na direção delas, afastando-me da costa.
- Cara não faz isto, vai piorar a nossa situação. As luzes estão para W e a costa segue para N-NW.
Mais um pouco e não vejo a ligação da costa com as luzes. Será que para lá é o Paraguai? Agora não tenho certeza mais de nada; é melhor seguir a costa que não vejo direito. Não consigo mais definir nada, não sei se aquelas luzes que vi ao longe estavam na Argentina ou no Paraguay.
Há troncos submersos e o barulho das ondas quebrando na praia assusta um pouco, ao mesmo tempo me orienta pelo som. As horas passam, o vento castiga, não é agradável seguir no escuro, tenho medo de virar. Estou congelando, mas vou me acostumando com a escuridão, até parece que ao avançar a noite estou enxergando melhor.
Faço sinais com a lanterna na direção das luzes (para que saibam que estou a caminho), não quero que venham me buscar. Soube depois que ninguém viu nada. Eu deveria estar a mais de 20 km quando sinalizei.
Vou seguindo sem saber se estou entrando em um rio, cruzando para o Paraguai ou em direção da costa onde estão as luzes. Muito, muito tempo depois chego na costa das luzes que acabam sumindo; deve haver um pontal ao fundo da baía que entrei, devo estar dando uma volta grande mas não tenho certeza de nada, então tenho que costear. Começo a cantar músicas em voz alta para espantar o nervosismo: Estrela Dalva, hino farroupilha, etc.
Estou podre e congelado; encosto nas árvores da beira, agora estou abrigado do vento e posso filmar com infravermelho para registrar o momento, acabo molhando a filmadora que desliga. Olho para o relógio, são 21h, estou andando desde as 09h15min da manhã...
Cara, onde estou? Será que passei de Ombu?
Já estou nessa luta por mais de 12 h, é um dia depois do outro no sufoco brody!
Ontem foram 70 km no sufoco, abaixo de temporais, trovões; hoje no vendaval o dia inteiro e agora no escuro... Tu tá pedindo cara!
- Pelo menos tenho o que contar se sobreviver!
- Vamos “queimar esta vida” até a “última ponta”!
- Tá ligado?
- Sim... E como!
As luzes aparecem de novo, era um pontal mesmo.
Estou irritado, ver as luzes é uma coisa, chegar nelas é outra, ainda mais com essa m de vento e ondas contra.
O caiaque desvia da rota pelas ondas e pelo vento. Xingo o “boludo” em voz alta, estou estressado.
Cara, que raiva, é dor pelo corpo todo e essa m de luz que não chega nunca!
Às 22h15min finalmente eu chego, não tem ninguém, vejo uma placa numa árvore com o tronco dentro da água...Ilumino com a lanterna e leio:

- Ombu km 1539... Achei que houvesse passado dali há muito!
- P.. q.. Pariu!
- Só andei 62 km depois de me ferrar por mais de 13 h...
- Vai se....
- MERDA!
Aproximo da praia, bato nas pedras, desço do caiaque e o arrasto sobre as raízes de uma árvore para fora da água.
Um rapaz se aproxima, é Marcos. Ele diz que avisou o pessoal da prefectura. Logo chega mais gente, eles me ajudam a tirar o caiaque mais para cima. Faz um frio de uns 5 ºC, as ondas que batem nas pedras ainda são levadas pelo vento que borrifa e molha tudo em volta. E os caras vêm a essa hora me ajudar...
Chega a viatura da prefectura eles vieram me buscar e tentam levar o caiaque.
Não cabe no Land Rover, Marcos levará para seu pátio e eu seguirei com Lopez e Martinez para o destacamento. Amanhã será outro dia, estou encharcado e congelado. Tomo um longo banho quente até descongelar. O destacamento se chama Rincon Del Ombu e fica no alto de um morro.
Tomo mate com eles e assisto tv. Faz uns cinco graus centígrados e a previsão é de que chegue a três graus esta noite.
Fico acordado até às 01h39min da madrugada, acho que perdi o sono devido ao extremo cansaço físico.
Vou dormir lá no mirante, sobre um colchão (no meu saco de dormir), enquanto lá fora o frio está de gelar os ossos.
25/08/05 Quinta dia 68
Parti só às 10h56min, a grama ficou branca da geada e eu tenho que seguir o meu caminho. No trajeto para voltar ao caiaque vimos um veadinho campeiro que cruzou na frente do carro.
Tomando um mate calentador com os amigos de Ombu Local aonde cheguei durante a noite
Ondas e vento mais fraco que ontem, antes de sair de Ombu escutei os caras de Garatê dizendo (pelo rádio) que eu deveria parar no destacamento deles e dali ser transportado 35 km por terra até Ituzaingo, depois da represa de Yacireta.
- Asi como hacen todos los raidistas...
Não gosto disto, queria chegar mais perto da represa, mas eles podem impedir a continuação da viagem, caso eu desobedeça.
Em casos negativos, aplica-se a alínea “a” dos fuzileiros navais: recruta só pode falar três coisas:
- Sim senhor, não senhor, quero morrer!
Sigo até um pontal e o atravesso direto, só de raiva, pois ontem devo ter feito quase 10 km a mais por não poder ver para onde ia.
Levo 2 h para cruzar até uma praia onde descansei entre as árvores. Aproveito para lagartear ao sol, ainda está frio.
Sigo até outro pontal e vejo outra baía maior ainda, vejo um gramado ao fundo e toco direto para lá.
Garatê
Duas horas depois vejo uma casa branca para bombordo, fica a mais de uma hora fora da rota, tento ver com o binóculo, mas irritantes ondas não me deixam ver direito, sou obrigado a seguir naquela direção, furioso, pois se não for ali o destacamento Garatê, terei remado 2 h por nada.
Para meu alivio era ali mesmo. É uma praia linda, onde há um belo gramado abrigado do vento e o som dos pica-paus, posso dizer que é um local bucólico!
Chego lá às 16h30min, levei quatro horas e meia para fazer uns 24 km (km 1515). Martinez vem me receber. Ele me viu com o binóculo, mas eu estava tão longe que ele achou que era um “camalote” de aguapés!
Deixo o caiaque lá embaixo e vou com ele até o destacamento Garatê, lá em cima do barranco gramado.
Vou olhar a casa de um fora da lei que vivia perto dali(no interior de um bosque nativo), Gato Moreno, um personagem famoso da Argentina e que costumava tirotear com a polícia.
Ele construiu sua casa com furos nas paredes (fechados com placas de metal) para atirar em quem aparecesse sem ser convidado.
Depois fico assistindo TV, esperando o pessoal de Ituzaingó vir me buscar.
Acosta prepara um pão caseiro com mumu e um mate gostoso que tomo com Rojas, Nunez e outro.
Fui muito bem tratado, como posso ficar brabo com pessoas que se preocupam comigo?
O pessoal chega só às 22h30min, engata o reboque com o caiaque na camionete Isuzu e vamos por 35 km até Ituzaingó.
Igaratê Prefectura de Ituzaingó

- Capitão Kirk!
- Sim, senhor!
- Avise todos os tripulantes da Enterprise que seremos tele transportados para o Planeta Ituzaingó!
- Onde fica isto?
- Ninguém sabe! Parece que é o km 1454!
Sou alojado na garagem dos barcos, sobre um colchão.

26/08/05 Sexta Dia 69
Parto às 08h20min, com fumaça saindo da boca.
Cruzo para o lado paraguaio, daqui para frente não terei mais barragens, foram nove ao longo da jornada. Deixem o rio correr!
Passo por bancos de areia, a água está límpida.
- Senhor oito torpedos (cascudos) cruzaram sob o Maktub, há mais...
Vejo cardumes de peixes de 30 a 40 cm, estão em águas rasas para se aquecer, devem ser piavas. Há muitos cascudos também.
O mato é lindo, parece com os nossos “capões” lá do sul, deve ter 10 a 15 m de altura.
Escuto sabiás-laranjeira, corruíras e pombas, aqui não tem mais sucuri, foi difícil tirar esta “neura” da cabeça.
Vejo saracuras e cocotas, o amanhecer é lindo e com pouco vento. Fui deslizando assim por 4 h, alternando lado argentino e paraguaio até parar para descansar e arrumar as coisas na popa. Para variar, não jantei e nem tomei café da manhã, resolvi abrir o compartimento de popa (cheio de parafusos) e comer uma granola.
Aproveito para escrever o diário (sentado no caiaque) aqui neste pontal, abrigado do vento.
Lambaris Um casal de Tarrãs Final de tarde
Escrevo com os pés dentro da água enquanto os lambaris ficam em roda, esperando eu matar as mutucas e maruins e jogar para eles. É uma corrida para ver quem chega primeiro.
É incrível, eles ficam olhando para cima e vêem a mutuca pousar, alguns tentam pegá-las antes mesmo de as matar.
Devo fazer 70 km até o próximo destacamento e acho que estou fazendo 10 km/h, então allez!
Parto às 14h30min e sigo pelo corredor que se forma entre a margem e a ilha, não tem mais que 100 m e é lindíssimo, vou cruzando sobre bancos de areia e ouvindo o ronco dos bugios que habitam as ilhas, é muito forte.
Duas horas depois encontro uma lancha da prefectura, só andei 54 km, foram 6 h de remo, ainda faltam 24 km para Itaibaté, no km 1380. Senti o drama, terei de viajar durante a noite de novo, mas é bem mais tranqüilo que Ombu!
Final de tarde, 18 h sou obrigado a parar e filmar um casal de Tarrãs sobre um banco de areia.. Preparo para navegar a noite, hoje não há vento e verei o planeta Marte refletir no rio, é o dia em que ele estará mais próximo da terra.
Escurece de vez, vejo luzes para bombordo e me dirijo para lá. Era um camping, perdi mais de 1 h de remo, peço para o assustado homem que avise a prefectura (por telefone) que estou indo, assim eles não vêm atrás de mim. Já são 20 h. Sigo na direção da mata onde ficarei abrigado do vento. A prefectura tem um número para emergências (ligação gratuita).
Ali está lisinho, vejo estrelas cadentes e Marte refletidos nas águas.
Sabem, às vezes eu fico extremamente “deprimido”; fico assim, em momentos como este, em que sou “obrigado” a assistir o céu e as nuvens serem tingidos de vermelho e dourado enquanto bandos de pássaros cruzam sobre as águas na direção do horizonte, procurando refúgio para passar a noite .
Talvez fique assim quando fico na dúvida entre olhar para as estrelas diretamente no céu ou vê-las pelo seu reflexo sobre as águas lisas do rio...
A noite já vai longe e meu barco segue seu rumo. Os dedos congelam mas as estrelas me distraem.
Chego a Itaibaté (km 1380) só às 21 h, desembarco ao lado de um alto trapiche onde há um marinheiro me esperando com uma lanterna...
Gozado! No dia 69 andei 69 km...(na verdade foram 74 km)!
Este destacamento tem uma cadeia, tomo um banho quente e vou dormir num colchão que eles me arrumaram, estou ficando mal acostumado!

27/08/05 Sábado dia 70
Não jantei de novo e parto sem café, apenas um mate antes de sair. Tiro uma foto da cadeia e parto em seguida, às 09h25min. Achei estranho ao ver um cachorro fazendo companhia ao detento dentro da cela. O cachorro passa pelo espaço entre as grades.
Pensava que a prisão da prefectura fosse apenas para militares, mas é para presos comuns.
Vento de través pela bochecha de bombordo, vou cruzando por várias lanchas de pescadores, aqui é região de dourado, há imensos esteros (alagados) e o tempo está estranho, parece haver uma névoa no ar. Paro numa ilha para comer e descansar.
Estou bolando outra aventura dentro desta, a idéia está me comichando e vai aumentar a viagem em 400 km, uns 10 dias ou mais. Já não é a primeira vez que mudo de planos dentro de uma viagem.
Na viagem de bici para Machu Pichu, o plano era ir até lá e voltar de avião; acabei seguindo na direção do Canadá até encontrar um suíço que falou que dava para voltar para o Brasil pelo R. Amazonas desde o R Ucayali, seu formador. Foram 6000 km por rio, polícia, traficantes, Sendero Luminoso, mulheres levando cocaína dentro do corpo, a ilha dos leprosos que passou no filme de Che Guevara (Diário de motocicleta), a cordilheira dos Andes.
Alguns ladrões foram conduzidos pelas Valkyrias para o reino de Hades, era eu ou eles... Vinte mil quilômetros de bicicleta em oito meses!
Na viagem de moto era só até a Terra do Fogo, acabou alterada para cinco meses e 37.000 km por toda a América. Vi geleiras imensas, icebergs, vulcões, fiordes chilenos, neve, os desertos e as florestas tropicais.
Depois atravessei o Brasil inteiro, de norte a sul, de leste a oeste.
Mais uma namorada se foi (jurei de pé junto que voltaria em um mês), faria tudo de novo...
Aventuras sem fim: o que meus olhos viram só eu sei, até onde fui... Minha alma aventureira me levou muito além.
Então, se eu conseguir, vou nessa brody; além de terras e através do sempre!
Na montanha dos bugios
Vejo quatro ilhas adiante, dirijo-me para lá. Preciso descansar. Escuto o ronco dos bugios, não os posso ver, mas gravo na filmadora o som deles. Estão noutra ilha, atravesso para lá, pego o facão, a máquina fotográfica, filmadora e vou abrindo uma picada pela mata. Tenho que dar um jeito de encontrar e filmar estes bichos de jeito. Tenho medo de cobras venenosas, mas preciso vê-los.
Quase desisto várias vezes até que consigo ver um bugio entre os galhos.
As mutucas desgraciadas me torturam, pois tenho que ficar quieto para não espantá-los. Resolvo me aproximar, são dois machos enormes, estou extasiado vendo os bichos me observando como eu a eles, é outro momento mágico nessa viagem maluca!
Aproximo mais ainda, o resto do bando vem me olhar enquanto eu os filmo e fotografo. Eles se coçam, bocejam e botam a língua para fora, acho que estão me gozando!
Que espetáculo, deve ter uns 15, as fêmeas (as “loiras”) ficam mais afastadas, mas todos estão curiosos e se aproximam. Fico na dúvida se sou eu que os observo ou eles a mim, acho que ficamos no 1x1.
Parece que estou na montanha dos gorilas!
Vou me aproximar mais, mas eles defecam; dizem que os bugios defecam na mão e atiram nos intrusos.
Lembrei do meu irmão, o Paulo:
Lá estávamos nós, no sítio da vó, no Caí.
Meu irmão estava na “privada”, uma casinha perdida entre os pés de bergamota.
Eu fui juntando um monte de laranjas podres enquanto ele fazia as necessidades...
Devia estar lendo revistinhas (eróticas, eu acho). A casinha balançava, mas não tinha vento...
Sobre a porta havia uma fresta, era o alvo das laranjas podres.
Meus primos entraram na farra, quase fiquei com pena!
De repente a porta se abre, ele sai banhado de laranja podre e corre como um cavalo doido na minha direção. Cada um tenta salvar sua pele e corre para um lado diferente, mas o alvo sou eu!
Deus me salvou, pois quase quebro o pé ao tropeçar numa raiz e me esborrachar no chão. Ao mesmo tempo uma meleca marrom passou sobre mim e se esborrachou no tronco de uma pobre laranjeira! Mesmo assim fui atingido por alguns respingos.
Nestes locais nunca mais cresceu cabelo!
Ele fez “aquilo” na própria mão e jogou em mim...
Hoje esse cara é Ginecologista...
Mulheres, exijam que ele use luvas!
Bueno, ganhei o dia, ver os bugios me observando sem medo, fazendo caretas e botando a língua de fora foi algo assim como um momento muito especial em minha vida,
- Obrigado Senhor!
Pô, a essa hora eu deveria estar assistindo a um Programa do Leão, não calouros no Raul Gil, não Caldeirão do Hulk...
Arg! Obrigado senhor por me livrar desses programas sofríveis das tardes de Sábado!
Andei mais uma hora e chego a Yhape (i-ja-rrapê) km 1345, 35 km em 4 h. Era o objetivo do dia, o próximo destacamento ficava muito distante.
O guarda vacilou por não ter lugar ali na base.
Eu, rapidinho, disse que dormiria adiante e chegaria a Itati no dia seguinte. Estava louco para acampar de novo e curtir a natureza. Fui embora feliz da vida enquanto ele dizia:
- Es muy peligroso!
Eu ri e disse:
- No se preocupe, tengo un buen cutillo!
Parti às 16h15min e remei por mais 2 h, custando a encontrar um local onde pudesse armar a barraca e esconder o caiaque.
Muitos alagados onde os dourados davam chapoletaços ao atacar outros peixes, lembrei muito dos meus amigos pescadores de Floripa: o Rojas, o Salsicha, o Fred e o Favaretto. Eles iriam enlouquecer aqui!
Inclusive o Rojas queria se encontrar comigo por aqui, assim ele viria pescar e nos encontraríamos. Acontece que meu astral iria baixar demais quando eles fossem embora, porque acho que minha estória vai acabar nesta viagem.
Por isto não quis o encontro!
O tio Laerte e o Milico andaram por aqui (pescando) faz poucos dias, não sei exatamente onde.
Hordas de mutucas, maruins e mosquitos infernizam enquanto armo a barraca e arrasto o caiaque aqui para cima (para ninguém vê-lo do rio). Ainda bem que tenho boné com véu. Noite ultra-silenciosa, dava para ouvir as folhas caindo, batendo nos galhos até tocar o solo. Dormi com o punhal ao lado, mas foi tranqüilo. Andei cerca de 50 km hoje.

28/08/05 Domingo dia 71
Parti só às 10h50min, demorei em arrumar tudo, estou me sentindo muito fraco, este vento quente e contra está me detonando, além do que têm sido dias duros e sucessivos. A comida que tenho já não é suficiente, tenho fome! Já baixei mais de 8 kg!
- Cara, não me faz te pegar nojo!
- Deixa de frescura e toca em frente!
- Sim senhor!
Sigo em frente, mas apenas uma hora depois paro em uma ilha para descansar e abrigar deste vento quente e contra. Há uma duna alta, subo para olhar em volta e sigo adiante, entre a ilha e a Argentina. Tenho dúvidas se não estou penetrando em um Estero.
Passo por um estero chamado Riachuelo.
MUDANÇA NOS PLANOS
- Senhor, chegamos tarde, acho que a batalha do Riachuelo já aconteceu!
- Soldados! Estou com um plano secreto!
Vamos invadir Asunción!
A tropa urra de felicidade, novas aventuras esperam nossos heróis no rio Paraguay.
- Avisem a tripulação, reunião no portaló!
- Senhores, o plano é o seguinte: Seguiremos até a cidade de Resistencia (Argentina), na foz do rio Paraguay e dali seguiremos até a cidade de Clorinda, uns 400 km ao norte. Atravessaremos o Rio até Asunción, passamos uma noite com as paraguaias e depois descemos o rio Paraguay até Resistencia de novo onde seguiremos para B. Aires. Serão mais uns 12 dias, mas assim visitarei todas as capitais do MERCOSUL banhadas por água.
- O que é um copo de cerveja para quem está embriagado?
- Esse é o nosso comandante!

Só tenho que ver os custos e se consigo quem me leve. Ao final do dia, às 19 h, chego a Itati, que tem uma descomunal Basílica (km 1274). Estou podre!
Peço para ficar mais um dia, preciso ir à Internet e sei que vou mofar na cadeira transcrevendo o diário.
Tomo banho, durmo no alojamento.
Foram dez dias desde Foz e 653 km...

29/08/05 Segunda dia 72
Acordo cedo, visito a basílica e faço dois turnos na Internet: 9;30 – 13 h e 15 h -23 h, é mole?
Agora vou enviar para vocês, desculpem os nomes, às vezes eu me empolgo.
Chove forte e amanhã sigo a batalha, um baita abraço e continuem torcendo por mim, eu tenho certeza de que está ajudando muito. Muito obrigado e um baita abraço para todos.



