sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Parte 4 Desde Carmelo (Uruguay) a Porto Alegre






Diário de um ciclista
Desde Carmelo (Uruguay) até Poro Alegre (República do Rio Grande do Sul)
Saí da Lan House (de Carmelo) e fui para o Rowing Clube de Carmelo despedir-me de todos e agradecer pela acolhida.
De noite jantei e tomei um vinho em companhia de meus amigos do bar.
Eu fico rindo sozinho, não consigo me imaginar na estrada com bicicleta e caiaque, é uma mudança tão brusca em tudo que eu tinha planejado que fico sem chão.
Tudo se resume em uma única palavra: loucura!
10/11/05 Quinta-feira Carmelo
A ponte de Carmelo, o Carmelo Rowing Club e os primeiros km na estrada

Acordo cedo, faço os últimos ajustes nas cordas que prendem o caiaque no reboque e dou uma volta de teste na frente do clube. É um peso tremendo e senti que a barra vai pesar.
- Deu chega de treinamento!
- Nosso pelotão não precisa de muita frescura!
- Senhor, e o capacete, bermuda de ciclista, calçado para pedalar e outras coisas para a “expedição”?
- Soldado, te pára de frescura!
- Não me faz te pegar nojo!
- Que é expedição? E pra quê capacete? Tu vais pedalar é com os pés, deixa a cabeça em paz!
Tiro umas fotos na frente do clube com o vigia e dali vou para a ponte tirar uma foto do início de mais uma loucura dentro desta viagem maluca.
No começo tudo parecia bem, Carmelo está no km 257, acho que é a distância para Montevideo. É um belo dia e o caiaque, quero dizer, a bicicleta vai rebocando tudo pelo asfalto até que comecei a subir a primeira lomba.
Primeiro foi uma carroça que me passou depois um cara correndo, aí passou um senhor de bengala e depois uma senhora com um andador. Acho que estou indo meio devagar, he, he!
Tomei um banho de caneca em uma sanga com água pelo tornozelo e fui seguindo em frente.
Rebocar o caiaque e este carrinho contra o vento e as lombas... Um conjunto com quase 100 kg, é dose!
Eu tenho as duas pernas fraturadas no acidente de carro e de repente estou numa viagem de 620 km rebocando 100 kg.
Como ficou meu carro... A direção e a porta foram arrancadas junto com o braço esquerdo

Pior, a pancada que partiu o fêmur da perna direita foi no joelho e as coisas estão meio complicadas. Eu me esqueci deste detalhe: braço quase reimplantado e duas pernas fraturadas, fora os “acessórios” decorrentes do acidente (pedras no rim, hérnia de disco e assemelhados).
Eu tenho que descer em quase todas as lombas.
Não sei para quê Deus inventou as coxilhas, é um sobe-desce sem parar. No mínimo, estou caminhando um terço da viagem.
É uma coisa tu sonhares com uma viagem louca destas e outra coisa quando tu estás ali na estrada e tudo começa a acontecer.
Vi lugares lindíssimos, uma fazenda colada na outra, inclusive fazendas de emas (nandus) e jegues (burricos). Apesar de tudo fui seguindo em frente, sentindo uma fome louca como nunca senti antes e sede...

Três litros de água se foram só de manhã.


Era uma Vez no Velho Oeste...
Paro numa bodega de beira de estrada, ali estão os bebuns de plantão. É um típico boliche de beira de estrada. Sento na mesa do fundo e peço meu uísque!
O sol bate forte lá fora. Está tudo parado, só se escuta o zumbido de moscas no ar.
Uma delas pousa no rosto do tenente Issi e caminha próxima aos olhos do nosso super herói em quadrinhos.
Ele não move um músculo, uma gota de suor escorre pela fronte e passa ao lado da mosca.
De repente, ela se debate, desesperada.
Está trespassada pela ponta do punhal de nosso herói que coloca o punhal na boca e depois cospe a pobre mosca. Ela rola na poeira, mortalmente abatida.
O golpe foi quase perfeito, uma gota de sangue escorre do rosto que o tenente limpa com a ponta do punhal.
A xiruzada viu aquilo e se volta rapidamente para o balcão quando nosso herói desvia um pouco do olhar em sua direção.
Baita macho!
Tchê, ao meio dia o asfalto começa a derreter e os miolos também. O corpo fica pegajoso, as alpargatas que tenho, sem meias, deixam o calor do asfalto passar para os pés quando empurro.
O pelotão atravessando o “mar” de coxilhas

- Senhor, o soldado Maktub está passando mal!
- Esse bicho é que nem aquele filme da Orca, temos que mantê-lo molhado!
- Guasqueia um balde de água por cima e manda ele não se fresquiá!
A noite chega, quase não tem árvores para abrigar do vento gelado (falo daquelas que estão para o lado de fora das cercas) que surge depois que o sol se foi e só tem placas de “prohibido” por tudo... Que dureza!
Eu lembro daquele prefecto hdp, seria dez vezes mais fácil ter ido remando, sem perigo nenhum.
Carros e caminhões passam rente a meu corpo, menos mal que no Uruguay os motoristas são mais tolerantes e respeitam os ciclistas.
Acampo como um sem-terra, ao lado da estrada.

11-11-05 Sexta SOLDADO UNIVERSAL
Vamos em frente! Estou me sentindo mais forte e conseguindo subir lombas que não teria conseguido ontem.
Passo por um local bonito (chegando em Colônia Del Sacramento) que tem um boneco agarrado no cata-vento e que se move quando o vento bate.