E-mails:
Boa tarde, André, muito obrigada por ter nos mandado esse e-mail maravilhoso, e peço que continue, na medida do possível, nos enviando outro e-mail seu, pois é muito importante para nós sabermos como você está nessa sua longa aventura. Desejamos a você uma ótima viagem, tenha sucesso, é o nosso desejo para você.
No mais, esperamos seu contato e siga com Deus. Que Ele te proteja
Salete Iate Clube Lago Itaipu 29·08·05

Oi seu doido de varrer!
Como é que tu tá?! Eu to adorando receber os teus “relatos”, parece até que eu estou acompanhando os capítulos de uma novela, hehehehe
Nós estamos com muita saudade de ti, tenho certeza que tu vai sair inteirinho dessa, inclusive mais preparado ainda para a próxima “indiada”, hahahaha
Ana Lopes



CARINHA, eu não recebi as imagens da sucuri, mas eu consegui ver no computador do Marcelo, pqp, que baita cobra... Porra, eu não chegaria perto daquele bicho nem pagando, imagina se ela estivesse viva, apenas paradinha se fingindo de morta esperando pra pegar a primeira presa curiosa que viesse futricar? Tô fora! Agora estou aqui em Shark City, na Unisul, no intervalo do almoço e estava curtindo com calma o teu último e-mail ,quando tu chegou em Itati. No mais tudo bem , assim que tiver novidades te escrevo, um abração e te cuida ( já vai pensando em escrever um livro desta viagem pq esta vai ser impossível de tu escapar, acho que será um best seller agraciado com as fotos incríveis que tu certamente terá, este livro poderá ser apenas o começo de uma série de outras aventuras que tu poderá ser financiado a fazer, tb palestras, documentários, e documentar em outros mais fascinantes ainda, pensa nisso... um abração, Paulo Rojas



>Oi brody,são 00;30 min, estou na internet e vou retornar para o quartel e sigo viagem amanhã cedo.Um baita abraço, estou com saudades de todos. Espero que gostes do e-mail que mandei hoje, foram 13 horas escrevendo. Um baita abraço do brody Issi.>>paulorojas@matrix.com.br escreveu:>E aí Brodinho, recebi o teu e-mail e fiquei muito contente em saber que está tudo bem contigo. Hoje >fui almoçar com o Salsicha e a Beth e ficamos um tempão falando em ti. Ele esteve por estas >paragens gaudérias há umas 2 semanas ( Itaipu) com o irmão dele , e disse que só ficava olhando os rios pra ver se , numa dessas da vida, não te encontrava. Que bacana esses douradões que ficam pulando aí, se eu estivesse na área já estaria largando uma linha pra tentar pegar algum; falando >nisso vi os trairões que o Salsicha trouxe lá do Pará, chega a assustar o tamanho das danadas. Estamos pensando em fazer uma pescaria qualquer dia desses, acho que até o Bello quer ir, estamos te esperando para ir junto conosco. Olha, o meu timão está em terceiro lugar no campeonato, ontem meteu 4 x 1 no Cruzeiro, estamos animados, vamos ver no que dá. O teu time já se classificou para 0 octogonal final , o Belo está confiante. Mas é isso aí carinha, continua a tua viagem com muito cuidado, não vale a pena correr muitos riscos, na dúvida pensa em uma outra alternativa, te cuida Brodinho, as meninas da Unicred vivem perguntando por ti, um abração do teu irmão Paulo Rojas

DESDE ITATI ATÉ CORRIENTES E ASUNCIÓN
Olá amigos, estou na capital do Paraguay e amanhã ou domingo inicio outra aventura descendo uns 425 km pelo rio Paraguay até sua foz no rio Paraná. Farei um trecho de 32 km pelo rio Paraná que já havia feito até Corrientes, mas não importa, assim terei visitado as Capitais do Mercosul por água.
Quando chegar em Buenos Aires, terei “fechado a conta” em mais de 4000 km. Gostaram das fotos? Se eu conto ninguém acredita, só peço que ninguém se entusiasme pelo tamanho da cobra, he, he! Este teclado espanhol é ruim de acento e cedilha, perdoem a falta de acentuação.
Bueno, vou ao diário desde o último dia que narrei:



30/08/05 Terça dia 73 Itati
Brody, o que choveu e fez frio nesta noite foi muito cruel, foi um violento temporal, outra frente fria que fez a temperatura cair para 10 graus ou menos.
Que coisa boa estar na cama quentinha enquanto lá fora desaba o temporal, chego a encolher-me e a rir de satisfação, mas tenho que partir daqui há pouco.
Arrumo tudo e Gonzalez pede para tentar baixar as fotos, ninguém conseguiu. Não é que ele e Benitez conseguem? Eles não têm gravador de CD, mas baixam 6 em um disquete para eu poder enviar para os amigos.
Conversei com o comandante Koplin e o sub, señor Nuñes e eles dizem que eu posso ficar o quanto quiser, mas não quero abusar da hospitalidade, apenas peço mais um tempo para ir ao centro enviar as fotos do disquete (são as primeiras fotos que envio da viagem) para os amigos e depois partir.
Aproveito para almoçar um delicioso tallarin con pollo e uma taça de vinho.
Que frio dos diabos! É um vento cortante e eu balanço para sair quando eles dizem para eu ficar mais um dia, já são quase 14 h...
- Negativo, te manda!
- Quer moleza?
- Está bem, está bem, já estou saindo!
Às 14h10min estou partindo, nem que seja para ir até o próximo destacamento; pelo menos o sol apareceu entre as nuvens que correm rápidas vindas do sul.
Vou remando por 02h40min até chegar em Puerto Gonzalez, onde passaria a noite.
Eles dizem que se eu quiser seguir em frente não tem problema. Show!
Posso andar o quanto quiser e dormir nas belas praias que vejo.
Sigo em frente, já são 16h30min, dá para andar mais um pouco.Paro adiante para comer duas laranjas, observando uns kalangos nas pedras enquanto maruins atacam sem dó nem piedade, êta bicho irritante!
Tomo o rumo w tendo o vento SW pela bochecha de bombordo e começo a procurar local para dormir, mas justo agora não encontro.
Vou em frente até encalhar num banco de areia, estou irritado, pois estou com os dedos congelados e tenho que descer na água fria e procurar local mais profundo.
Como estou de calção, fica gelado ao vento, com a capa até dá para encarar.
Os pescadores dizem que não estou tão longe de Passo de La Pátria, o próximo destino.
Já posso ver as antenas, mas com certeza só chegarei ao anoitecer. Que faço? As margens têm um barro cinza e grudento, o mato fica mais para trás, além do que tem muitas pedras, melhor seguir em frente.
O sol se pôs às 18h40min e eu já estou congelado.
Escureceu bem rápido e eu sigo pelo escuro com uma correnteza muito forte.
É claro que fico estressado e grito de raiva no meio do rio (no escuro) ao encalhar em outro banco de areia; já não vejo mais nada e vou reinando enquanto puxo o caiaque com raiva pela água gelada até encontrar águas mais profundas.
Resolvo seguir na direção de umas luzes, pode ser o destacamento.
Não é, converso com um rapaz que diz que está longe ainda. Peço que ele avise a prefectura ( por telefone) que estou a caminho, pois foram avisados de que eu não chegaria hoje.
Já está ficando comum andar de noite e com frio.
Para piorar, o rapaz diz para eu ter cuidado, pois a correnteza está forte e tem muitas pedras sobre a superfície.
Pronto, só falta bater em uma delas e virar, com esta correnteza, frio e escuro fica difícil de chegar na margem e o perigo é a hipotermia.
Finalmente chego em Paso de la Pátria, são 20:30 h um marinheiro está de vigia me esperando, peço que ele puxe as luvas para mim, pois meus dedos congelados estão imprestáveis.
Levamos o caiaque mais para cima e depois sigo para a central. O pessoal aperta a minha mão congelada e pergunta se tenho frio.
- Frio? Eso no es nadie, estoy acostumbrado con cosas muy peores...
Gaúcho morre seco, mas não se entrega! Não podemos demonstrar fraqueza, ainda mais que estamos na Argentina, brasileiro também tem garra.
Sou alojado e tomo um demorado banho quente para descongelar.
Assim fica fácil, na Lagoa dos Patos e Mirim, no inverno, eu não tinha esta moleza. Algumas vezes fui obrigado a esquentar água, pois estava perigosamente congelado em temperaturas que beiravam o zero grau.
Lá eu tinha roupa de neoprene e agora não tenho nada para o frio, apenas duas bermudas, duas camisetas e o abrigo que uso para dormir. Se ele molhar não tenho outra roupa.
Agora são 21h57min, termino de escrever o diário. Estou no km 1240, andei cerca de 39 km, bom para quem iria ficar dormindo em Itati.
31/08/05 Quarta dia 74
Despeço-me de todos e vou arrumando tudo na beira. Um frio gelado e cortante fazia o nariz pingar como uma torneira enquanto eu tirava o abrigo e ficava só de calção. Está fazendo 3.9 graus em B. Aires, houve uma violenta tempestade em Montevidéu, imagino como não estará o mar...
Descobri duas coisas: Que a foz do rio Paraguay está quase aqui em frente, atrás da ilha que vejo. Se for até Corrientes ou Resistencia, terei de fazer este trecho de novo, pois descerei o rio Paraguay até o rio Paraná e dali passarei de novo por Corrientes, terei feito 32 km duas vezes...
- Bem feito, tu não fostes transportado por 35 km para passar a barragem de Yacireta? Agora paga!
E a segunda coisa é que para chegar em Resistencia tem que subir o R Negro por 20 km contra a correnteza.
Se eu quero realizar o sonho de Asunción, tenho que tentar isto em Corrientes, daqui há 32 km...
Parti às 10h25min, sem pressa, pois o objetivo do dia é apenas 32 km.
Um vento fortíssimo e de rajadas, vindo de SW obriga a seguir junto da margem onde está mais abrigado.
Uma olaria rústica
Vejo um cavalo atado a uma canga, andando em círculos enquanto uma menina lhe segue a pé, com uma varinha, para que ele não pare.

Interrompo a viagem e vou ver o que é aquilo.
Tem um tronco central que gira como um eixo dentro de um tonel. Neste tonel, o pessoal que está no centro do círculo vai jogando, com pá, aquele barro visguento da margem. Na base do tonel tem uma abertura por onde sai o barro moído pelo eixo que o cavalo faz girar.
Quem cuida de tudo é uma senhora que enche o carrinho e leva o barro moído para um menino que o põem dentro de formas com as mãos, tira os excessos e depois tira das formas. É uma rústica ladrilleria (olaria), ou seja, ladrillo = tijolo.
- Tengo 13 hijos para sustener!
- Pero este trabajo le toma tiempo, como encontró tiempo para hacer tantos hijos?
Ela sorri e as crianças também!
- Eso es un trabajo muy duro y con este frio...
- Asi es mejor para hacer ladrillos...
- Y qué le pone al barro? Paja (palha)?
- No bosta de caballo!
Desatei a rir, dava para ver a meleca verde ali no meio. Claro, o cavalo come grama...
Eles fazem cerca de 1500 tijolos por dia!
Agradeço por deixarem filmar e sigo meu caminho com este vento irritante e congelante. A senhora disse que hoje está sendo o dia mais frio do ano por aqui, sorte a minha...
Deve estar uns 10 graus, mas a sensação térmica...
Paro para almoçar um pão com salamito, esqueci o queijo e o chocolate no compartimento de popa. O local é abrigado do vento, mas basta eu passar o pontal (13 - 13h50min) e o vento está muito pior, rajadas fortíssimas que quase me levam a loucura de tanto xingar o desgraciado com nomes em espanhol, como Boludo hijo de una Santa Madre y otros.
O bico do Maktub enterra nas ondas

Cara, um ódio terrível, pois as ondas geladas estavam escorrendo e molhando os países baixos.
Nem vou ao banheiro, dá medo de não encontrar mais nada... He, he!
Passo entre várias ilhas e avisto Corrientes e a ponte que a liga a Resistencia.
Já é normal ter as ondas, mas em pontos de corredeiras as ondas ficam mais altas e picadas, o pessoal fica olhando eu passar pelo meio daquilo, mas já estou tão acostumado que aproveito para tirar fotos ali no meio. Filmar não dá!
Sigo paralelo a uma longa praia e vejo muita gente retirando aquele barro melequento e levando em velhos caminhões ou em várias carroças, cada uma delas puxada por três cavalos alinhados lado a lado.
Eu me distraí olhando aquilo e uma rajada fortíssima pegou na pá do remo e quase virei... GRRR! X$%%&&

Corrientes, a troca de rota rumo ao Rio Paraguay
Vou pelo porto até entrar numa pequena marina, é o Iate Clube de Corrientes (16 h) e colocar o caiaque sob uma construção feita sobre o rio.
O señor Gaúna e outro rapaz ajudam a subir o caiaque pelas escadas para o primeiro piso. Vamos, a pé, até a central da prefectura. Aqui é o km 1208, levei 04h40min para fazer 32 km.
Chegando lá, falo do plano que tenho e da alteração do raid original.
Os caras piraram, teriam de passar rádio, avisar os outros destacamentos, fazer novos papéis e, o pior:
- Iria trair a ciumenta Argentina indo dormir 2 ou 3 dias com as paraguaias...
- Briga certa!
- No puedes...
- Puedo si, y me voy!
- Escucha querida, sólo te pido un tiempo...
Vou parar, está virando novela mexicana!
Outro problema, o transporte. Eles conhecem um cara da própria prefectura que tem uma mini van (kia) que pode me levar. Conseguem falar com ele, é Miguel.
Ele fala comigo e diz que vem para acertar os custos.
Brody, o sonho está se tornando realidade!
Ele chega, acertamos em US $ 120,00. Assino vários documentos, eles se espantam com a foto da sucuri que envio para eles.
Tudo certo.
Corrientes Porto Van de Miguel Documentos da prefectura
O nome dele é Miguel, de cara simpatizei com ele, dá para ver que é gente boa.
- Quando quieres irte?
- Che, si puedes, vamonos ahora mismo!
É tudo muito louco, ainda estou molhado e gelado, recém cheguei e já estou partindo para o norte...
Adrenalina brody, sem ela não dá para viver.
Vamos até o porto, tiramos a carga e o caiaque é colocado sobre o teto da van igual a do tio Laerte
Ele passa em vários lugares, troca os dólares, compra coisas, diz que se separou faz 10 dias...
Convida um amigo para não voltar sozinho, pois ida e volta por terra dará 700 km. Conheço Alfredo, gente boa demais. Ele foi da aeronáutica e atuou na Guerra das Malvinas como operador de radar. Falo para ele que o grande erro da Argentina foi não ter afundado aquele transatlântico cheio de soldados, ele concorda. O Chile cedeu suas bases para os ingleses.
Ele me conta que os submarinos russos ajudaram os argentinos com informações, assim como os americanos fizeram para os ingleses...
Miguel também é cantor, o cara faz de tudo.
Já noite, cruzamos a ponte e vemos Corrientes de cima, é muito bonito!
Eu me emociono ao entrar na estrada que passei com a bicicleta 25 anos antes.
Seguimos pela noite ventosa e congelante tomando mate, conversando e formando uma bela amizade...
Quando, naquela vidinha rotineira eu iria fazer tantos novos amigos? Por que não arriscar? Mal não faz!
Quando cai a ficha eu fico meio que delirando, estou seguindo para Asunción antes mesmo de secar das águas do Rio Paraná... Loucura brother!
Que coisa maravilhosa ser assim, muitos amigos o destino mudando a cada instante. Que deliciosa sensação de liberdade!
Cochilo um pouco, pois sei que amanhã de manhã estarei navegando pelo rio Paraguay, parece que estou sonhando!
Chegamos a Puerto Pilcomayo só de madrugada, um vento enregelante, pensei que seguindo para o norte fugiria dele...
Foi muito bom ter vindo com Miguel, havia muitos postos de Gendarmeria que pedem até certidão de nascimento da mãe do caiaque e que liberavam assim que Miguel dizia ser da prefectura:
- Sigue, sigue...
Os caras arrumam um colchão e dormirei no salão que tem ali. Despeço-me de meus novos amigos e vou dormir já passando das 3 h da manhã.
Que dia!

01°/09/05 Quinta dia 75
SETEMBRO

Os sonhos existem para serem realizados e aqui estou em Puerto Pilcomayo (Argentina).
Três dias antes nem sonhava em fazer este trajeto, deu uma loucura galopante e estou despertando ao lado do rio Paraguay, frente a Ita Enramada, onde cruzei de bicicleta vindo de Asunción.
Aqui é o km 1219, tem 411 km até Corrientes, mais 30 km que tenho que fazer indo até o centro de Asunción e vindo até aqui, aumenta a viagem em 440 km, mas não importa.
Passo a manhã toda assinando papéis aqui no destacamento, eles me deixam acessar rapidamente a Internet para mandar-lhes as fotos da sucuri (está rendendo) e assim aviso onde estou. Quem iria imaginar?
Parto só às 10h40min pelo meio do rio com o vento sul ajudando um pouco. É dose remar contra a correnteza, são só 15 km mas está me detonando.
Após 01h30min paro para comer 2 pães com salamito.
Queria filmar, mas vejo dois caras num barquinho de madeira se aproximando e resolvo não mostrar a filmadora.
Converso com eles, está difícil de avançar, então resolvo seguir pela beira, puxando o maktub com uma corda (assim como eles estão fazendo com o barco deles).
A margem está tomada de lixo plástico e outras melecas. Um pouco adiante tenho que remar de novo, pois virou um porto de grandes e velhos navios enferrujados. É tudo tão velho..
- Senhor o que vamos tomar em Asunción? Aqui parece ser tão pobre...
- Elementar, meu caro Watson!
- A guerra deixou muitas viúvas...As paraguaias são lindas e simpáticas, vão em frente!
Depois eu passo por vários navios de guerra, tudo velho pintado de cinza.
Lixo, lixo e mais lixo. Porcos no lixo.
Favelas quase despencando nos barrancos, saídas de esgoto e um tempo feio com este viento de mierda.
Puerto Pilcomayo Favelas Asunción Aduana Sr. Ito (direita)
Estou irritado, pois o vento, aliado à correnteza contra, faz o caiaque trocar de rumo direto, tenho ataques de fúria e fico xingando o caiaque em voz alta enquanto o pessoal da margem pensa que é com eles.
Ainda vou arrumar confusão.
Esta mierda de Aduana que não chega, não vejo lugar onde deixar o caiaque.
Como é que vou na city se não tem onde deixar o barco?
Primeiro vamos à aduana e depois tu pensas em algo.
Depois de cinco irritantes horas eu chego na Aduana, um lindo prédio na margem do rio. É alto pra caramba, não tem onde desembarcar, apenas uma rampa ao longe, como vou deixar o caiaque? Ali está cheio de pivetes. Tem um cara olhando da varanda da Aduana, falo com ele e o boludo não responde...
Sabe de uma coisa? Que se danem estes burocratas de mierda!
Vou entrar no Paraguay e pronto, onde já se viu um conquistador pedir licença para invadir?
Eu estou me autorizando. Entrei e pronto!
Sigo em frente, tenho que achar um clube náutico.
Já no fim da baía vejo um galpão onde está escrito: REMO!
Sigo para lá, é o Clube Náutico Asunción. Fica entre uma favela, mas converso com o Sr. Ito e o Sr. Mino.
Ito é o encarregado e diz que posso ficar. Levamos o caiaque para a sede e ali tomo um delicioso banho quente.
Impressionante a maneira como sou tratado por eles, o pessoal do Paraguay é muito amigo, já tinha sido assim na viagem de bicicleta.
Depois sigo com o Sr. Felix para a sede do jornal Ultima Hora, vejo o congresso o palácio do governo, o museu da independência, telefone e Internet.
Depois volto para o clube já noite, por dentro da favela. O pessoal ficou preocupado, ali é perigoso de noite. O mais incrível é que achei o local, não tinha guardado nem o nome da rua.
Ito colocou o caiaque numa garagem de lanchas, e fiquei ali junto com uma lancha americana. Dormi dentro dela em um colchonete entre as poltronas da lancha.
02/09/05 Sexta dia 76
Acordo tarde, estava cansado de ontem e por ter dormido só 4 h.
Ito é gente boa, vim ao centro e escrevo até agora, são 17h05min. Devo retornar antes que escureça. Espero a reportagem sair, mando pelo correio e me vou, iniciando uma nova aventura pelo rio Paraguay.
É isso aí meus amigos, espero que estejam gostando de compartilhar estas aventuras, vamos ver o que será, não tenho mapa do rio Paraguay, há muitas ilhas e riachos fechados por aguapés. Posso seguir por um e ter que voltar por estar fechado por camalotes (aguapés).
Até um novo despertar.
Um baita abraço do amigo
André!

E-mails recebidos:
Ri muito, pois foi exatamente isso que o tio Aldo falou, “não vai durar uma semana”.
Agora vc está conhecendo um pouco mais das matas argentinas, pois quando falava para o povo daqui do litoral que eu e meu pai caçávamos aí na mata, veados, pardos, catetos, muitas vezes encontrávamos caçadores com onças mortas ou encontrávamos pegadas. As caçadas eram sempre as escondidas da Gendarmeria “policia Argentina florestal” mas já fizemos caçadas com consentimento deles e foi só dar um pouco de cachaça ou vinho que eles viraram os melhores amigos. Adoro aquele reviro argentino, e impressionante a quantidade de óleo que vai, mas é muito bom. A gente não está aí mas viaja junto em suas Histórias
Um grande abraço comandante Issi, e esperamos mais noticias. Marcelo 01·09·05
E ai brodinho, tenho lido os teus e-mails com muita curiosidade e impaciência, pois fico imaginando as tuas aventuras , cada dia deve ser mais emocionante que o outro, pois as coisas praticamente nunca se repetem. Acho que tu está certo levando a tua vida desse jeito, livre, sem preocupações maiores, pq tu é assim : livre, fazendo a vida valer a pena, não interessando o quanto ela dura em tempo, mas sim em qualidade, não se arrependendo das coisas que faz e tocando em frente. É isso aí, carinha. Um abração Brodinho, te cuida, na dúvida, não vai!!!! Um grande abraço do teu amigo, Paulo Rojas
RAID “HERMANOS DE ROSÁRIO” (Carta aos remadores de Rosário)
Hola amigos, llegue anteayer en Corrientes y he venido por tierra hasta Puerto Pilcomayo en el mismo dia. Ayer he venido remando por cinco horas (mas o menos 15 km) hasta un club de remo aqui en Asuncion,donde me quede. Alargué el viaje en mas 440 km, pero conocerè un poco del Rio Paraguay hasta Corrientes, de donde sali. Asi recorrere todas las capitales del Mercosul que si puede por agua.
Me olvidè de decirles que la prefectura (de Puerto Iguazu) queria que yo pusiera un nombre a el raid y nada mas justo que homenajear mis hermanos poniendole el nombre “Hermanos de Rosario”, asi esta en todas las prefecturas que pasarè por camino. Un fuerte abrazo del hermano, André!

Hola Hermano André, Sos un ídolo! Te quiero mucho hemano. Acá en Rosario y en Bs As hay mucha gente esperándote, ya me preguntan para que des alguna charla (palestra) y muestres todas las fotos y videos. Me alegra mucho tu homenaje. No sé si somos merecedores de tan grande elogio. André no dudes en llamarme si necesitás algo, o tenés algun inconveniente con la Prefecturta Naval Argentina. Tengo algunos conocidos en ese organismo. Te mando un fuerte abrazo, Juancho. PD: a medida que recibo tu diario lo reenvio a unos foros de naútica, "tudos fican alucinados com tuas palavras"
Hola Andre!!!!!!!!!!!soy Romina, te cuento que a pesar de que no te escriba sigo tu viaje paso a paso por medio de Diego. Y que te puedo decir.....que estas loco..? que sos un personaje raro..? Que sos un idolo..? un genio...un aventurero..? Creo que un poco de todo y mucho màs Sabes que ? Aca en Rosario la gente ya habla de vos, "DE TU LOCO VIAJE" y empieza a imaginar como sos, esta todo el mundo loco por conocerte y por alojarte en su casa , y a mi me enorgullece decir que te conocí y poder decir la clase de persona que sos. y de que te vi cuando te suviste la primera vez al Cruz Diablo (caiaque) (quedate tranquilo que lo del tobillo queda entre nosotros jajajajjajajaja!!!!!!)no en serio aca Rosario te esta esperando con muchos asados por comer....TE QUIERO MUCHO y segui desviandote todo lo que quieras que lo bailado no te lo quita nadie muchos besos y abrazos ROMINA
Hola andré veo que todo marcha de maravillas para el pelotón.Aca en rosario todo anda tranquilo , estamos anciosos para que llegues Bueno , te escribia para desirte que aca todo el tiempo nos acordamos de vos y tenemos muchas ganas de que cuando llegues te quedes unos días asi te llevamos a conocer algunos lugares , o nos podemos quedar a acampar alguna noche en la isla todos juntos. Te mando un fuerte abrazo y saludos pra todo el pelotón. Diego

Holaaaaaaaaaaa,hermanoooooooooooEstoy leyendo tus mails, que bueno, pensar que hace unos años vos leias los nuestros!!!Que viajeeeeeee.!!!!!!!!!!!Aca todos te estamos esperando,mucha gente, nosotros y gente que no te conoce, pero te quiere.En Rosario te vas a tener que quedar 1 mes, no te vamos a dejar irte,jajajajajajaja,como vos en Brasil.Hay gente que te sigue, lee tus mails sin conocerte,dos amigos mios. Bueno hermano te esperamos por aca, un abrazoooooooo Ariel

DESDE ASUNCIÓN HASTA ROSÁRIO

02/09/05 sexta dia 76 Asunción

Depois de ir à Internet, fui dar uma volta pelo centro, observando as índias paraguaias vendendo artesanato nas calcadas e mulheres preparando ervas em pilões (morteros) que o pessoal agrega na água servida com o tererê (mate gelado). Retornando ao clube de remo, como um delicioso assado de porco com Ito, Anibal e a família deles, estava uma delicia. Depois venho dormir na lancha americana.

03/09/05 Sábado dia 77
Palácio do Governo Congresso Guaranis Fiesta Folclórica

Amanhece nublado e frio, 13 graus!
Pô, não acaba esta frente fria? Fui ao centro e a matéria não saiu, não sei se fico mais um dia...
Sigo até um café onde as pessoas ficam lendo os diários e matam o tempo em um local reservado e quente enquanto lá fora o vento gelado castiga os transeuntes, que chique!
Vou observar e filmar uma festa folclórica na rua principal do centro (Palma), é costume estas festas aos sábados. As paraguaias são muito bonitas e alegres, como todo o povo em geral. Vou a um shoping, almoço, compras no super (na Rua Chile) e depois retorno pro clube.
O señor Pablo me convida para assistir o jogo entre Paraguay e Argentina, pelas eliminatórias da copa.
O Paraguay nunca ganhou da Argentina, sequer em amistosos. A Argentina já está classificada e o Paraguay necessita muito da vitória. Seguimos pelo meio da favela que tem no portão de saída do clube até a casa de Pablo. A TV está na varanda, está cheio de gente, cheio de bandeiras e camisetas de la hinchada (torcida) albiroja (azul e vermelha). É bonito de ver, digo que vou dar-lhes sorte e que o Paraguai vai ganhar pela primeira vez da Argentina.
Foi um jogo emocionante, regado a muita cerveja que passava no copo dividida por todos. Havia mais de 15 pessoas naquele espaço exíguo e foi bonito de ver a festa deles ao final, quando o Paraguay venceu por 1 x 0. Pablo brinca dizendo que devo estar aqui no próximo jogo do Paraguay.
Retorno com eles para o clube e encontro señor Benitez que me invita para comer um assado com ele, sua filha e as amigas... Hummm! Lobo em pele de cordeiro entre as ovelhas.
Tchê, que povo mais simpático, alegre e espontâneo. Foi massa!
Aquele monte de gurias sentadas a meu lado olhando as fotos na filmadora, rindo e se espantando ao verem a filmagem que fiz delas.
Só remar não tem graça...
Benitez pergunta se não quero casar com sua filha...
- Com todas! Respondo de imediato.
Elas riem, alegres e eu me deixo envolver pelo clima, é muito bom estar aqui.
Volto para o box onde está o caiaque e preparo tudo para partir amanhã, saindo a matéria no jornal ou não.
Provavelmente só sairá depois de amanhã, por causa do jogo, mas eu tenho que seguir meu destino.
Agora são 23h35min, arrumei as coisas no caiaque e escrevo sentado na poltrona da lancha onde dormirei pela terceira noite, no assoalho, entre os bancos.
Já estou com saudades de todos, como é alegre, espontâneo e hospitaleiro o povo paraguaio.
Amanhã eu sigo na luta, foi muito bom ter vindo, ter passado por tudo isto. Estou alegre por estar aqui.
Buenas noches!

04/09/05 Domingo dia 78
Descendo o Rio Paraguay
Choveu forte toda a noite, o barulho no telhado de zinco fazia eu me sentir melhor ainda por estar abrigado dentro da lancha, ainda mais porque ela tem um toldo de proteção que abriga mais ainda, caso tenha goteiras.
Amanhece com um vento sul e temperatura baixa, pelo menos a chuva parou.
Vou até o centro, a matéria não saiu e não vou esperar mais. Vou ao café Lido, esquina de Palma com Chile, onde comi três deliciosas empanadas (pasteis) de carne e ovo acompanhadas de uma ultra deliciosa vitamina repleta de morangos. Burp!
Hora de ir embora.
Retorno para o clube, agradeço a Ito, é uma pessoa maravilhosa, todos daqui são gente simples, mas de um imenso coração.
Adeus Asunción, ROHAYHU (te quiero mucho, em guarani)!


A CAMPANHA DO PARAGUAY
Parti às 12 h, seguindo para P. Pilcomayo, daqui a 15 km. O sol aparece, mas o SW continua. Dois remadores da federação Paraguaia fazem a volta para conversar, estão em dois single-skiff, o mesmo barco de competição que eu remava em Porto Alegre. São Paolo e Rodrigo, eles ficam fascinados pela viagem e Paolo me dá seu boné da federação paraguaia de remo. Fiquei feliz da vida e sigo meu caminho pelo meio do rio, onde a correnteza é mais forte. Passo pelos barcos da marinha, as corvetas são tão velhas quanto as nossas, da segunda guerra.
Estes navios de guerra mais servem para estender roupas do que outra coisa. Para falar a verdade, muitas roupas estavam estendidas na amurada deles.
Depois os navios velhos e as favelas, dali vou cruzando o rio e paro na ilha para almoçar às 14 h. Como duas empanadas que comprei a mais.
- E aí soldados, que cara de felicidade é esta?
- Boas recordações, senhor!
Agora tenho que recuperar o ritmo, mas isto a partir de amanhã, tenho parte burocrática em P Pilcomayo e já é tarde para seguir. Na verdade tive que dar saída e entrada na Argentina, embora não tivesse feito isto no Paraguay.
Às 15h10min chego no porto argentino, 2:40 h para fazer o que levei 5h subindo o rio.
Sou recebido por Martinez e o Sr. Fernandez me dá os mapas detalhados do R Paraguay que serão uma mão na roda, pois o rio é cheio de caminhos alternativos e riachos que podem estar fechados por camalotes (aguapés) ou bancos de areia. Ali tem toda a km e saberei exatamente onde estarei, show! O señor Rodas me explica detalhadamente os pontos de referência e poderei dormir onde quiser, desde que informe os destacamentos, à medida que for passando.É cedo, não tem nada para fazer ali, então resolvo seguir até um povoado perto dali por uma estradinha de terra.
Caminho até chegar num boteco de beira de estrada, não tem quase nada, então peço uns pães e uma cerveja. Só tem budweiser de um litro...
Aqui estou no pátio de terra, escrevendo o diário, tomando um pouco de sol, comendo pão, olhando as galinhas e ficando borracho, burp!
Melhor que ficar parado por lá, sem fazer nada, mofando em uma cadeira.
Martinez diz que estão esperando liberar um “detenido” e eu vou dormir na cadeia... Show! Mais uma pro caderninho!
Eles falaram que uma onça (jaguaretê) esfomeada atacou três caras aqui perto e fez estragos feios neles antes de ser abatida...
- Só ataca quando tem fome... Essa é velha!
Agora são 17h18min, amanhã sigo as aventuras, agora no R Paraguay, vamos ver no que vai dar!
- Aí brother, são 17h59min, estoy borracho!
Bebi toda a Budweiser de 1 litro, escuto músicas que me fazem viajar no tempo e no espaço. Fico perigoso assim, sempre faço coisas erradas!
Acho que estou apaixonado, tomara que a primeira que aparecer não seja gorda e feia, mas há um ditado:
- Não há mulher feia, a gente é que bebe pouco, he, he!
Volto pra prefectura, vejo o mapa, será a primeira vez que saberei onde vou passar.
05/09/05 Segunda dia 79
Acabei dormindo no salão, sobre um colchão. Frio dos diabos, um dos guardas espirra e tosse toda a noite, sofre muito. O caiaque ficou lá na beira, onde o deixei.
Acordo cedo, agradeço a todo o apoio, atenção e hospitalidade do pessoal da prefectura, estou surpreso, fui muito bem tratado em todos os postos que passei, os caras, além de tudo, são profissionais, muito obrigado amigos!
Os mapas que Fernandez me deu são muito importantes.
É...Iniciando uma aventura dentro de outra... Rio Paraguay...
- Vai em frente cara, “queima” até a última ponta!
Resolvo partir bem cedo e bato o recorde de sair cedo, saí às 07h50min com a neblina levantando do rio e a fumaça saindo da boca pelo frio.
Tirando os 30 km (em mais de sete horas de remo) que já andei faltam quase 410 km até Corrientes, de onde vim dia 31/08.
O lado paraguaio está cheio de terminais graneleiros que carregam imensas chatas ligadas uma a uma, cada uma delas medindo cerca de 50 x 10 m. Alguns imensos rebocadores chegam a levar trinta delas em seis fileiras de cinco chatas colocadas lado a lado...
Aqui é o km 1615, Corrientes está no km 1208, vamos a luta!
Sigo na direção S-SE e logo encontro um velho “amigo” (vento contra), pena que é corno e não sabe! Ainda bem que há um pouco de correnteza favorável, mas se parar de remar, o caiaque vai para trás.
Finalmente posso dizer que iniciou a minha aventura pelo R. Paraguay aonde vou seguindo entre bancos de areia, ilhas e vento contra.
Cruzo por casais de Martim-pescador; há dois tipos: um maior, com peito laranja e dorso cinza e outro menor, de peito branco e dorso negro, esverdeado e brilhante, muito bonitos!
Vejo também bandos de cardeais sem o topete, mas muito lindos com a cabeça vermelha, fora biguás e garças cinza e brancas.
Após 4:30 horas ininterruptas, paro às 11:30 h para almoçar, pois não jantei, não tomei café da manhã e o estômago começou a roncar.
Parei bem ao lado de uma queimada, num campo tomado de um capim alto que queima muito forte e atinge pequenas árvores. Gaviões ficam no meio da fumaça, provavelmente buscando presas que fogem do fogo. A fumaça vem bem na minha direção e vou ficando defumado e com os olhos irritados.
- Seu bugre, porque não paraste em outro local?
Está fácil para me localizar, porque, além do mapa, existe marcação de km nas margens. Fiz 10 km em 1,5 h assim fica fácil com o auxílio do mapa.
Gastei todos os meus xingamentos contra esse vento contra e forte que não dá trégua; irritante ao extremo, justo no dia que saí mais cedo e que queria remar mais.
Depois o rio faz uma curva que parece não ter fim, vou seguindo pela Argentina e a bússola chega a marcar NW.
O rio fica estreito e faz curvas pra caramba. Tudo bem, não vai aumentar a distância que já está calculada. Fica esse vento nojento até eu entrar ao lado de umas ilhas que abrigam bastante, a tal ponto que o rio fica lisinho e bucólico.
A cada 300 m tem um acampamento de pescadores paraguaios, basta eu achar um local bonito e ali tem um acampamento, saco!
Sou meio bicho do mato mesmo, pois fico irritado quando quero encontrar um local sem ninguém, para comer sossegado, e sempre tem alguém xeretando em roda...
Perto das 18 h termina o abrigo da ilha e sigo em frente.
Fico impressionado com a potência desses rebocadores que empurram as chatas contra a correnteza. Quatro deles têm o nome de ex-namoradas... Por falar em ex-namoradas, daria para fazer uma frota, he, he!
Às 18h15min eu paro em uma praia, junto a um barranco alto, no Paraguay. Foram 9 h remando, fora os descansos.
Que dureza, foram cerca de 55 km. Não fosse esse corno de vento contra teria feito muito mais, aqui é o km 1560 e o barranco abriga bem do vento sul.

06/09/05 Terça dia 80
Acordei cedo, deu para suportar o frio razoavelmente. Agora são 07h32min e aqui ao lado os pássaros cantam ao romper do dia. Dia sem nuvens, vou comer o kinojo e arrumar os tarecos.
Parti às 09h50min, vento SE de rajadas, faz sete dias que venta forte do quadrante sul direto. Dá uma raiva...
Estou cansado de remar 9 h ontem e ainda por cima tem esse vento e as ondas contra, GRRRR!
O rio serpenteia muito, é cheio de ilhas e bancos de areia. O lado paraguaio é cheio de chorões (árvores) e o pessoal tem o costume de tocar fogo em tudo, há muitas queimadas e o ar parece uma fumaça só.
O problema é que queima o capim alto e as árvores também, elas não morrem, mas as menores sim e desta maneira as margens tem poucas árvores e esse desqualificado de vento de rajadas corre livre, como um chifrudo boiola, pelos quatro cantos.
- Tenente, avance junto dessas trincheiras (barrancos) que protegem um pouco desse vento boiola e boludo!
Assim fui conseguindo avançar, até encontrar uma longa reta virada para SE. Foi muito cruel!
Tu olhas ao longe, dá vontade de desistir, de esperar que o vento diminua, mas a verdade é que este vento deve ser comum por aqui e nada mais me resta que enfrentá-lo. O pior é que é forte e de rajadas.
Vou xingando o corno em voz alta e avançando lentamente contra ele e as ondas. Paro às 10h30min, como uma laranja e sigo em frente.
Não posso esperar o tempo melhorar, o tempo é curto.
Ora pelo lado paraguaio, ora pelo argentino, vou seguindo em frente.
Menos mal que o céu está limpo. O rio tem ilhas que agora protegem mais, consigo avançar apesar de tudo.
As paradas são mais freqüentes que ontem, achei um lugar lindo para almoçar no canal estreito formado por uma ilha.
Lugar sem vento, paro num barranquinhos e fico observando os botes de madeira irem e virem, alguns com famílias, outro com um cachorro em pé, bem na proa.
Kinojo, régua e diário Ilhas do R Paraguay Famílias Perro na proa
Tem muita gente pescando nos barrancos. Acompanho uma família em seu bote por um tempo, eles me dão a dica de por onde seguir. Sigo ao lado deles para conversar um pouco, quase que só falam em guarani e me mostram um atalho.
Esse mapa que o Sr. Fernandez me deu marca km a km, ajuda demais. Paro mais duas vezes, estou sentindo fome, isso não é normal. Acho que andei almoçando demais e agora estou mal acostumado. Comprei amendoins em Asunción e assim tenho algo para beliscar, antes não tinha nem isso.
Às 17h40min paro para conversar com uns pescadores paraguaios e eles dizem que tenho que entrar entre duas ilhas e voltar contra a correnteza para chegar na prefectura. É o destacamento Dalmácia (km 1513), sou recebido por Rubens e Bonifácio que pescam ali em um bote. Levamos o caiaque para o alto do barranco e depois sou muito bem recebido por Guillermo “Garcia”, Horácio e Honório. Tomo um delicioso banho quente e depois janto um delicioso surubi, preparado por Horácio com batatas e legumes. Um vinho, uma bela conversa sobre política e da infiltração dos americanos na América do Sul. Eles já têm uma base militar no Paraguay e que pouca gente sabe. Estão tentando “comprar” nossa base de foguetes no norte do Brasil, onde brasileiro não poderá entrar...
O político que permitir isto deve ser considerado traidor da pátria e executado sumariamente...
Alguém já viu os americanos fazerem algo de bom por alguém que não fosse para ter benefícios para si...
Que lhes importa que tenham destruído o Iraque e que milhares de pessoas tenham morrido e que tenha se estabelecido o caos? O petróleo está garantido!
“Democracia” para os iraquianos... Me poupem!
E o povo americano manteve esse assassino no poder o reelegendo...
Fiquei sabendo que o furacão Katrina fez mais de 10 000 vítimas no sul dos EUA...
Parece que Kamikaze, em japonês, quer dizer Vento Divino...

É isso aí, o pessoal do destacamento Dalmácia foi especial, fui muito bem tratado. Apesar desse vento fortíssimo e contra, consegui fazer 102 km em 2 dias.

07/09/05 Quarta Dia 81 Dia da Independência no Brasil
Não lembro o dia em que casei, mas lembro bem do dia que separei, foi no dia da Independência! He, he.
Agora são 8:10 h, dia bonito como ontem, pena esse vento. Vamos à luta!
Tomo um mate com Vicente, Quique ,Davi, Garcia e Ruben que espanta um pouco o frio de outra manhã gelada.
Parto às 09h36min e sigo entre as ilhas até que pego uma longa reta para SE direto contra o vento de rajadas.
É extremamente irritante, já são 10 dias de vento sul e o de hoje está fortíssimo, faz a fumaça das queimadas correr horizontalmente.
Um grande rebocador desce o rio levando 30 chatas, o timoneiro tem que ser muito bom para fazer curvas de até 180 graus. Nos cotovelos do rio eles têm que seguir por fora. Consigo acompanhá-lo por mais de 1 h.
Às 11h20min encosto num barranco para comer um pouco de amendoim pois não havia tomado café.
Parto às 12 h, tentando buscar abrigo na margem paraguaia, mas a curva é para boreste e tenho que seguir pelo lado argentino, totalmente desabrigado do corno do vento. Gasto todo meu repertório de xingamentos que grito bem alto e assim vou seguindo em frente.
Passo pelo povoado de Olívia (Paraguay) e finalmente uma reta para SW.
Encosto do lado paraguaio e consigo um pouco de abrigo do SE até parar, após mais de 4 h remando contra o vento. Há uma armação de madeira de um acampamento paraguaio.
É na forma de um meio tonel deitado e depois é só largar a lona plástica por cima. Isso é o que mais tem, acampamentos e os barquinhos de madeira circulando.
Estou com muita fome, mas a comida que tenho é a de sempre, menos mal que tenho umas bolotas de pão.
Parti dali agora abrigado um pouco do vento, pois altos barrancos protegem um pouco. A paisagem ficou bonita com um pouco mais de mato.
Estou cansado e paro para filmar um bugio e duas fêmeas, aproveito para comer outra laranja, nem o bagaço escapa.
Sigo em frente, vejo algo no barro a menos de 50 m, é um jacaré, venho muito rápido e travo o caiaque para dar tempo de fotografar e filmar. Acabo fazendo muito barulho e ele escuta; faz a volta e entra na água quase a meu lado:
- Seu animal! Pra que fazer tanto barulho? Só faltou tu atirares uma pedra sobre ele.
Não ando nem 10 min e vejo outro mais adiante, está de frente para o rio.
Aqui está cheio daquelas piranhas de barriga vermelha e das escuras, fora os jacarés. Para não assustar o outro, encostei bem antes, mas o fresco vai para a água mesmo assim. Entra lentamente, fica só com os olhos de fora e depois mergulha. Merda!
Não consigo fotografar um que seja!
Acabaram os acampamentos paraguaios, a vegetação está mais densa e as praias estão recobertas de capim alto. Não estou a fim de dormir na praia ao lado dos jacarés; meu manual não ensina como enfrentá-los.
Às 18 h encosto na margem, na última praia que posso ver para adiante, é melhor garantir antes que escureça. É um bom abrigo sob uma árvore, gramado e sobre o barranco, longe da beira onde ficam os dentuços. O vento sopra forte na copa das árvores, mas aqui não move nem a lona. Aqui é o km 1473, deu 40 km, bom!

08/09/05 Quinta Dia 82

Amanheceu nublado, pouco vento, acho que vem chuva. Prefiro chuva a vento forte. O kinojo está no fogo lá fora para não molhar a lona com vapor.
Escuto galos e vacas de um povoado próximo. Algumas curicacas, bem-te-vis e grilos que ainda não foram dormir.
Bem ou mal, já fiz 170 km dos 440 que acrescentei na viagem. Aqui é muito bonito e valeu a pena ter vindo.
Parti às 09h25min e fui atravessando para o lado argentino para fazer a curva do rio que seguia para boreste. Nas curvas, o lado de dentro sempre apresenta bancos de areia e o lado oposto apresenta barrancas mais altas. Fui seguindo próximo dos bancos de areia e assustando enormes peixes que ficam com o dorso e as barbatanas de fora ao se alimentarem no barro. Uma hora depois vejo um enorme jacaré que some na lama. Depois um grande camalote vai diminuindo até que some... Era outro jacaré, não sei como eles fazem para submergir sem ter que ir para frente ou para trás. Simplesmente vão submergindo!
Depois, mais adiante o rebuliço foi embaixo do barco, passei sobre um jacaré escondido na lama rasa. Bueno!
Ainda bem que não encalhei nele!
Sigo em frente, a curva termina e sigo pelo meio do rio e o vento parou total, milagre! Ficou um espelho!
A paisagem é bela e dá gosto de remar assim.
Após 2 h paro para descansar, o mormaço está detonando e viajo sem camisa. Às 14h50min, após 4 h de remo chego a Formosa, depois de passar por um local onde dezenas de botes cruzam a fronteira num vai-e-vem com mercadorias e pessoas.
O porto está cheio de barquinhos que transportam pessoas desde Puerto Alberdi (Paraguay) para Formosa.
Ali o rio faz uma curva de 180 graus. Almoço em Formosa, passo na prefectura e sigo em frente, junto da margem Argentina.
Sigo por um canal para cortar caminho. Ali é estreito, cheio de aguapés e um sem número de jacarés que mergulham à medida que avanço. É incrível, mas não consigo fotografar um que seja. Termina a ilha, atravesso o rio e sigo para o lado paraguaio. Paro ao lado de uma árvore próxima da beira e vejo o sol se por entre uma neblina esquisita, isso indica chuva. Armo a barraca em um degrau do barranco e o caiaque fica num degrau inferior. Será uma noite tranqüila, mas ao escurecer um barco vem fundear quase a meu lado e é uma barulheira só. Barulho de correntes, metais batendo no casco de metal... Saco!

09/09/05 Sexta Dia 83

Amanhece com trovoadas, um bicho estranho chegou ao lado durante a noite, parecia cachorro. Deu duas pancadas de chuva bem fortes. Aproveito a estiada para arrumar tudo e partir às 9 h. Ventos fortes do quadrante norte e fui seguindo pelo meio do rio para aproveitar a correnteza.
Vou seguindo pela manhã, almoço e sigo pelo lado argentino, seguindo junto de uma margem plana e baixa, cheia daqueles peixes mansos (grumatãs ou sábalos) que ficam com todo o dorso de fora da água. Tem uma graminha rala que parece um campo de futebol, parece um tapete verde.
Cheio de peixes, eles fogem fazendo alarde, dá para ver cardumes com mais de 20, é bonito de ver. Formam riscos na água ao fugirem.
Vejo muitos jacarés, são tantos que o maktub passa por cima de outro que estava submerso na lama e faz um rebuliço enorme.
Esse chegou a bater no barco, mas acho que não oferecem perigo, pois o que mais eles querem é fugir, além do que eles não são tão grandes assim, não passam de 3,5 m.
Resolvo encostar naquela margem plana e gramada para tentar filmar algum jacaré de terra ou mesmo estes peixes, contando ninguém acredita.
O que parecia terreno firme é um baita dum atoleiro ultra perigoso. O barro estava ao nível da água, mas quando eu desci, afundei acima do joelho e teria afundado mais se não tivesse me apoiado no caiaque. Tento levantar uma perna e afunda a outra.
Não houvesse o caiaque ao lado, teria ficado em maus lençóis, não teria conseguido sair dali. Parecia areia movediça e dava uma sucção violenta.
Bueno, fui pra terra firme e filmei os benditos peixes e um jacaré a mais de 300m, foi o máximo que consegui e assim mesmo ele foi para a água.
Almoço por ali mesmo, sentado no caiaque e com lama até os joelhos.
Sigo em frente e às 16:30 h vejo um jacaré metido a macho, só de olhos para fora e me encarando...
Qual é, seu mané? Vai encarar?
Pego meu punhal e vou na direção do chifrudo, encosto o caiaque um pouco mais adiante, desço, entro no rio pego o bicho pelo rabo e o tiro para fora da água.
Que baita macho!

Ah, esqueci de dizer! Estava morto, he, he!
Acho que morreu de medo do pelotão farroupilha!
Tiro fotos, filmo, vejo que sai água por um furinho no meio do crânio, acho que é por ali que sai o ar quando ele quer afundar sem se mover.
Não vejo ferimentos, mas morreu faz pouco, pois não está rígido.
Sigo em frente, e vou entrando em um bonito canal até encontrar local que não esteja ocupado por pescadores. Parei às 18:20 h, bem onde o canal faz uma curva, lugar bonito demais entre a mata nativa. Para variar, no lado paraguaio. Aproximadamente no km 1375, mais de 8 h remadas e 55 km.

10/09/05 Sábado dia 84

Esta noite, um bicho estranho rosnava aqui perto e outro respondia ao longe, sei lá o que era. Sigo às 9:15 com fortíssimo vento NE, no princípio tudo bem, mas o rio serpenteia muito e eu tinha que seguir pelo lado mais abrigado.
Numa curva rasa, vejo muitos jacarés (normal) eles fogem e eu passo. Só que um chifrudo se esconde na lama, mas eu posso vê-lo, pois onde ele está fica mais escuro na água barrenta.
O mané se desloca para a proa do barco e o choque é inevitável.
O boludo rabaneia e joga aquela água barrenta em nosso comandante. GRRRR!
- Volta aqui, seu boiola!
- Quero ver se tu gostas de remo nos chifres!
Se eu perder pra jacaré com menos de 3 m, troco de nome
!
Pelo mapa tem um atalho do outro lado, só não sei se tem passagem, saio do lado abrigado e tento o atalho, os pescadores fazem sinal de que no hay paso. Mierda!
Agora me ferrei, pois tenho que remar uns 3 km até a curva do rio sem proteção contra um violento vento de rajadas e ondas grandes.
- Senhores, todos a seus postos de combate!
- A peleia promete ser muito feia e quero todos atuando juntos, caso contrário seremos derrotados.
Logo fico encharcado, as ondas espirram com força, quase horizontalmente, parece cada vez mais forte e eu fico quase enlouquecido de raiva.
Faço uma forca dos diabos e começo a gritar cada vez mais alto:
- É só isso que tu consegue?
- É SÓ ISSO, SEU CORNO!
- Vou te mostrar que aqui no rio tu não mandas nada e corno de vento nenhum vai conseguir me deter.
Cara! Que raiva!
Duríssimas remadas contra as rajadas mais fortes que enfrentei até agora.
As ondas vêm com tudo, tenho que remar mais rápido, caso contrário, não consigo avançar. Estou espumando de ódio contra esse fortíssimo vento de rajadas. Vou contornando para bombordo os bancos de areia que só fazem dificultar mais ainda. Vejo uns pescadores limpando um jacaré que caçaram, por isto que os ditos cujos são ariscos.
Agora tenho que cruzar o rio para a Argentina, uma lancha que circula pelo lado abrigado segue ao sabor da correnteza, o cara fica só olhando aquela furiosa batalha de campanha, mas os lanceiros negros do Rio Grande estão enlouquecidos de ódio e vão perfurando o inimigo, seus corpos estão cobertos de sangue do inimigo abatido. Acho que vou dizendo um nome feio a cada remada enquanto tento chegar do outro lado e buscar abrigo no barranco do lado argentino.
Seu vento otário, seu otário pelotudo, boludo y otros udos mas...
Assim cruzo o rio, vento otário!
Quanto mais aproximo do abrigo, mais forte ele fica, aumentando meu ódio pelo corno até um ponto imensurável.
Tchê! Ou é o mês de Setembro ou essa região é de ventos muito fortes. Não houve um dia sem ventos fortes, apenas uma calmaria que durou apenas duas horas...
Do outro lado, vejo três jacarés empilhados sobre um tronco e outros que mergulharam rapidamente.
- Sai da frente ô bugrada!
- Não estou bom dos chifres e estou com tanta raiva que sou capaz de matar um jacaré a dentadas...
Paro junto a uma árvore tombada e que tem uma impressionante teia de aranha que parece formar um tecido semelhante a um véu de noiva...
Véu de noiva, aranha...
Até que combina, he, he!

No centro de tudo o mais incrível, uma bola preta de uns 15 cm de diâmetro formada por milhares de aranhas miúdas, pretas e avermelhadas.
Jacaré Aranhas Areia movediça
Tenho que filmar e fotografar, é super interessante!
O tempo está super estranho, surgem nuvens, o vento NE que me atacou e que agora está detido pelo barranco argentino agora mudou e está de SW, mais forte ainda e eu sigo para SW... CORNO!
Pessoal, esta é uma declaração de ódio mortal e irrestrito contra qualquer tipo de vento, seja ele favorável ou contra.
Eu odeio o vento com todas as minhas forcas.
Às vezes a raiva é tanta que se pudesse lhe fazer algum mal, por menor que fosse, eu o faria sorrindo!
- Hei vento, vem cá, quero te contar um segredo.
Ele se aproxima, desconfiado.
- Sabe, eu sei que tu vives por aí, como um louco rodando sem parar, procurando o teu pai que tu não sabes quem é.
- Após profunda pesquisa eu consegui descobrir. Foi difícil, mas ele mora na Grécia, um tal de EOLOS(Deus do Vento).
- Coitado, é chifruuudo!
- Tua mãe, dona VENTANIA é a maior “dadeira” que já se viu.
- Todo mundo a conhece e já ficou com ela...
- É por isto que tu tens um irmão em cada quadrante.
- Aquela tua namoradinha, a BRISA, é outra.
- Todos meus amigos já ficaram com ela...
- Duvidas?
- É só dar uma chegadinha na beira mar, dizem que ela vive rodando por ali...
- Deus me livre fazer fofoca!
- Seu CHIFRUDO!
- Comandante, agora o senhor pegou pesado, ele está se transformando num tornado...
- “Rodou a baiana”, nega?
- Eu sabia que além de tudo tu és um baita dum boiola, he,he...
- Senhor, assim ele vai ficar mais forte ainda!
- Não tem problema, eu quero que ele fique brabo também, só a gente com raiva não tem graça.
A verdade é que esse corno vai mandar quando eu chegar no mar, aqui o furo é mais embaixo.
Sigo em frente, praguejando contra o corno que agora é de SW.
Pior, tem uma curva para boreste, depois dela ele nos pegará de frente.
- Viu comandante, ele jurou que iria nos pegar na “saída”!
- Ele é grande, mas não é dois e vai cansar de nos bater e aí será a nossa vez....
Tchê, duríssimas remadas, avanço quase zero.
Desço do caiaque e aproveito que é praia e vou puxando o caiaque pela beira com uma corda. Puxo até que esteja certo de que do outro lado esteja abrigado.
Entro rápido no caiaque e vou atravessando as ondas furiosas que batem de través. Ele parece mais furioso e eu, encharcado, vou remando e gritando em voz alta:
- SEU OTÁRIO!
E assim enganei o corno e encosto de novo do lado Paraguaio e ali fico um pouco mais abrigado e xingo o otário, quero dizer, o vento, esse otário, he, he!
Acho que eu já pirei!
Passei por outro jacaré morto que boiava de barriga para cima.
Foram quase seis horas sem descanso nessa fúria que se transformou a viagem. Está cheio de acampamentos, quero achar um local para dormir, há nuvens ameaçadoras, vento e frio, estou encharcado e enraivecido e estes pescadores que parecem moscas, GRRRR!
Saco!
Paro às 18:10 h, estava remando desde às 12:45h. O local é irregular, metade da barraca num degrau e metade noutro, mas abriga contra o vento, é tudo o que eu quero agora. Tem uma pequena árvore que abrigará da chuva mais forte. Fechou o tempo!
Estou sem água, tenho que beber a do rio, coloco umas 20 gotas de hipoclorito, assim faço a granola e o kinojo. Ainda por cima aparece um pescador paraguaio podre de gambá, ele vem me cumprimentar e eu aperto sua mão com raiva, querendo esmagar-lhe os dedos, mas o chifrudo está tão gambá que nem sente. Fica ali, querendo puxar papo e eu querendo armar a barraca, pois escurece rápido. Deixo-o falando sozinho após despedir-me umas três vezes.
Só me faltava essa!
Foi uma noite cruel, dormi todo torcido entre as raízes, mas consegui dormir um pouco.

11/09/05 Domingo dia 85

Escrevi muito, são 08h51min, reativei o rádio e descobri que em B Aires fez 3.9 graus e sensação térmica de 2 graus.
Lembrei que na viagem do ano passado, de Floripa para a Guarda com o caiaque pequeno, nessa época, o vento era violento como agora.
A força do vento quase desanima, aqui está bom e abrigado, estou quente e protegido, mas eu vou em frente.
Acabo seguindo só às 10:25 h e já tenho o vento de rajadas logo na saída, nem pude aquecer..
É altamente irritante, mas eu não vou entregar os pontos, pode parecer louco, mas virou uma coisa pessoal.
Bem ou mal, essa loucura está me levando para frente nas piores condições que pode haver por aqui.
As ondas geladas são perfuradas pelo bico e é claro que o vento joga por cima de mim, me encharcando já de saída.
A rotina de fortes ventos, chuva, frio e almoço na lama
O interessante é que quando fico congelado, a mão e o braço direito formigam e, após um tempo, ao esticar o braço, dá tipo assim como que um choque no braço, bem desagradável.
Após uma curva a situação piora, pois ainda estava mais ou menos abrigado e agora pego as rajadas de frente.
Brody! Quanto mais intenso o vento, mais aumenta a minha raiva! Tenho que manter a mente quieta, a espinha ereta, mas o coração se recusa a ficar tranqüilo:
- GRRRR!
As remadas têm de ser mais curtas e mais rápidas para avançar contra as rajadas. Sigo a 2, talvez 3 km/h, não sei, mas o importante é que eu avance.
É uma dura batalha onde cada metro vencido é uma conquista.
Sem essa raiva que tenho, nem teria saído de muitos lugares, não teria sobrevivido a muitas situações desesperadoras.
Quanto pior fica, mais raiva tenho e assim sigo em frente.
Tento pegar abrigo por trás de uma ilha mas os bancos de areia “ajudam” e sou obrigado a desviar de novo, pelo lugar mais desabrigado.
Vejo a cidade de Pillar, no lado paraguaio, mas o destino é o destacamento Cano para boreste. Tenho que atravessar o rio e as ondas grandes prometem um belo banho gelado. Retorno por um pequeno canal depois de remar muito e parecer que eu não saia do lugar.
Vou ao destacamento, sou muito bem recebido pelo comandante Mesa, Viveros, Mendieta, Martinez, Orgulho, Farias e Frutos.
Eles insistem e aceito o convite para almoçar. Depois tomo um delicioso banho quente e Viveros vai comigo falar com os pescadores para que me atravessem para Pillar, quero dar notícias para a família pela internet. Assim deixo o otário do vento soprando sozinho e sigo amanhã, mais descansado e melhor alimentado.
Viveros conversa com Luis e Rodrigo que concordam em me atravessar no seu barco com motor de 4 HP para o Paraguay.
A prefectura naval Argentina foi uma agradável surpresa, pois sempre fui bem tratado, quantas vezes cheguei congelado e tive a sorte de tomar um banho quente e dormir em um colchão, abrigado do vento e da chuva?
Isso recupera o cara e devolve a moral para seguir em frente. A toda a Prefectura Argentina o meu muito obrigado, de coração!
Sigo com Luis e na travessia as frescas das ondas ainda me acertam. Sorte delas que não desatei em palavrões, pois agora tem testemunhas, he, he!
Chegando na city, uma morena (morocha) linda demais, estilo Malu Mader me deixa tão abobado que esqueci o que ia perguntar, tenho que improvisar:
- Hola, estoy recorriendo por todos los sitios de América y te lo agradesco por mostrarme o lo que buscava...
- ¿Y que buscavas?
- La futura madre de mis hijos!
Ela sorri!
Estou apaixonado!

Bueno, sigo para a internet que só abrirá às 16 h. Então sigo para um bar, quero tomar algo quente para esquentar. Tomo um café quente, dois pastéis quentes, mas não resisto e acabo tomando um sorvete depois de tudo.
Quando chego em algum lugar, nunca penso em comida, o que mais tenho vontade de comer é sorvete, não sei porque! Pode estar até gelado como agora.
Às 18h30min volto para o porto onde Luis me espera, ele ainda sorri do que eu falei para a morocha que não vi mais...
Na prefectura o pessoal é muito gentil, todos se espantam com o tamanho da sucuri, realmente impressiona! Eles colocam tanta comida no meu prato que quase não consigo comer tudo. Depois assistimos a um filme legal e vou dormir. Lá fora está um frio dos diabos.

12/09/05 Segunda dia 86
Parto da prefectura (km 1330) às 09h40min, é muito frio e pra ajudar...O vento.
Contra é claro!
Nariz escorrendo como torneira, de calção, não demora e fico congelado. O vento parece cortar a pele exposta, mas não está morto quem peleia.
Pelo menos parece estar mais fraco que ontem. Atravesso para o Paraguai onde está mais abrigado. Tenho que viajar com a touca de neoprene, pois assim não perco muito calor. O barranco é mais alto agora, formado por aquele barro cinza e grudento, ele é muito perigoso, só jacaré para se dar bem naquilo.
Vou remando até o meio dia e paro para almoçar sentado no caiaque com as pernas mergulhadas no barro. O pão está velho e se esfarela, um casal de cardenillas se aproxima a menos de 1 m e se deixa fotografar e filmar na ânsia de comer as migalhas.
Cardenillas Cemitério desabando no rio Bermejo
O pão está meio esverdeado, mas devido a escassez de alimento, aplico a lei de Lavoisier:
- Nada se perde, tudo se transforma!
Fora o dito popular, aplicado ao pé da letra:
- Se não mata, engorda!
Até esqueci do frio, distraído com a beleza e a falta de medo dos cardeais.
Sigo em frente por um bom tempo até avistar um cemitério bem na margem, lembrei do livro “Enterrem meu coração na curva do rio”, que fala do massacre dos povos indígenas americanos pelo exercito americano... Índio bom é índio morto!
Este cemitério está condenado, pois está na curva do rio que vai retirando o alto barranco. Algumas tumbas já caíram.
Ali é o povoado de Bermejo (km 1310) e tenho que avisar a prefectura de que estou passando. Aviso Fleitas de que vou em frente e que vou dormir antes da próxima prefectura. Aproveito para filmar e fotografar o cemitério enquanto o vento fica cada vez mais forte. Só que ele não mete medo nas tropas farroupilhas que já estão acostumadas com ele e sabem pelear com o dito cujo.
Caramba, há ventos fortes desde o dia 31/08, são quase 15 dias, vai se....
Vou remando contra o chifrudo por longas 3 h e começo a buscar local para dormir.
Barra pesada, quase não tem local abrigado e nos poucos que são abrigados, lá tem acampamento de pescador paraguaio...Saco!
Parecem moscas, tem por tudo, estou estressado e fico com raiva de haver tantos pescadores, pois gosto de dormir onde ninguém saiba para evitar encrenca, mas é impossível, sempre tem um xereta em roda.
- Ô palhaço, os caras sustentam a família deles, deixa de ser otário!
- Eu sei, mas não gosto mesmo assim.
Achei um local digno de um conto de terror; lama visguenta, curva de rio, rachaduras indicando que vai desabar no rio, barranco meio alto e terreno úmido e irregular. As poucas árvores que havia estão caídas no rio. A única coisa favorável é que abriga desse viento sin padre. Quero ver os paraguaios acamparem aqui!
Fiz uma força meio que desesperada para puxar o caiaque, pois as pernas afundavam na lama. Tive que colocar uns paus na lama para poder firmar os pés e fazer força.
Ainda por cima os xeretas dos pescadores fazem questão de passar perto para observar “discretamente”, como um elefante branco!
Termino de arrumar tudo já no escuro. O chão está cheio de caroços, é úmido, mas não tenho saída, adiante não teria mais abrigo contra esse vento. Coloco a roupa seca, faço uma sopa quente e vou para mais uma noite de faquir.

13/09/05 Terça dia 87

São 09h05min, está um “lindo“ dia de inverno, vento forte, nuvens baixas, vento forte e frio, nuvens polares vindas do sul e eu me preparando para entrar na lama e na água só de calção e seguir em frente. Faltam cerca de 50 km para chegar à foz do R Paraguai.
Ali me despeço do Paraguai que encontrei lá em Guaíra, foram uns 1200 km contornando o país, sentirei saudades!
O casaco impermeável rasgou e fiz um conserto com fita adesiva. Desço na lama, tenho que me lavar na água gelada, bota frio nisso!
Viajo com a touca de neoprene de novo. Descobri que dormi ao lado da cidade de Humaitá, Paraguay, km 1290. Ali tem uma ruína jesuítica bem próxima da margem, é bonita, parece com as de Santo Ângelo, RS e ao lado dela tem uma igreja amarela.
Sigo em frente, mas o vento vai aumentando de intensidade e vou seguindo pela margem paraguaia após uma sucessão de curvas. Paro junto a um enorme barranco amarelado que desabou e tapou a lama cinzenta. Isto me convence a parar ali para almoçar, pois não estava a fim de descer na lama cinza que ali não havia.
Como sentado no caiaque, um pouco desabrigado do vento frio.
Sigo em frente, remando rápido para acabar com a tremedeira. Ainda bem que a capa protege as pernas do vento gelado.
As margens têm bastante árvores de reflorestamento que abrigam um pouco do vento. Às 16h40min cruzo o rio para o destacamento do km 1266.
Saí, o vento bate em cheio, Converso com o comandante Luna e Cardoso e eles perguntam se não fico resfriado pois eles estão cheios de casaco e eu de calção.
Gozado, nunca fico resfriado em viagens assim, por mais frio que passe.
Basta estar em casa e pego gripe das brabas a qualquer ventinho, mesmo cheio de casacos.
Sigo em frente e recuso convite de dois pescadores para tomar mate ou passar a noite em seus acampamentos.
Para evitar confusão e bêbados, prefiro ficar só.
As nuvens estão azuladas, acho que vem chuva. Resolvo parar antes em um local entre as árvores de reflorestamento (17h40min). O vento sul não penetra entre as árvores, a margem é mais baixa, mas não estou livre daquela lama. Arrastar o caiaque para o seco é uma dificuldade e limpar as pernas para dormir é outro problema.
Estou congelado e armo a barraca bem na hora em que começa a chover. Estou bem melhor instalado que ontem, apenas o chão é bem irregular.
Faço uma sopa para descongelar, coloco roupa seca e escuto um pouco de rádio. A noite foi bem movimentada, com vacas pelo mato fazendo um barulhão desgraçado, muitas trovoadas, relâmpagos e chuva forte que passava rápida; fora o vento forte que açoitava a copa das árvores.

14/09/05 Quarta dia 88
Tchê, que frio! Que dia feio!
Vento forte de SE, nuvens cinza claro e escuro. Estou próximo do km 1258, faltam 18 km para a foz do Rio Paraguay.
Não fosse estar muito bem abrigado do vento, estaria muito mal. Sensação térmica em torno de 3 graus.
Muito cruel! Estou sem ânimo de partir, ninguém merece!
Colocar calção, lama, lavar pernas na água gelada...
Congelar, remar contra o vento...
Pior, o tempo está fechando, escuto as trovoadas, ainda vem chuva...
Agora virou covardia!
-GRRRR!
Bosque de alizos Estes bosques são plantados para evitar a erosão das margens A foz do Rio Paraguay no Rio Paraná
Aí já é sacanagem, estava procurando o senhor Ânimo, que se escondera em algum canto da barraca, mas agora ele que fique por aí, vou em frente.
Os bugios estão aqui em volta; quando os machos não roncam, as fêmeas emitem um som parecido com um assobio.
Vejo sabiás laranjeira e algumas pombas.
Mal termino de arrumar tudo e começa a chover. Parto só às 11 h e sigo para S-SW, vento contra fraco.
Prefiro ficar aqui, no campo de batalha seguindo para frente a ficar quentinho dentro da barraca.
Longas retas e duas horas depois avisto o destacamento argentino bem na ponta direita da foz do R Paraguay.
É o fim de mais um sonho realizado, estou muito feliz!
Ali me despeço do Paraguay este país de bela gente, alegre, hospitaleira e amiga que contornei por cerca de 1200 km.
Em um dia que tinha tudo para ficar na barraca dormindo, realizei mais este sonho. Estou feliz de ter feito estes 440 km a mais pelo rio Paraguay, valeu a pena.
Desde Asunción o rio é barrento, mas perto da fronteira com a Bolívia (Pantanal), onde o cruzei de moto, suas águas são cristalinas.
Aqui perto, em Paso de La Pátria morreu o General Neto em conseqüência de um ferimento durante a Guerra do Paraguay. Este general foi o mais valente de todos na campanha dos Farrapos contra a monarquia no Brasil. Foi um dos poucos que não assinou o tratado de paz com os imperialistas.
Estar navegando em terras distantes, onde lutaram e morreram meus conterrâneos me faz sentir mais perto do meu Rio Grande do Sul.
Paro por 15 min para comer algo. Disse aos da prefectura que não daria para chegar hoje em Corrientes, mas acontece que o vento parou, a corrente do R Paraná é forte e o Tenente Issi resolveu chegar hoje. Assim, ficarei amanhã em Corrientes escrevendo o diário na Internet.
Vejo Paso de la Pátria (Argentina) do outro lado, aonde cheguei de noite, com frio. Lembram da olaria?
Sigo em frente, são 32 km que já fizera, só que hoje o vento parou, parece que ficou no R Paraguay.
- Soldados, o inimigo enfraqueceu, preparem a carga de cavalaria, chegou a nossa hora!
- Vitória!
Chego às 17:30 h em Corrientes, quando iria imaginar que faria 50 km saindo só às 11 h?
Como é bom ganhar!
Saí daqui na noite de 31/08 e retorno hoje, dia 14/09, a vida dá voltas...
Faço uma figa para o vento que perdeu esta batalha, YES!
Sony ajuda a tirar o caiaque da água. Vou na prefectura, eles ligam para Miguel, o que me levou para P.Pilcomayo em sua van.
Vamos na casa de Alfredo e sua esposa Monica, prepara uma deliciosa janta. Marcela e Gaston, hijos de Alfredo, Mari, sua irmã e Frederico seu filho. Olga e Miguel.
Que delicia estar ali, cenando e tomando vinho com amigos tão especiais que acabei de conhecer e que são tão encantadores. Obrigado amigos.
Monica fez milanesas de carne e de galinha, saladas, arroz e estava riquíssimo (saboroso demais).
Alfredo abre uma garrafa de um vinho que é um espetáculo.

15/09/05 Quinta dia 89
Acordo cedo, tomo mate com Miguel e depois vou na Internet, sei que vou “mofar” por ali.
Foram 9 h direto, não consegui terminar, Miguel apareceu aqui, trouxe um sanduíche e se foi, baita amigo!
Vou com ele e Alfredo em uma reunião de moradores com o vice-governador do estado de Corrientes, “Bóton” Galanttine.
Ao final, Miguel e Alfredo me apresentam ao vice e às pessoas presentes, eles me aplaudem e fico sem jeito.
Volto para a Internet, mas não consegui terminar, peço ajuda a Victor para salvar o texto, ele se interessa pela viagem, tem uma página na Internet http://www.angelesodemôniostv.com/ , altas gatas, ele é fotografo, é um trabalho desgastante, fotografar altas gatas em trajes sumários ou sem eles...
Ele quer fazer uma matéria, combinamos para amanhã de manhã.
Volto para dormir na casa de Miguel, termino de atualizar meu diário e vou dormir já passando da 1 h da manhã.

!6/09/05 Sexta dia 90
Tomo um mate com meu grande amigo, Miguel.
Sigo meu caminho, ficamos de nos rever pelas estradas da vida.
Vou na Internet, encontro Victor, venho aqui em sua casa. Agora são 11:51 h, a mãe dele, señora Ivis (Ramona) é muito legal. A matéria só será feita às 18 h então ficarei mais um dia e parto amanhã.

E-Mails recebidos:
E AI BRODY !
Estamos com saudades , apesar da comunicação eletrônica . Esta tua aventura , graças ao Bill Gates , está diferente porque nos todos , teus admiradores e torcedores pelo sucesso da viagem , a cada dia que abrimos o E Mail, é como quando se abre o jornal , sempre se procura a parte mais interessante 1º , ou seja , os teus relatos . Existem mais pessoas acompanhando que tu nem conhece, todas com inveja de ti . Por isto não é a opinião de alguém que poderá abalar a fibra de um farroupilha nos seus ideais e sonhos. Estou repassando os teus relatos para vários colegas e até para um ciclista aventureiro que conhecemos la no Morro da Igreja em Urubici. Lendo tua relação com teus amigos jacarés , parece ser muito perigoso , mas acho que ai estás mais seguro pois todos ( tu e os cascudos ) se respeitam e cada um fica na sua , já não é o que ocorre aqui , é só más noticias e insegurança. Carinha, tenho que ir atrás da bijuja . Agora são 14h e 30 min e tenho que ir para a Baltazar ate as 20 h . A noite volto para cá pois tenho cirurgia as 21 h . Um abração Paulo

Fiquei preocupada com teu desânimo... que é isso, companheiro?...Não dá pra dar nenhum espaço para o pessimismo, não. Te digo isso de cadeira, depois de anos me tratando de depressão... Depois de muito apanhar com o “choque de retorno” das minhas próprias atitudes negativas, aprendi que o que vale mesmo é a gente realizar nosso sonho, é a gente dar espaço para a Vida pulsar em nós mesmos e lutar pra construir este sonho... é nessa luta que está a graça da Vida, e o nosso tributo a ela própria.Não desiste não, André. Tu já enfrentou coisas bem piores e venceu. Acredita que vai dar certo e isso vai ter um poder imenso de alavancar e por em marcha teus planos. Sugestão: faz uma lista dos prós e contras este novo projeto de viagem; analisa quais os “contra” que nascem em ti mesmo e quais vem de fora, do preconceito e descrença dos outros; faz o “noves fora” e decide ouvindo teu coração. Isso pra mim tem valido muito e funcionado... . Tu já vem fazendo isso na tua Vida há muito tempo, desde que “te conheço por gente” e serve como um bom exemplo pra mim e muitos outros, portanto só desiste se teu próprio coração te indicar essa direção. Desculpe o falatório... Manda notícias, por favor. Por falar nisso, minhas filhas estão curiosas pra ler teus diários, tal a propaganda que fiz... Posso liberar pra elas e pra Doroty? O que tu achou da “capitcha” que eu fiz pros teus diários? Beijos. Força e Luz! Kim.
Tudo bom André, como estão as coisas por ai, e aquela cobra? Vc não ficou com um pouco de medo, se tu não ficou eu fiquei ( hehehehe ), e aquela vela que nós fizemos está funcionando, espero que sim, vc está passando por maus bocados né, estou torcendo por vc, e quando chegar por aqui não esqueça dos amigos, um grande abraço de seu amigo Henrique.

E aí querido! Estive em Porto uns dez dias e por isso não tinha lido meu livro de aventuras favorito (teu diário de viagem) . Hoje, fiquei botando a leitura em dia e como sempre me diverti muito.Além do que lendo sobre os lugares onde passas e as aventuras que narras fico enxergando o homem,além das palavras,teus motivos,tua sede nunca saciada de liberdade,porque quando chegas ali...queres sempre ir mais além,até a próxima curva do rio, até o próximo rio...até o mar e mais adiante.Isso me traz uma compreensão maior deste meu amigo aventureiro.Torço sempre por ti e embarco de carona nesta tua aventura e curto junto a tua emoção. Um abração e um beijo da "sogrinha"
Dinair

É isso aí meus amigos, aqui encerro mais um capítulo desta novela. Agora vou responder os e-mails que não tive tempo, é o que mais gosto de fazer quando chego em algum lugar, eu me sinto mais forte pelas palavras de apoio de vocês, muito obrigado e até a próxima, um abraço,
André!

DE CORRIENTES ATÉ ESQUINA
16/09/05 Sexta dia 90 Corrientes
Depois que saí da casa de Miguel fui na casa de Victor. Passei o resto da tarde com sua mãe e sua tia, Internet e mate doce com elas, estava legal.
Victor aparece às 18 h e vamos de moto até a casa de Daniel, apresentador do programa Angeles o Demônios, na tv.
Dali seguimos para a praça central de Corrientes e chega Waco.
Miguel e Alfredo Victor e Ramona Victor, Waco e Daniel Jovens Correntinas

Eles entrevistam os jovens e perguntam basicamente o que eles acham da primavera e o que pensam sobre as “cantadas” (piropos, em espanhol). Era divertido de ver as gurias e os estudantes respondendo as perguntas e a alegria deles era contagiante. Waco e Daniel entrevistavam e Victor filmava. Depois Daniel me entrevistou e Victor filmou com a câmera profissional e com a minha, ao mesmo tempo. Foi uma noite diferente e adorei estar ali com eles, vendo realizarem seu trabalho.
Alto astral. Depois fomos na casa de Daniel e ali eles analisaram o que foi filmado e o que deverá ser feito a respeito de edição.
Fui dormir na casa de Victor, comemos um assado em companhia da mãe dele e de sua namorada. Depois ele foi filmar pela noite.

17/09/05 Sábado dia 91
Tomei um mate com señora Ramona, peguei um táxi e fui para a prefectura. Victor aparece na hora que chego, o coitado nem dormiu e vem se despedir e tirar fotos da partida.
Despeço-me dos amigos e parto às 10h40min e dali sigo para a ponte que liga Corrientes a Resistencia.
Victor tirando foto do alto da ponte Aquele “ponto” sou eu visto do alto da ponte
Lá em cima estava Victor que foi de moto e tirava fotos, dou um último adeus para meu amigo e sigo pelo meio do rio.
Sigo em frente, sem saber que direção tomar, pois agora é como não ter nada, meu mapa é rodoviário e não dá detalhes.
Rodrigo, do Asterix me enviou um, mas também é rodoviário. Mesmo assim obrigado, valeu a força Rodrigo!
O vento fica mais forte, de rajadas. É um SW, bem contra meu rumo, menos mal que a correnteza ajuda um pouco.
Sigo adiante e vejo um enorme pássaro morto na entrada de um riacho. Paro ali para descansar e observo um casal de lontras brincando entre os galhos sobre a água. Ali está mais abrigado do vento
Bueno, percebo também que a correnteza não sai do riacho, pelo contrário. Então isso aqui deve ser um caminho do rio e que deve cortar caminho...
Mesmo sem ter certeza resolvo me aventurar por ali.
Logo adiante, um enorme jacaré está sobre a areia na saída de um córrego e o melhor é que poderei filmá-lo, pois não foi para a água. Tiro a filmadora do compartimento, ligo e quando vou filmar o bicho não é que vem duas lanchas e o espantam?
- P.q..p... É brincadeira!
Não passa barco há horas e justo quando iria filmar e fotografar um jacaré de jeito, passam esses boiolas? Vão se ralar!
Paro para almoçar numa praia de lama onde antes estava outro jacaré. É um inferno de maruins (bariguis, em espanhol) que não dão folga.
Sigo em frente, alguns jacarés dão violentas rabanadas antes de mergulhar, o canal está cheio deles.
Um dos jacarés ficou furioso e deu umas cinco rabanadas entre os aguapés. Jogou pedaços de aguapé, lama e água.
Acho que o corno tá querendo briga. Meu plano é enfiar meu punhal matador de sucuris pelo nariz dele, se ele deixar, é claro, he ,he!
Estes daqui são mais ferozes e maiores que os do rio Paraguay, passei ao lado de uns capins flutuantes e havia 3 jacarés, um ao lado do outro.
O vento ficou muito forte e minha proteção neste belo canal acabou às16:15 h.
A margem esquerda me protege mais ou menos e altos barrancos surgem ao longo da margem, eles tem entre 15 a 20 m de altura.
Inúmeras lanchas e barcos de pesca estão por toda a parte; eles ficam onde tem mais correnteza.
A briga de todos é pelo Dourado, El tigre del rio, como está escrito em um dos barcos.
O final de tarde chega e resolvo acampar ao abrigo dos barrancos, ao lado de uma cerca e sob uma pequena árvore. Fundo de areia. Coloco o abrigo para armar a barraca, do contrário não daria, pois hordas de mosquitos e maruins atacam sem dó. São 18:30 h, sete horas e meia de remo e não consegui chegar a Empedrado. Não estou a fim de viajar de noite e meu astral não está legal, estou meio desmotivado!
Li os relatos da viagem de meus irmãos de Rosário (http://www.rosário-rio.com/), aquilo sim é que é coragem, enfrentaram o mar e as ondas como se fosse um brinquedo e para mim é quase uma barreira intransponível. Se eu conseguir ter um décimo da coragem deles, acho que dará, mas eu acho que o meu destino está marcado para quando lá chegar e acho que por isto meu astral não anda bem.
Acho que estou me aproximando do fim da estória e sei que eu não vou desistir sem tentar, aí poderá ser tarde...
- Te pára índio véio, não me faz te pegar nojo!
- Parece um boiola cagão!
- Deixa que na hora do “pega pra capa” o xirú aqui assume o comando das rédeas.
- Se as ondas vierem por cima, “nóis se abaixemu”:; se vierem por baixo, “nóis pulemo”!
- E se vierem pelo meio?
- “Nóis se estrepemu”!
É brody, acho que por isto estou meio Down!

18/09/05 Domingo dia 92
Hoje faz três meses que sai de Brasília, foram mais de 2800 km.

Amanheceu com sol, faz frio, mas logo vai esquentar. Coloquei uma sopa no kinojo e logo vou sair.Parti às 9:20 h com fraco vento contra.
Sigo entre inúmeras lanchas com pescadores, muitos deles vem do Brasil em busca de dourados... Êta peixinho caro!
Os barrancos são de uma beleza a parte, pois a erosão forma quadros incríveis de lindos, ressaltados pelos raios de sol e pelas diferentes cores dos barrancos.Vou seguindo entre lanchas, ondas que se formam contra a correnteza e ilhas. Fora o vento contra, é tudo muito lindo; o cara pensa:
- Ah, são 4000 km de rio, tudo igual!
Pelo contrário, a paisagem sempre mudando, sempre vendo coisas diferentes, tudo lindo demais. Cada por de sol é único, noites de lua, tempestades e até o corno do vento... Não, menos o corno boiola do vento!
Esse é meu inimigo e sei que ele estará esperando no mar para se vingar das derrotas que está sofrendo por aqui. No mar, a vez será de Eolos e Netuno, fora a mãozinha de Thor. Vou precisar de todos meus Santos para ajudar.
Será que influi negativamente o fato de eu ter rodado na catequese?
Vocês já viram alguém rodar na catequese?
Foi a primeira vez que pensei em suicídio, repetir catequese...
Ninguém merece!
Após quase 2 h, paro para descansar e comer um punhado de amendoim e filmar os barrancos.
Sigo em frente e meia hora depois chego a EMPEDRADO (km 1140) ali está Daniel (da prefectura) que faz sinal para que eu pare depois de um trapiche de ferro. Ali tem um cara da prefectura em roupas civis metido a bacana que vem gesticulando os braços e a cabeça em sinal de reprovação por eu não estar utilizando o colete.
Nem me cumprimentou, não gostei dele e respondo no mesmo tom. O palhaço está querendo aparecer (às minhas custas) porque surgiu muita gente para olhar o caiaque.
- Meu colete é o caiaque, digo enquanto bato com a mão direita no Maktub.
- Com o colete fui para o fundo e quase morri nas corredeiras, o que salvou minha vida foi o caiaque e não o colete!
Ele fica quieto e eu sigo com Daniel para a sede onde eles oferecem de tudo, desde hospedagem, se quero comer algo, etc. Os caras são gente fina demais mas resolvo prosseguir, pois tenho andado muito pouco, estou fora do ritmo.
Meia hora depois vejo uma placa que diz: comedor para todos os pescadores.
É a pousada Costa Del Sol e vejo um grupo almoçando. Pergunto se é privado e ele responde que sim.
Faço meia volta, mas Oscar vem atrás, percebe que estou viajando e me convida para almoçar com eles.
Ali tem um grupo que é do Rio Grande do Sul e os caras são muito legais. Edvalt, Tobias e Chiquinho, de Caxias e de Venâncio Aires, eles organizam excursões de pesca em um luxuoso ônibus (Pescabus) para a pousada de Oscar que me apresenta sua simpática família, D Magdalena e seus filhos, Samuel e Viviana. Oscar diz que estou realizando seu sonho (assim como meus irmãos de Rosário realizaram o meu). Comi uma deliciosa feijoada, o pessoal diz que o Grêmio ganhou a primeira partida pelas semifinais do brasileiro e dá passos grandes para sua recuperação.
Mostro as fotos da sucuri para todos e todos se espantam, assim como eu ao ver os enormes peixes que eles pescaram, um enorme dourado de uns 10 kg e um outro, parecido com bagre chamado Patí, de uns 20 kg.
Está muito agradável ali e vou ficando. Acabo partindo só às 15:30 h mas valeu, foi muito bom para melhorar o astral.
O vento SW aumentou, mas os altos barrancos protegem razoavelmente. Estou com os braços doloridos e não dá para fazer muita forca. Acho que estes dias de vento contra me deixaram mais fraco ainda e não está muito fácil de seguir em frente.
Depois de 2 h acabaram os altos barrancos. A margem ficou mais baixa e posso ver a mata nativa, o que me agrada muito mais pela presença de pássaros.
Algum acampamento de pescador aqui, outro acolá, mas não tantos quanto no rio Paraguay. Está repleto de bons lugares para passar a noite e isso me tranqüiliza um pouco.
O vento aumenta, mas penetro em um lindo canal onde fica bem abrigado do vento. Vou em frente e resolvo parar às 18:30 h antes que termine a proteção do canal. O lugar é lindíssimo, o rio está que é um espelho e os peixes dão rabanadas na superfície em busca de alimentos. Posso ver os cardumes, é muito peixe...
É um lugar bucólico e que transmite segurança. Armo a barraca no alto do barranquinho enquanto um sem número de pássaros canta em volta ao final do dia. Para completar, um por de sol maravilhoso. Naveguei apenas 5:30 h, mas valeu pelos novos amigos.
19/09/05 Segunda dia 93
Manhã fria de 5 graus (escutei no rádio), pássaros cantando, muito peixe saltando e ausência de vento... Nem acredito!
No rádio diz que é S rondando para SE, mas aqui não tem, show!
CIRURGIA
Resolvo fazer uma pequena cirurgia gaudéria, pois tem um chifrudo bicho de pé no meu “garrão” (calcanhar).

Meu bisturi é o punhal esterilizado a cuspe RRRTT!
Tirei o corno no seco e o espremo entre os dedos pra aprender a não fazer casa em garrão de guerreiro farroupilha. - Ala pucha tchê!
Tem que enfiar o punhal de ponta ao lado do bicho e seguir cortando a pele em roda, daí é só remover a bolota amarela onde vive e mastigá-lo! Arg!
Agora, que é muito ardido é!
Joguei uma rifocina por cima, mas o barro da margem tomou conta do buraco feito...
Bueno, ele que se cuide, em peleia de campanha cada um por si, até fiz muito.
Acabei partindo só às 10:36 h e logo saí do canal. Forte correnteza favorável e sem vento, hoje eu vou longe...
As dores nos braços diminuíram, acho que estava detonado pelo esforço no R Paraguay.
Sigo para W, com fraco vento S e uma hora depois estou passando pela placa do km 1114, estou há 5 km das ilhas Lauretti, onde o rio fará uma curva para o sul, até posso vê-las, mas resolvo entrar em um pequeno riacho para pegar água e ali descansar.
PERDIDO NOS ESTEROS
Recém são 12 h, o lugar é lindo e resolvo almoçar num barranquinho, sentado no caiaque.
Enquanto almoço, um lindíssimo pica pau, todo preto, cabeça e topete vermelho, uma linha amarela em volta dos olhos e um pequeno triangulo branco no dorso, vem batucar no tronco podre quase a meu lado. Pego a filmadora e vou seguindo o corninho pela mata, de pé descalço.
A correnteza penetra no riacho em vez de sair no rio; deve ser um atalho, penso eu. É bem estreito, deve ter uns 10 m no máximo, mas é lindo, cheio de pássaros e margeado por salgueiros e mata nativa.
É super abrigado do vento e a superfície está coberta de uma penugem branca que cai dos salgueiros. Vejo um sem número de pássaros silvestres, aves aquáticas e até mesmo um solitário papagaio de cauda vermelha sobrevoa olhando para mim, show!
Os bugios arrotam, digo, roncam ao me observar das árvores altas mais ao fundo. O lugar está cheio de jacarés cinza e maiores que os pretos do rio Paraguay. Eles são brabos e chicoteiam os aguapés antes de mergulhar.A cabeça deles é bem maior!
No Way Out (ultrapassando capim e aguapé) Jacaré Ariranha comendo peixe
- Brody, esse negócio está meio estranho...
- Deixa de frescura, eu não vou voltar contra a correnteza!

Não consigo filmar os jacarés, quando os vejo, já estão entrando no riacho; alguns devagar, outros com estardalhaço. Um deles, que não vi, formou ondas grandes...
Eles são muito rápidos e sempre me percebem antes que eu os veja.
Árvores caídas, camalotes e capim flutuante vão criando dificuldade para avançar, deixando apenas sinuosos estreitos.
Mais um pouco e tenho que embalar o caiaque para cruzar sobre os camalotes, pequenos aguapés e capim flutuante.
- Tchê, que m.. é essa?
- Essa droga está fechando, estou “comendo” aranhas e milhões de insetos que vivem nessas folhas de aguapés...
- O caiaque está todo cagado de barro e bichos...
- Te pára de frescura, tu não vês que a correnteza continua?
- Eu que não vou voltar contra a correnteza e passando de volta sobre esse monte de capim que me caguei todo remando por cima!
- Merda, eu tenho certeza que vamos nos ralar e não encontro ninguém para falar.
Os aguapés me obrigam a remar sobre eles, às vezes fico meio preso, mas vou passando. Quase que só vejo aguapés e capim, passo sobre troncos e duas horas depois tudo parece terminar.
Desço do caiaque, pego o facão e vou explorar a pé.
Acabou!
Só vejo um banhado em frente, um estero!
Serão entre 20 a 30 km jogados no estero...
- P q p!
- GRRRRR!
- Agora, de castigo, vais voltar tudo de novo até o R Paraná e sem descanso!
- Quero te ver passares sobre aqueles camalotes contra a correnteza, seu babaca!
- Otário!
Será a primeira vez que eu vou voltar na viagem, menos mal que o lugar é lindo.
Faz de conta que é um passeio pelos esteiros dentro da viagem.
- Tu diz isto porque não é o teu traseiro que está pegando fogo!
Pior de tudo é que o dia estava bom e teria andado muito se permanecesse no rio.
Bueno, faz parte!
Beijando boca de aranha e aparando pé de aguapé, fui retornando e olhando para a cara dos bugios que parecem rir.
A jacarezada, que tinha retornado para a margem, tem que se atirar de volta no rio:
- Sai da frente bugrada, he, he!
É cedo ainda (15 h), dá para voltar de dia.
Tchê, vi um tronco enorme sobre um barranco, só que brilhava!
Era o jacaré que fez ondas grandes... Acho que tinha uns 4 a 5 m,parecia um crocodilo. Era tão comprido como parecia ser gordo. Fez a volta e entrou na água bem onde eu teria de passar. Pela primeira vez fiquei receoso, o bicho era muito grande!
Fui em frente e quase chegando no fim encontro caçadores...É sempre assim, só encontra ajuda quando não mais precisa!
Às 17 h cheguei de volta no R Paraná, pelo menos está calmo, sem vento e com forte correnteza favorável.
No mínimo, teria feito entre 50 a 60 km hoje.
Azar, valeu ter andado por um local tão bonito!
Avisto dois jacarés no barranco, consigo filmar e fotografar um jacaré vivo, aleluia!
Em seguida filmo uma lontra comendo um peixe entre os galhos, bem próximo do jacaré.
As “porpa” do traseiro estão querendo amotinar-se, mas todos estão de castigo pela burrada e assim prossigo sem parar até às 18:30 h.
Foram 5:30 h direto!
Parei em um local onde tem uma pequena praia, uma área limpa entre árvores nativas e que deve ser muito utilizada por pescadores. É bem abrigada do vento e repleta de pássaros silvestres, gaviões e urubus.
Estou aproximadamente no km 1100, ao lado das ilhas Lauretti.
Filmo o por de sol e vou para a barraca.

20/09/05 Terça dia 94
Hoje é dia da Revolução Farroupilha!
Mitificada por alguns e desmitificada por outros. O que interessa é o legado de bravura e brio de um povo que lutou até onde pode e mais além; de atos heróicos e ideais de liberdade.
Não interessa se perdeu ou se ganhou: há derrotas que são verdadeiras vitórias.
Com certeza a nossa revolução nos enche de orgulho e é cantada em prosa e verso nos galpões de estância e nas escolas.
Parabéns Rio Grande do Sul!
Hoje o pai faria aniversário, abraço no espírito veinho!
Amanheceu com névoa, a lua cheia permanece. Escuto os pássaros e o ronco dos bugios. Nesta noite escutei as capivaras se atirando no rio com estardalhaço. O dia está maravilhoso, canto de pássaros e rio calmo pleno de sol. Desde Corrientes a paisagem é assim, muito bonita e cheia de natureza.
Cada lugar onde passo a noite, convida a ficar uma semana.
Parto às 9:20 h e pouco adiante penetro em outro canal lindíssimo, vejo bugios, jacarés e algumas lanchas de pescadores.
O canal tem uns 50 m de largura e matas nativas em ambas as margens.
Estou eufórico, filmo um pouco ao sabor da correnteza e resolvo remar para ver se o dia rende, afinal ontem foi um dia perdido, apesar de ter remado quase 7 h.
A ilha da direita é comprida e após 1 h já não vejo pescadores, casa, sinal de civilização...
PERDIDO DE NOVO... MANÉ!
Será que estou seguindo a correnteza na direção de outro estero?
Entrar em lugares assim, sem mapa, é um tiro no escuro.
Tu não ficas seguro e muda de humor aos poucos. A correnteza é mais forte que ontem e se tiver que voltar será muito difícil...
As margens estão altas, isto não parece ser uma ilha, parece um canal...
- Volta cara, nós vamos nos ralar de novo!
- Vamos só até a próxima curva, de repente ali termina essa ilha. Talvez um barco, alguém pescando na margem...
- Então vamos remar só 1,5 h. Não achando nada, vamos retornar!
Vejo um jacaré atravessando o rio bem na minha frente, parece não me ver.
Tenho tempo de ligar a filmadora mas a correnteza vai me jogar contra uma árvore semi submersa. Sou obrigado a remar e o jacaré mergulha...
- Merda, que droga de tudo, deste caiaque que não mantém o rumo, dessa droga de canal, de não ter mapa, não tem ninguém para perguntar e por eu não saber se volto ou se sigo em frente...
Pronto, lá estou eu, sozinho berrando alto toda sorte de palavrões até ficar rouco, agora é bom não ter ninguém por ali mesmo...
Paro de berrar, vi algo brilhante se movendo numa curva ao longe, com certeza é um barco.
Aproveito a raiva e remo com tudo até chegar no local... Era apenas um camalote que seguia ao sabor da correnteza...
Perdido 2 vezes em 2 dias seguidos. Ainda por cima encontro bancos de areia, parece que vai terminar como ontem...
Nova explosão de fúria, pior que a outra!
- Agora é que eu não volto, vou seguir essa m... de canal só de raiva!
E assim se foi nosso bravo pelotão farroupilha, louco para meter a lança no inimigo oculto.
Após 3 irritantes horas, vejo uma bifurcação e escolho o caminho da direita, onde finalmente vejo uns barcos. Desço ali, ao lado tem uma casinha de palha sem ninguém, sigo uma trilha pelo campo até encontrar outra casa. Falo com uma senhora que diz que existe saída... ALELUIA!
Nem acredito, dou um profundo suspiro e com o ar expelido saiu toda a raiva.
Sigo mais um pouco e paro para almoçar ao sol.O canal parece não ter fim, mas confiando na senhora estou tranqüilo.
Às 14:30 h, depois de 4h, chego de volta no R Paraná.
- Se entrares em outro canal de novo...
Descanso mais uma vez e vejo Bella Vista ao longe e a paisagem muda. No final de tarde o vento SE fica mais forte, mas a margem protege razoavelmente.
Chego na city às 16:30 h, uma forte correnteza e uma pessoa sentada na beira do rio, é uma estátua prateada. As pessoas indicam onde parar, é o Clube Náutico Caza y Pesca. km 1057
Deixo o caiaque ali, sou instalado na prefectura de Bella Vista onde Ferreira me recebe muito bem e me instala num quarto. Depois vou ao centro da city onde haverá uma festa na praça. Janto e depois vou na Internet. Bueno, escrevo até às 1:30 da madrugada e o cara que cuida ali desliga o meu computador por engano...
- Tchê, depois de remar sete horas, perdido dois dias seguidos, escrevendo há 4 h e o boludo, pelotudo desliga por engano... Perdi tudo que escrevi!
- Desculpem!
- P..Q.. P...!
Fico reinando uns 10 min, mas o mal está feito. Pra “melhorar” meu astral, eu me perco na volta e só chego à prefectura às 3 h da manhã!

21/09/05 Quarta dia 95
Acordo às 7 h, escrevo, arrumo tudo, vou para o clube de pesca e só parto às 09h30min seguindo altos barrancos até entrar noutro canal, só que este eu sei que tem saída. Vejo muita gente pescando de lancha e nas margens, tratores servem de motores para tubulações que irrigam arrozais. Um cano despeja uma meleca amarela, são resto de laranja que o gado mais adiante descobriu e entra na água para comer os bagaços.
O sol forte e um belo abrigo do vento fazem que eu pare às 11:30 h para descansar e comer algo, pois não tomei café.
É na ilha, à sombra de uma bela árvore no alto do barranco. Esfrego a casca da laranja na pele e isso me livra dos insetos. Resolvo organizar as coisas e só parto às 13 h.
Não ando nem 10 min e vejo um cara limpando 3 aves na beira do rio, penduradas na travessa de um curral utilizado para embarcar o gado das ilhas. Eram cegonhas, eles convidam para um mate e eu peço para filmar.
Ali é o rancho do Sr. Chamorro, um simpático senhor que tem 70 anos e vive neste local há muitos anos. Aqui é Isla Verde e os outros dois são irmãos, Sergio e Roberto Miño.
O rancho é feito de barro com armação de bambu, o teto é de palha. Há uma pequena varanda com apetrechos de cozinha, pesca, selas, ferramentas, galinhas e cachorros. No pátio sombreado há uns paus em brasa onde duas chaleiras (favas) pretas de fuligem estão apoiadas sobre um triangulo de ferro.
Sentamos em pequenos bancos de madeira ao redor do fogo, tomando mate e escutando música chamamé de um velho rádio preto de pilha. Ele está no chão, todo empoeirado, mas funciona bem. a música chamamé é idêntica às nossas tradicionalistas do Rio Grande.
Lá no curral, um pé de vento parece um redemoinho de poeira, Chamorro diz que “ es el Diablo”.
Estou feliz demais aqui, tomando mate com pessoas simpaticíssimas, curtindo cada imagem, cada som, cada cheiro...
Estou “viajando” brody!
Falo para eles da revolução Farroupilha, dos ideais e da bravura dos Gaúchos e de como nossos costumes não tem fronteiras, seja no Rio Grande, no Uruguai ou na Argentina. É por isto que me sinto em casa aqui. Chamorro fuma um cigarro de palha, fumo em corda, cheiros que me levam ao sítio da vó...
Lapacho

Bueno o tempo passa, tomei mate sem parar e só vou partir às 15:30 h, mas valeu. Passou todo o cansaço e o bom astral voltou.
O dia parece mais bonito, aliás, hoje é o primeiro dia da primavera.
Sigo costeando as ilhas e observando os altos barrancos desde Bella Vista.
Perto do fim do dia uma lancha se aproxima e fico conversando demais. Acabo acampando em uma ilha já ao escurecer, quase encostado n’água.

22/09/05 Quinta dia 96
- Senhor, o lanceiro Facão não foi encontrado, acho que se perdeu em batalha!
- Deixem, ele é bravo e saberá sobreviver!
- Acho que ele não estava bem com sua mulher, dona Bainha!
Pois é, só agora descobri que esqueci meu facão quando parei para descansar antes de falar com o pessoal do Chamorro. Agora tenho que comprar outro, pois um facão é imprescindível para abrir clareiras para a barraca.
Parece que estou no km 1010, já passei dos 3000 km, mas oficialmente só vou considerar quando chegar no km 1000 (distância que falta para B Aires)
Sigo em frente em rio espelhado e ao passar por uma ilha vejo um cara pescando piavas com linha de fundo. Ele tira uma atrás da outra.
Passo por uma cobra que empina ao me ver.
Viajo de boné com véu, é um inferno de insetos e teias de aranha. Passei por Lavalle (km 995) e acho gozado que faltem menos de 1000 km para B Aires.
Mais 15 km chego em Goya, km 980.
O pessoal da prefectura é muito legal, deixo o caiaque ali e vou de carona de moto até o centro. Vou num super e não encontro miojo, desisto.
Ciriri (machete colombiano) Alvorada Fim de expediente!
Os paredões do Empedrado

Comprei outro facão tomo o sorvete mais delicioso que encontrei até hoje (repeti três vezes) e sigo para o porto.
- Senhor esse cara (facão) é estranho, parece que é Colombiano...
- Garibaldi também é mercenário... Pergunte a ele que tipo de mato que ele corta.
- Não entendemos bem, parece que fala o nome da namorada... Uma tal de Mari Juana (maconha)!
Retorno à prefectura e sigo meu caminho pelo rio. Ando mais 1,5 h e acampo em um barranco.

(Olá amigos, acabei de chegar na cidade de Paraná, 600 km ao norte de B Aires depois de remar mais de oito horas sem quase descansar, sete delas abaixo de um violento temporal. A moral está boa e os soldados aos poucos vão preparando o espírito para enfrentar o mar, que eu tenho verdadeiro pavor. Mas estamos todos loucos para chegar na estância do céu e lá só se chega se for peleando.
A viagem está sendo maravilhosa e agradeço aos amigos pela força que venho recebendo, sem ela já estaria enfraquecido moralmente e o gás aumenta quanto mais me aproximo do rincão querido. Um abraço e até a próxima!
É demorado escrever, perco muito tempo, mas é um grande prazer dividir isto tudo com vocês e o esforço vale a pena.)

23/09/05 Sexta dia 97
Parti às 08h30min do acampamento depois de Goya quase sem vento de novo. Vou seguindo junto da margem e os hehenes(maruins), borrachudos e outros insetos infernizam ao me atacar os braços, as pernas e as orelhas. Para não perder totalmente a sanidade, coloco o boné com véu, porque, além de tudo, as pragas entram nos olhos.
O boné é muito útil, não fosse ele, não daria para remar.
Hoje está muito quente, mas não posso viajar sem camisa, pois os insetos atacam o corpo. Tenho que molhar a camisa na água gelada do rio e colocar no corpo para refrescar.
O 1° PEIXE A GENTE NUNCA ESQUECE
Sigo pela margem e encontro uma passagem entre os bancos de areia, por ali corto caminho. Paro às 10h20min para comer um punhado de amendoins. Estou ali, quieto no meu canto, comendo e matando maruins que picam as pernas quando vejo um baita peixe meio que encalhado nas águas rasas do banco de areia. Pego a filmadora e o bicho fica por ali, me provocando. Pego o punhal e o arremesso contra o bicho, quase acertei.
Ele se manda e eu vou pro caiaque. Dali há pouco ele reaparece e eu resolvo cercá-lo, ele foge para a água rasa e eu consigo pegá-lo. É uma piava de uns 2 kg. E agora? Não estou a fim de matá-la, só de filmar. Ela resolve a questão, se debate e vai pra água.
Nessa frescura perdi muito tempo, logo hoje que queria andar bastante.
Parti só às 11 h, seguindo as margens e percebendo que muitas barrancas vão caindo enquanto passo. O rio está em constante renovação, tragando margens e formando novas ilhas.
Paro às 13h10min para comer um enorme sanduíche de milaneza que trouxe de Goya.
É impressionante a variedade de insetos com o mesmo objetivo: chupar o meu sangue até a morte!
Esmago os cornos com raiva, mas minhas pernas mais parecem com as “prosti” da Voluntários da Pátria.
Devo estar anêmico!
Faço mais um turno de 2 h, descanso e sigo em frente. Seis horas já se foram, conseguirei remar oito horas hoje.
ARRIEROS
Depois de cruzar com uma porca e seus filhotes em uma ilha, atravesso um pontal e vejo arrieiros tocando o gado para um enorme curral. É uma poeira dos diabos, deve haver mais de 500 cabeças.

Eles me vêem e um deles chega à cavalo na beira e me chama:
- Compañero!
- Veni a tomar um mate conosotros!
Bah! Falou em mate pegou pesado!
Olho pro relógio, são 17:30 h, poderia remar mais uma hora, já remei 7:30 h, mas a viagem não é só isto!
Todos trajam “alpargatas” caneleiras e esporas
Sigo para lá, pego a filmadora para registrar eles lidarem com o gado (para vacinar e dar um banho de pesticida); sinto cheiro de creolina.
São oito cavaleiros, um deles fica no brete da “torre” para vacinar, os outros tocam o gado dentro do curral para um corredor que os leva para a torre, onde o bicharedo mergulha na água com cheiro de creolina e sobe por uma escadinha do outro lado.
A VACA CHOROU!
Com certeza o gado não gosta e tenta evitar de todas as maneiras ser conduzido para a torre. Alguns saltam a cerca de arame e se juntam a outros que já passaram pela torre.
Todos os arrieros usam esporas e alpargatas e alguns cavalos sangram.
Uma vaca, em especial, me chamou a atenção. Ela tentou de tudo, pular a cerca, correu de um lado a outro.
Depois foi laçada por dois cavaleiros, cravou as patas no chão, então mais quatro, com os cavalos emparelhados lado a lado a tocavam por trás. Ela não se movia, um quinto entrava com o cavalo pela lateral e fazia este dar “trombadas” na vaca empacada.
Ela se atira no chão, o cara toca o cavalo por cima. Ela é pisoteada ao mesmo tempo em que a cachorrada se mete no bolor e lhe morde.
Alguns cães se ferem e ganem de dor. A vaca se levanta e é arrastada para a torre e ainda assim tenta furar o cerco entre os cavalos emparelhados. Quando ela chega à entrada do poço, percebo que lágrimas correm dos seus olhos, nunca tinha visto uma vaca (de verdade) chorar...
Assisto tudo ao lado de Blanca, mulher de Lopez e seu sobrinho, Bernardino.
Omar foi o que me chamou na beira, Ramón o que vacina, Leonardo e Ramoncito são os mais jovens, hay el viejo, Moreira e outro Moreira.
Eles são muito gente boa e se eu vacilo em ficar eles insistem para que fique.
Começa um terrível vendaval que levanta uma nuvem de terra do curral por tudo.
A poeira cobre o caiaque na beira enquanto o puxo mais para cima. Vou passar a noite na varanda do ranchinho de López, com teto de palha.
Todos vão dormir por ali e partir no dia seguinte.
Blanca faz um fogo de chão do lado de fora da casa e logo um triângulo de ferro sustenta duas favas(chaleiras) que aquecem água para o mate. Fica frio, mas não chove. Ficamos todos ao lado do fogo, conversando e ficando “defumados” pela fumaça espalhada pelo vento.
Depois de muito mate, eles tiram as chaleiras e colocam um panelão bojudo e preto de fuligem. Ali tem um “guiso”, massa, batatas e dois “quirquinchos” (tatus) que eles caçaram antes de vir para el laboro (lida).
Na hora de comer, cada um tem sua colher e vai se servindo no panelão...
Fotos tiradas com infravermelho


Estava muito bom, muita prosa, mate e quirquincho ao lado do fogo de chão...
Durmo no saco de dormir, sobre a barraca estendida na varanda (com teto de palha e chão batido).
Blanca tinha razão, acabou não chovendo!
- Que chato! Estes dias são todos iguais...

24/09/05 Sábado dia 98
Todos acordam cedo, tomamos mate e logo se vão.

Fica só eu, Blanca, Lopez e Bernardino, o piazinho que ajuda a carregar as coisas no caiaque.Blanca tem uma pequena horta ao lado da casinha e o “espantalho” é um baita corujão que Lopez caçou e fincou numa taquara. Nenhum pássaro se aproxima, acredito que nem roedores.
O vento, um SE forte e contra aliado ao frio não convida a continuar. Tomo um mate que aquece no fogo de chão e preparo o espírito.
Parto às 08h55min seguindo bem próximo da margem para abrigar-me do pior do vento e das ondas. A vantagem em relação ao rio Paraguay é que a vegetação aqui é mais densa e fica próxima da margem, protegendo mais.
Passo por uma série de pequenos currais onde os arrieros embarcam o gado nas diversas ilhas.
Às 12 h paro para almoçar, depois de passar pelo km 885, quer dizer que fiz 105 km em 13 h remadas. Depois do almoço, o vento SE muda SW e fico sem proteção da margem, menos mal que a correnteza ajuda.
Aqui é uma confusão de ilhas, se olho para trás, não consigo definir de onde vim, muito menos onde fica a outra margem.É uma confusão de ilhas se formando, barrancas caindo...
Não vi mais nenhum jacaré. Está penoso remar, mas parece que se aproxima um temporal.
Resolvo tocar até chegar a Esquina, há 127 km de Goya.
Remo direto por 3 h e chego na city às 17:40 (km 853) depois de seguir um barco de pescadores que mostrou o caminho.
Aqui é uma confluência de 5 rios e a city fica fora do rio Paraná, fica no rio Corrientes. A cidade é muito bonita, tem um cassino e uma bela igreja mais ao fundo. Sou bem recebido por Roa e Fabian, que trazem o caiaque para cima, aqui na prefectura. Depois do banho e instalado, sigo para o centro, janto e dali sigo para uma Internet 24 h. Agora são 21:46 h, estou meio cansado de remar por sete horas.
Realmente os dedos mínimos da mão esquerda não funcionam direito (por causa do acidente). Ainda por cima o computador apaga por duas vezes o texto, chamo o boludo que controla e ele encolhe os ombros.
- GRRRRR!
Depois de 15 min reinando, recomeço salvando o texto a cada 5 min.
Às 4:45 resumi grotescamente o que falta envio para os amigos e sigo para a prefectura, estou podre!

25/09/05 Domingo dia 99
Desperto às 7 h, arrumo as coisas e parto às 09h30min. Remo meia hora contra a correnteza até retornar ao rio Paraná.
Há uma leve brisa de SE, mas não atrapalha, dela eu não tenho raiva, até que é boa (a namoradinha do vento). Sigo pelo meio do rio, aproveitando a corrente mais forte.
Um casal de gaivotas de cabeça preta, chatas e irritantes, fica me sobrevoando e gritando sem parar. Elas não saem de cima de mim, só falta me “bombardearem”. Tenho que remar olhando para cima para ver se não vem nada do traseiro delas.
Irritante!
Às 12h30min passei do km 830 e logo tem uma entrada para a esquerda, o atalho seria no km 810 e levaria até La Paz, no km 763.
O vento ficou muito forte, o avanço é penoso e eu não dormi direito. Resolvo entrar ali, acho que é por ali o tal atalho. Já passei por várias entradas, mas o cara descreveu mais ou menos. Entro sem ter certeza de nada.
Sigo em frente, os barrancos são altos, quero descansar e encontro a saída de um pequeno riachinho.
Refúgio Árvore partida por raio Brete nas ilhas Saída do brete
Ali tem areia, é abrigado do vento frio e posso almoçar. Descasco uma laranja, esfrego a casca pela pele (para afastar os insetos) e vou comer. Encontro uma árvore atingida por um raio, partida ao meio e preta até determinada altura.
Não vejo ninguém, é um saco seguir sem ter certeza.
PERDIDO DE NOVO...
Um pouco adiante encontro uma lancha, um dos caras diz que não tem saída, o outro diz que tem, que devo ir seguindo sempre pelo lado direito.
Bueno, assim vou em frente, passando pequenas bifurcações, mas a principal é sempre maior.
Adiante vejo uma bifurcação em “T”, deveria seguir para a direita, mas olho na bússola e sigo por aquela que vai mais para o Sul, por onde os camalotes estão seguindo. Well, acho que estou “futz” mas só me resta seguir em frente. Para o sul vejo uma barreira de cúmulus-nimbus, o tempo vai fechar, preciso dormir em local bem abrigado do vento que virá.
Depois de mais duas horas paro para descansar junto a um bosque de salgueiros, abrigado do vento. São 17:20 h, dá para andar mais uma hora, mas estou penetrando em região de banhados, poucas árvores e pouco abrigo.
Na hora de seguir, dá um “tique” e sinto que devo permanecer por ali, posso não achar local abrigado adiante e irei me ferrar!
Armo acampamento mais cedo, descanso e estarei abrigado.
Não deu outra, depois do por do sol chega um vendaval terrível, um pouco de chuva e as copas das árvores balançando como loucas. Aqui na barraca nada de vento, me encolho no saco de dormir, quente e abrigado. Fico feliz, despreocupado, ouço um pouco de rádio antes de dormir.
26/09/05 Segunda dia 100
Centésimo dia! Legal!
Acordo cedo, vou na rua e resolvo cochilar mais um pouco. Resultado: acordo só às 9 h, nunca dormi tanto!
Fui explorar em volta, aqui do lado tem um banhado, é muito bonito. Filmei tarrãs, gaviões, biguás e quero-queros.
Agora são 10h44min, as nuvens se foram, mas o vento forte permanece. Continuo perdido e vou seguir por onde a correnteza for mais forte e dando preferência para o sul nas bifurcações.
Ou vou me dar muito bem ou vou me ferrar, pois perderei dois dias de viagem, fora o esforço para voltar contra a correnteza.
Estou em região de banhados e não vi mais ninguém além daqueles pescadores.
Acabo partindo só às 11:50 h e sigo em frente. Quarenta minutos depois encontro um rancho. Bato palmas e aparece um vivente. Ele diz que não tem saída para o rio Paraná... Não pode!
- Y hay salida para La Paz?
- Si!
O mané não sabe que La Paz fica na margem do Paraná.
Suspiro aliviado. Adiante o canal fica mais largo e encontro outra grande bifurcação. Sigo até outra pequena ilha para descansar, estou até com dor de cabeça de remar contra esse vento SE que está forte. Enche o saco remar todos os dias contra esse vento chato. Descasco laranja, esfrego a casca pela cara, braços e pernas e depois vou comer, é a única maneira de afastar estas mini máquinas de tirar sangue.
Vejo um barco ganadero e sigo em frente, já sem proteção contra o chifrudo do vento. Depois de uma longa reta, uma curva e uma série de canais que o rio formou ao dividir um belo bosque de salgueiros em diversas ilhas.
Descanso por ali e depois coloco a filmadora sobre o caiaque e deixo-a filmando enquanto passo pelos lindos canais.
Parto às 17:50 h e sigo até encontrar outro bosque de salgueiros ao lado de um banco de areia. Centenas de piavas estão no raso com o dorso de fora. Arremesso o punhal, mas não acerto nenhuma. Elas ficam o resto da noite ali no raso batendo na superfície. Uma tarrafa aqui seria covardia!
Apesar de tudo, andei 5 h, vi uma estrada ao longe mas ainda não sei onde estou.

27/09/05 Terça dia 101
Amanheceu igual a ontem, gelado e lindo! Vento sul...
Hoje fiz um kinojo, só restam três. Agora são 8 h, o por de sol foi às 18:54 h.
Comecei esta viagem no final do outono, atravessei o inverno e já é primavera.
Só chegarei em Floripa no verão.
Estava fazendo as contas, em um mês e oito dias já fiz 1600 km desde que saí do Brasil. Talvez por isto me sinta um pouco cansado, fora o fato de ter emagrecido 10 kg ou mais. Já pesei 84 kg e hoje estou com menos de 70.
Parti às 9:55 h, fui contornando uma grande curva onde havia casas na margem esquerda. Dali percebi que o vento era E, rondando para NE.
No credo! Vento favorável...
É um belo dia de sol, começa uma parte com altos barrancos e vejo muitas construções que desabaram no rio. Há uma enorme chaminé, quase uma torre, toda feita em tijolos. Finalmente vejo outra bifurcação, só que ali tem bóias de sinalização do canal, estou de volta ao rio.
Chego a bela cidade de La Paz, cheia de antenas.
Sou recebido por um oficial da prefectura que passa o rádio avisando que cheguei, é que uma lancha saiu a me procurar...
Vamos à central e o prefecto (comandante) Acosta vem falar comigo. Sinto que vou levar uma mijada mas ele diz que este é o trabalho deles, fala em segurança e diz que o que eu estou fazendo é um exemplo para a juventude da cidade e se eu não me importo de fazer uma matéria na TV...
Eu, um exemplo...
No Brasil eu não passo de um louco frustrado, pois ainda não recebi meu atestado de loucura, he, he!
Falo com os caras da TV e agradeço ao grande apoio que venho recebendo da prefectura Argentina. Digo o porquê do nome Hermanos de Rosário ao prefecto e ele se enche de orgulho porque também é de Rosário.
Passo o endereço da página deles (dos meus “irmãos de Rosario) e depois vou ao centro comer alguma “coisinha melhor” .
Encontro Laura, de riso maroto e que pergunta sobre a viagem enquanto tomo um litro de leite achocolatado.
O corpo volta pro porto, mas o coração fica naquela lanchonete...
O caiaque está só, mas ninguém mexeu em nada. Parto às 13h30min, aqui é o km 763.
O vento é favorável e a correnteza é forte, tanto que 1 h depois passo por uma bóia com o km 748 inscrito nela, 15 km/h remando normal. Muito bom, pois no rio Paraguai levei 5 h para fazer esta mesma distancia contra a correnteza.
Fui alcançado por dois jovens num caiaque duplo, eles estão bufando, me viram passar e vieram só para perguntar de onde eu vinha.
Descanso um pouco às 16 h e logo depois chego em S Elena (km 727), outro povoado super bonito, uma bela praça gramada e muita gente jovem na beira do rio.
Cheguei a trazer algumas coisas, iria dormir ali para ir num “ciber”, mas o cara da prefectura não estava muito animado a trazer o caiaque e eu iria dormir num salão, sem colchão...
Digo que resolvi partir e me vou sem despedir, o cara sente o astral das pessoas e eu não preciso disto, estou livre para ficar onde me sinto bem. Se for para dormir mal, mil vezes o mato.
Parto às 17h30min, brigando com o caiaque, pois o corno não mantém uma reta devido ao vento e a correnteza forte, o que me irrita profundamente.
Não acho bom local para passar a noite e acabo montando a barraca junto a um enorme barranco com fundo de barro seco. Forro o chão com algas secas e vejo o sol se por às 18:56 h.

28/09/05 Quarta dia 102 km 705
Agora são 07h52min, amanheceu frio, as algas foram excelentes, ficou macio e isolado do frio do chão. Resolvi fazer outra “cirurgia” gaudéria no garrão direito, pois um fresco dum bicho de pé cresceu e estava na hora dele partir.
- Aqui tu não te crias, só te deixei crescer porque não bato em guri.
Parto só às 10h15min e logo depois vejo um cara de lancha fisgar um dourado, ele é muito mais lindo quando está vivo. Ele pula muito e por isto o pessoal gosta de fisgá-lo.
Passa uma corveta da marinha Argentina.
Sigo por fora de uma ilha com um fraco vento NE, fiz mais de 70 km ontem e a velocidade continua boa. Duas horas depois estou no fim da ilha e um vendaval muito forte se inicia. As ondas crescem é um NE violento.
Ao longe, num banco de areia, o vento começa a levantar a terra da praia e aquilo começa a subir e forma um mini tornado, só espero que não venha para o meu lado, esse bicho do diabo!
Estou passando entre duas ilhas e sigo na direção do canal.
Brody, uma confusão de ondas e corrente que começo a pensar no plano de evacuação da tripulação, caso o caiaque vire. A corrente é muito forte e posso perder algo.
Aliado ao vento de rajadas, ficou bem difícil estabilizar e remar, estou encharcado mas vejo um navio rebocador vindo na minha direção.
Tento sair da frente, mas continuo como alvo de proa dele que não pode manobrar em canal estreito e com correnteza. Eu é que tenho que dar um jeito. Assim vou remando, tentando não virar e olhando para trás o tempo todo. Eles passam ao lado, bem perto e o cara apita seguidas vezes...
Vocês já ouviram apito de navio?
É tão forte que tira até trem da linha!
O cara sai da sua cabine lá do alto e acena repetidas vezes, coloca os braços estendidos no alto e volta ao timão. O resto da tripulação fica assistindo a peleia do maktub com as ondas.
Chego a Hernandarias (km 688) às 11h55min, já mais abrigado do vento. Miguel, da prefectura está me esperando, o cara do rebocador passou um rádio para ele e disse que cruzou comigo lá no rio Paraguai, perto de Asunción. Legal!
Vou no centro, como uma milaneza, tomo sorvete e leio os e-mails dos amigos me dando força. Se eu não fosse um taura acostumado as peleias, teria me emocionado.
É muito bom ter o apoio dos amigos, eu me sinto mais forte e tenho certa responsabilidade, porque além de estar realizando o meu sonho, estou realizando o de outros que viajam comigo em pensamento.
Olho pro relógio, quase cinco horas...
Vou correndo pro porto e sigo meu caminho. O vento diminuiu, então sigo pelo meio para seguir pela correnteza mais forte, apenas tenho que sair da frente quando vêm navios.
Após uma hora sigo por um canal que Miguel falou, mas sou obrigado a encostar por causa das pragas dos insetos que vem nos olhos e braços, um inferno. Coloco o boné com véu e consigo remar. Essas pragas não cansam de morrer esmagadas.
Paro só às 19 h, bem no km 672. Há um cheiro de podre por toda a margem, são milhares de cascudos (armados) mortos.
Corveta Argentina Cascudos mortos km 672
É um baixo astral, mas o sol já se pôs e eu não tenho escolha. Ali tem coisas de outros pescadores mas não tem ninguém.
O tempo vai mudar, está soprando NE, coisa boa não é!
Armo a barraca de modo que fique protegida tanto do sul como do norte.
Tchê, não deu outra. Vendaval violento a noite toda, árvores balançando muito e aqui na barraca tudo bem. Remei menos de 4 h, assim não dá; menos mal que andei 33 km

29/09/05 Quinta dia 103
Acordo cedo, chega um senhor, ele é o dono do local e não se importa de eu ter passado a noite aqui. Peço desculpas por não ter pedido licença e o ajudo a colocar suas coisas e troncos de lenha em seu barco. A região é de muitos descendentes de alemães e ele é um senhor de idade muito mais forte que eu. Ele diz que os cascudos(armados) morreram por causa de uma “peste”, mas acho que pode ser por poluição, se bem que não há outra espécie de peixe morta, apenas milhares de cascudos.
O cheiro de podre deixa tudo com um baixo astral, enfeia os lugares bonitos.
O pior é que amanheceu nublado e começa a chover fraco. Arrumo tudo bem rápido e parto às 08h40min
GRANDE TEMPORAL.
A chuva chega forte, com ela o vento, raios e trovões.
Penso na teoria de que se me atingirem não vou sentir nada então sigo em frente. Menos mal que o vento é favorável. A chuva é intensa e assim vou seguindo até passar pelo poblado de Brugos, no km 668, onde tem um enorme terminal graneleiro ao lado de uns silos. A chuva não pára:
- Cabo! Controle de avarias!
- Tudo em ordem senhor, apenas um pouco de infiltração no reator...
- Cuide dele, está meio sem uso mas poderemos utilizá-lo a qualquer momento.
- Um dia foi atômico, hoje funciona a gás metano...
É brody, essa chuva me irritou e só pra mostrar pra ela quem manda, vou remar direto até chegar em Paraná.
Eu deixo o inimigo pensar que estou detonado e aí ataco com tudo.
- É isso aí senhor, senta a pua, digo, o remo!

A MORTE DOS CASCUDOS
Remo direto por longas 04h30min até que a chuva cansa e dá uma estiada.
Preciso comer algo e nada melhor para estimular o apetite do que um monte de peixe podre ao lado. As margens estão repletas e centenas estão boiando.
Empurro eles com os pés, sento no caiaque dentro d’água e como rapidamente, pois vejo outro temporal se aproximando.
- Senhor, nunca vemos o comandante...
- É o espírito...
- O que “Anda”?
- Já ouvi falar tem um anel que deixa marca...
- Não, esse é o “Espírito que Manda”, sem aquelas boiolices de roupinha colada e cueca à mostra.
- Chega de conversa, essa chuva só faz aumentar e está ficando frio.
Nesse período percorri cerca de 40 km, mas ainda faltam 32.
Pior, entrou um vento SE que joga as ondas contra, isso pode comprometer meus planos.. Foram só 30 min de descanso. Agora enfrento um vendaval, chuva e ondas que formam um rebuliço nos pontais e fica perigoso na forte corrente que se forma.
Já estou todo encharcado, vejo milhares de cascudos empilhados nas margens, boiando nos remansos e alguns por morrer, super estranho! A costa é formada por altíssimos barrancos erosionados e alguns bosques de salgueiro onde o barranco fica mais para trás.
Passo por dois pueblos de pescadores, Curtiembre y El Cerrito, os pescadores estão todos dentro de seus acampamentos. Eles ficam localizados próximos de pontais onde a correnteza é mais forte e onde tem mais peixe. Tenho dificuldades sérias em cruzar estas partes, é bem perigoso e ali no remanso os cascudos... O caiaque vai abrindo caminho entre eles e galhos flutuantes.O “bom” é o cheiro de podre, de carniça!
Sete horas ininterruptas de temporal
Depois de mais de sete horas, a chuva dá um tempo. Vejo nuvens em vários tons de cinza e roxo, muitos relâmpagos, mas estes já passaram.
- Que Thor vá bater seu martelo em outro lugar, o chifrudo!
Sigo em frente mesmo com esse boludo y pelotudo soprando contra, estou decidido a chegar hoje em Paraná.
Passo por Villa Urquiza e depois dela penetro em outro canal. Parece não ter saída, mas isto era no outro este tem. Tenho que descer em um banco de areia e depois pego o vento de frente. Vejo enormes torres de alta tensão, sob o rio tem um túnel que liga Paraná a Santa Fé, a província que fica de frente a esta, Entre Rios.
Esse túnel eu cruzei na viagem de moto de 1995, quando iniciava a longa viagem de 37000 km, vindo de Uruguaiana rumo a Mendonza.
Depois entro em uma baía(já em Paraná), mais abrigado do vento.
Ali encontro Javier e mais dois amigos que tiram o caiaque d’água para mim. Os caras são fortes e são alunos da escola de canoagem que está localizada num enorme galpão, no cais.
Cheguei em Paraná às 17:50 h, 8:10 h de remo e trinta minutos de descanso.
Mostrei pros chifrudos (vento, chuva e ondas) que gaúcho que peleia nunca se queda muerto! Estou encharcado e congelado!
Entro no clube, uma turma legal demais. Ali conheço Eduardo Rieri que me abraça entusiasmado.
Eduardo e os alunos da ECENAA Jornais da viagem de Eduardo Rieri A canoa canadense utilizada
Ele é o responsável pela ECENAA, ESCUELA DE CANOTAJE!
Bueno, olha só a estória dele:
Em 1994 ele idealizou e organizou uma expedição de oito pessoas com duas canoas canadenses (piraguas) e um inflável de apoio. Idealizaram e registraram uma bandeira universal que representasse a paz mundial, uma pomba abraçando o mundo com suas asas em pleno vôo. Eles levaram também um crucifixo esculpido por um artesão missioneiro e um lampião com a chama acesa, representando a paz. Denominou a Expedição de PACIS NUNTII ( mensageiros da paz, em latim). Levaram a bandeira que foi abençoada pelo papa João Paulo ll. Foram transportados de caminhão até Brasília, fizeram a viagem e entregaram a bandeira ao presidente argentino, Raul Alfonsin. Os barcos foram colocados sobre carros de bombeiros e desfilaram pelas ruas...
Local de saída: Rio S Bartolomeu, Brasília 25/08/85
Chegada: Buenos Aires 23/12/85
Vejo os jornais da época, falam da viagem de 5000 km...

Todo mundo fica ouvindo nossas estórias e os lugares que foram comuns a nós, inclusive eles foram transportados no mesmo trem linha que eu, quando fui para o hospital.
Aqui no galpão tem entre 200 a 300 barcos, a maioria piraguas e caiaques de competição.
Fui à prefectura registrar a chegada, tomei um banho e segui com Javier e amigos para a Internet, onde escrevi até às 3 h da manhã.
Depois retornei ao clube para dormir.

30/09/05 Sexta dia 104
Eduardo quer que eu vá em um jornal, assim aproveito para terminar de transcrever o diário. Esperei até as 11h que chegasse alguém, venho até o posto da Petrobrás, onde tem Internet e estou terminando de escrever agora,15:37 h. Ufa!
Remei o dia todo no temporal e hoje faz sol...
Vai se....
Bueno, é isso aí. Recebam mais esta parte de aventuras direto no coração e viagem comigo em pensamentos, assim eu nunca me sinto sozinho!
COMO É O PARAISO
- Senhor, é verdade que Gaúcho que morre peleando vai pro paraíso?
- É claro! Eu já estive por lá, mas uns caras me trouxeram de volta.
- Disseram que não era minha hora (foi passeio de carro), que eu não estava peleando...
- E como é?
- Bueno, é uma baita duma estância, terra a perder de vista. Muito gado que se cuida sozinho, três mulheres...
- Três?
- Três que é pro vivente não enjoar!
- Uma loira, uma castanha e uma morena de longas tranças (como aquelas paraguaias maravilhosas)...
- Lá não tem crianças, não tem shopings e a mulherada quase não fala, apenas agradece.
- Se tu enjoares das três, tem uma casinha mais afastada onde mora uma ruiva espetacular, sempre fantasiada de bailarina, com um véu colorado...
- Senhor, eu quero morrer!
- Só chega lá se for peleando.
Bueno chega de sonhar com a morte!

Reportagem no jornal El Diário de Paraná Argentina
Interés General: PERSONAJE . Un odontólogo que realiza una experiencia interesante

El espíritu de la aventura


VISITA. André Dos Santos Issi, con la Bandera Universal de la Paz en sus manos, junto a Eduardo Alberto Riera Borri, de la Ecenaa. (Julio Blanco)GIGANTE. En su travesía, el brasileño fotografió una inmensa anaconda de veinte metros de largo. Compárese que se ve tan sólo una parte del animal, y desborda en tamaño al kayak de Issi. (Gentileza André Dos Santos Issi)
El raidista brasileño André dos Santos Issi está llevando a cabo, en etapas, una difícil y original travesía a remo. Recorrerá unos seis mil kilómetros por ríos de Sudamérica, y también por mar. Armando Degani





El espíritu de la aventura



El pasado 18 de junio, con un pequeño kayak y una gran ilusión a cuestas, el odontólogo brasileño André dos Santos Issi, de 37 años de edad, partió desde Brasilia con el objetivo de llegar, primero, a la desembocadura del Paraná; navegar luego el Río de La Plata sobre la costa uruguaya, y por último, bordeando la ribera marítima de ese país, y Brasil, arribar a Porto Alegre, su ciudad natal, tras andar seis mil kilómetros.RECORRIDO. La partida fue en Brasilia, navegando por los ríos Paranoa, Sao Bartolomeo, Corumbá y Paranaiba, para luego tomar el Paraná, curso de agua que actualmente está transitando. El brasileño indicó que no tiene ningún tipo de sponsor y que todo lo hace “a pulmón”.En su paso por nuestra ciudad, Issi visitó EL DIARIO acompañado por Eduardo Alberto Riera Borri, presidente e instructor de la Escuela de Canotaje, Natación y Expedición de Aguas Abiertas (Ecenaa) quien años atrás —con un grupo de deportistas— realizó una travesía similar denominada Pacis Nuntii, portando la Bandera Universal de la Paz, por ellos creada.El brasileño relató su viaje hasta Paraná, y dijo que en Corrientes, decidió ir por tierra hasta Asunción “para visitar esa hermosa ciudad que me gusta tanto”, y luego bajando por el río Paraguay, volvió al Paraná, siguiendo su viaje.El raidista —que ya dejó la capital entrerriana, y se encuentra por estos días en la zona del Delta—, continuó su largo y extenuante periplo hasta la desembocadura del Paraná. Luego tomará el Río de La Plata y por este, bordeándolo, tocará Montevideo, y ya por mar, pasará por Punta del Este. Luego seguirá —en varias etapas—, por aguas oceánicas costeras hasta arribar a Porto Alegre, ciudad de donde es oriundo.“ME ARMARON DE NUEVO”. Contó Issi que “en 1998 tuve un terrible accidente automovilístico, chocando mi pequeño auto contra un inmenso camión. Quedé literalmente desarmado, ya que varias partes de mi cuerpo se seccionaron. Me trasladaron al hospital, casi muerto, y en una larga y difícil intervención quirúrgica, me armaron de nuevo. Y... acá estoy, realizando este raid, sólo por el espíritu de la aventura. Se puede decir que vi pasar la muerte muy cerca, y la esquivé a tiempo, no esquivé el camión, pero si la muerte”, dijo con humor.“Ahora soy una masa de huesos propios y de platino, medio humano, medio robot. Soy el hombre que volvió de la muerte”, indica riéndose a carcajadas.ANTECEDENTES. Con una llamativa simpatía, propia de muchos brasileños, Issi contó que “desde muy chico, a los 6 años aproximadamente, fui un aventurero nato, y siempre por demás inquieto, andando de aquí para allá. Después de recuperarme del accidente se me dio por realizar viajes y travesías en lo que sea. He recorrido a pie, mochila al hombro, grandes extensiones de mi país. También hice veinte mil kilómetros en bicicleta y cuarenta mil en moto, sin tener la mínima idea de mecánica. Entre los países que recorrí, figuran el mío, la Argentina por todos lados, y también Chile, Bolivia, Ecuador, Colombia y Venezuela. En síntesis, me recorrí Sudamérica entera. Me gustó mucho la zona de Machu Pichu, en el Cuzco”.Con respecto a navegación, Issi indicó que “por lo general ando en kayak, pero también hago wind surf, y con mi tabla a vela recorrí por mar gran parte de la costa brasileña. Muchos kilómetros peleándole al viento y las grandes olas. Cosa de locos, ¿no?. Es lo que siempre me dicen los que me conocen”.RARAS EXPERIENCIAS. Issi relató, en un pasaje de su charla, que “no todo fueron flores en mis viajes, ya que anduve en zonas áridas, selváticas y en muchas ciudades. A pesar de que recorrí grandes selvas no tuve mayores problemas con los animales, sino con los hombres. En Bolivia pensaron que era un espía chileno, y me detuvieron. Pero el máximo inconveniente lo tuve en Perú, ya que estuve preso a manos de los guerrilleros de Sendero Luminoso, quienes creían que era un informante estadounidense, y me querían fusilar. Por fortuna, todo se arregló, todo salió bien, y ahora puedo contar esa terrible experiencia”.Issi relató que “vi miles de animales, de todo tipo, forma y tamaño, pero recuerdo la gran impresión que me causó ver una gran anaconda. Yo las conocía sólo por las películas, y pensé que se exageraba sobre su tamaño, pero no es así, realmente son inmensas, son muy grandes, en serio”.Futbolero natoNo todo es raid y aventura, ya que André dos Santos Issi se definió “como buen brasileño, soy un futbolero nato. Jugué a ese deporte, y ahora, pese a los problemas físicos que tuve, lo sigo haciendo. Amo ese juego y soy un fanático torcedor (hincha) del Gremio de Porto Alegre, y nuestro archirrival es Internacional. Los otros días quería que ganara Rosario Central, por la Copa Sudamericana, y lo eliminara, pero no pudo ser. Allá, Gremio e Internacional se parecen mucho a Boca y River. Hay una gran puja. De la Argentina me gusta Independiente, y si bien ahora esta bastante decaído, sin dudas, fue uno de los mas grandes de Sudamérica, y el que mas copas ganó. Por eso respeto mucho a ese gran club”.


E-mails recebidos:
Hola Hermano!!!
Te recuerdo que yo reenvio tus mensajes a unos foros de naútica y este es uno de los mensajes que son en respuesta a tus reportes.
Te recuerdo, HAY MUCHA GENTE QUE TE ESPERA Y QUIERE CONOCERTE POR ESTOS PAGOS.
Y yo estoy sólo tratando de devolverte “todo lo mucho” que nos diste, pero creo que eso me llevará toda una vida!!!
Un fuerte abrazo,
Tu hermano Juancho.-


Ernesto Betbeze <
bbcernesto@yahoo.com.ar> Asunto: Sobre André Issi - de Ernesto Amigos coforistas: (Foro Argentino Navegando por el Mundo)Por suerte André Issi pasará por Buenos Aires...el amigo Juan La Bianca, nos regala los relatos de André periodicamente, en un momento traduje parte de los mismos pero André no solo que navega mucho sino que escribe un montón...el portuqués mas o menos lo “gambeteo” pero la extensión de sus mensajes me acalambran mis torpes dedos...la dactilografia no es mi fuerte ni mucho menos...yo para escribir solo “dos dedos” y el amigo André escribe hasta con los dedos de los pies...Como para introducir en el tema a quienes no lo siguen , les cuento que estamos a punto de conocer a uno de los verdaderamente GRANDES, esos personajes que surcan las aguas muy de vez en cuando...uno de esos que si uno se lo pierde y no lo conoce, generan en nosotros la irremediable pregunta: ¿donde estaba yo?...Afirmo que lo que nos pasará , en poco tiempo frente a nuestras costas no es para perder...Un hermano brasilero...con ese espíritu, esta recorriendo en Kayak las capitales del Mercosur...hermanando Brasilia - Asuncion - Buenos Aires - Montevideo...muchas veces se mencionan palabras en ese sentido...él no solo emite palabras , sino que da paladas (remadas) con el remo de su kayak, en ese sentido...Yo no voy a poder traducir las notas, pero creo que vale el esfuerzo leerlas en su idioma de origen...después de todo tenemos un destino de hermandad entre paises...el idioma es lo de menos, gestos como los de el amigo Issi son los que nos van a juntar, nos llevan a la gran Nación.Pido a mis compañeros de foros que no perdamos de vista esta navegación, que es todo un gesto de hermandad...y preparemosnos para generar mucho mas que lo que el mismo André pudo preveer...solo depende de nosotros y que hagan Uds. la misma lectura que yo hago, de este evento...Divulgarlo es hermanar a nuestro pago con los paises vecinos...¿lo divulgamos?... Saludos a todos Ernesto Betbeze. Buenos Aires - Argentina

Hola André :
lei tu ultimo mail y veo que andas medio desmotivado , por lo que contas estas remando mucho y casi sin dormir. Ademas de mandarte todas las fuerzas para que sigas adelante , y que estamos todos anciosos por que llegues a rosario para que des un buen descanso.Tambien podrias tomarte algun descanso por ahi , algo que esta bueno es salir un día , remar 2 o 3 horas y parar hasta el dia siguiente en algun lugar que este lindo para relajarse , al otro día hacer lo mismo, y de esa forma estas descansando sin parar de avanzar , ademas ya van 3 meces de viaje para nada afecta un día o dos de demora .Recorrer el rio parana es algo que siempre tuve ganas y todavia no lu pude hacer y ahora vos lo estas haciendo desde antes de su nacimiento , es algo increible , asique no te desanimes que estas haciendo algo que mucha gente le hubiera gustado hacer y simplemente no se animan , porque no tiene el corje y la desicion que vos tenes . Hermano André , te mando un fuerte abrazo y estoy haciendo todas las fuerzas por vos ,
VAMOS ADELANTE ESE PELOTON!!!!!!!!!! Nos vemos en rosario (muy pronto) Diego Ross

Olá...não estou acreditando que estas viajando ainda cabeça!!Ao menos chegue pro meu niver em janeiro.....que Deus sempre te abençoe....estamos com saudades do nosso querido amigo navegador
Cristina Kemper

Amigo André,
a partir de 29/10 até 02/11
estaremos naquele mesmo lugar para outra pescaria.
Com certeza falaremos de você.
Estamos orgulhosos com seu sucesso.
Um abraço!
Walter Magalhães

Hola Hermano!!Me dijo Diego que llegas el martes???Avisame, mandame un mail que sería lindo esperarte por ahí en el río con los kayaks así te llevamos a la guardería.Te vas a tener que quedar unos días porque te vamos a llevar a una de las fiestas mas grandes de Argentina, la fiesta de la cerveza en Córdoba que es justo el próximo fin de semana.Que belleza che!!!!, va a ser muy lindo que estés con nosotros en la fiesta de la cerveza!!. Ahí vas a recuperar todas las fuerzas y las ganas de seguir adelante. Hermano, te estamos esperando!! Un abrazo. Daniel.

Olá Navegador ISSI meu amigo. Na vida,na internet,em um rio navegamos. Nem sempre as coisas acontecem como queríamos,vento contra,correnteza,frio,fome,medo ou qualquer outra coisa.Nada importa,a não ser a escolha que cada um faz,ou seja qual rio seguir.O segredo é manter o moral da tropa.Obter rendimento nas horas difíceis é que nos faz crescer.Tenho em vc a figura de um vencedor.Sinto orgulho em dizer eu conheço esse cara ele é meu amigo. FORÇA IRMÃO,ARREBENTA,REMO NÁGUA E OLHAR DISTANTE,CABEÇA ERGUIDA.Tenho a certeza que nossos rios ainda se encontram. NAVEGAR É PRECISO.............SEMPÉ.......

Oi querido!
Puxa! tem sido bem difícil esta última etapa da viagem heim! Também este tempo só faz chover,fazer frio e ventar, e isso a vinte dias! A primavera entrou despercebida pelo menos por aqui! Como sempre adoro ler teus relatos...tens um maravilhoso poder de descrição.,consigo visualizar o que vais contando é quase como ver um filme!
E nada de desânimo por aí, se é este tipo de aventura que te faz vivo, trate de viver para poder continuar se aventurando! Nas minhas orações sempre peço pela tua segurança!
Continuo aqui, torcendo por ti e esperando minhas pedrinhas,não vá perde-las como ao facão! Beijos "sogrinha"

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