O nosso pelotão está ficando universal, pois fomos reforçados com uma bici e um carrito formado por pedaços de umas nove bicicletas.
- Soldado, e esse nosso reforço?
- Senhor, é o subtenente Caloi, tem uma winchester 18 tiros (marchas), diz que odeia os caras da prefectura de Carmelo e que eles não passam de uns boiolas (trolos).
- Esse é o cara! E o outro?
- É um soldado universal, meio biônico, meio solda, dizem que leva a alma de nove soldados junto. Parece meio fraco, mas está levando nosso canhão (Maktub) e seguimos todos juntos para tomar Colônia, Montevideo Punta Del Este e Chuy...
- Isso lembra quando o General Bento deslocou canhões pelos areais até São José do Norte, tiveram que abandonar os canhões e enterrá-los nas dunas...
Perto de 12 h passo por Colonia Del Sacramento, que foi fundada pelos portugueses (o Uruguay fazia parte do Brasil e foi devolvido pelo acordo entre os reinos de Portugal e Espanha).
Ali comprei um plástico preto para tapar o cockpit quando chover. Não quero levar mais peso do que já estou levando.
Bueno, consegui avançar bem porque o vento estava de través e não atrapalhou tanto. A roda direita do reboque entortou, mas dá para continuar. Acampo entre umas árvores que são puro espinhos.
Fiz 120 km em dois dias, está bom, planejei fazer 50 km/dia.
12-11-05 Sábado
Saio cedo e vou seguindo com um problema sério, o joelho direito está brabo, limitando os movimentos e me impedindo de fazer força com a perna direita, sobrecarregando a perna esquerda.
A estrada fica margeada por palmeiras reais e vou seguindo no sol forte.
Quando passo do km 100 escuto um estralo. Rebentou uma solda e o garfo do lado esquerdo entortou. Sozinho ali na estrada, sem poder mover de um lado a outro, tento remendar com cordas, mas não dá. A corda não suporta o peso e a roda volta a trancar no garfo.
Torrando ao sol Uma solda rebentada, uma roda presa Conserto que não deu certo

Tenho que voltar, empurrando e com a roda raspando, até o povoado de Ecilda Paulielli.
Chego num boteco, tenho que esperar que o cara que solda volte. Se voltar, hoje é sábado...
O cara do boteco chama-se Jonatáh, mas se pronuncia Chonata, ui, ui!
Bueno, a solução é esperar e encher a cara com vinho e comer um “refuerzo” (um sanduíche) enquanto a TV entrevista os caras do Uruguay que vão jogar com a Austrália, pela repescagem para a copa.
Não é fácil brody, joelho detonado, insolação e agora o garfo (horqueta) rompido.
Estou assistindo os noticiários e vejo as praias de Montevideo, as ondas são tão pequenas que batem apenas nas canelas dos banhistas...
Porque estes cornos não me deixaram seguir por água? Que perigo eu iria correr se fosse seguindo a margem? Imbecis!
Do jeito que está indo, não conseguirei chegar pedalando.
Eu, o reboque ou a bici não chegaremos lá, um de nós três quebrará antes...
Aquele desgraçado não me deixou seguir dizendo que era por minha segurança...
Fiquei revoltado!
No caiaque, mesmo remando contra o vento, fazia cinco km/h (chegava a fazer 20 km/h a favor de vento e correnteza), estou fazendo 5 km/h aqui, com tudo se detonando e sem saber se consigo chegar...
O meu ódio pelo prefecto só faz aumentar, desculpe, eu sei que faz mal a mim, mas eu quero mais é que esse comandante de piraguas vá morrer atrás daquela escrivaninha sonhando que um dia vai pro mar, quero que apodreça dentro de um caíque a remo, pois é o máximo que esse incompetente vai conseguir na vida.
Esse imbecil tinha poder para me deixar seguir, mas achou mais fácil me trancar em Carmelo por sete dias.
Seriam 10 dias de sol (os sete em Carmelo mais os três que estou viajando) que teria para navegar, mais que suficiente para chegar em Montevideo. Na verdade, eles custam a chegar no posto em que estão e se algo acontece comigo, eles podem perder o cargo. Pelo menos foi a balela que me disseram...
Ou seja, não é por minha segurança, é pelo cargo deles!
Tudo bem, eu tenho que ser maior que isto, mas que dói no coração saber que eu tinha toda a capacidade do mundo para ter feito o que me propus e ser detido por nada, não consigo perdoar este desgraçado, ele é tão pequeno quanto o lugar que está!
Agora eu tenho que me adaptar ao que me propus, mas eu tenho as pernas atrofiadas e agora que o corpo esfriou, não consigo nem dobrar o joelho direito.
A dor é bem na rótula, espero que seja muscular, se é que tem músculo no joelho...
A barra tá pesada brody, mas eu juro; estou com tanta raiva que se meu joelho ou este carrito não agüentar, coloco este caiaque n’água e nunca mais quero ver um cara da prefectura uruguaia na minha frente; estou pegando raiva de gente que não devia. Se eles me pegarem, o pau vai comer com essa prefectura que não tem o que fazer e fica enchendo o saco dos viajantes, não tem capacidade de discernimento, bando de imbecis!
Detonaram uma viagem de 4.300 km... Eles não têm noção do que é essa distância, acham que deve ser algo como dar três voltas ao redor da prefectura de Carmelo que é o mais longe que eles podem ir...
Depois de 3 h, o cara chega, solda rapidamente o garfo e eu sigo pelo asfalto quente.
Mais adiante chego a um povoado com um nome que tenho que rir, chama-se La Boyada...
Vou pelo anoitecer e encontro um curral de embarque de gado.
Armo a barraca ali ao lado, é campo sem árvores, mas o curral vai me abrigar do vento.
Vou dormir bem, pois é um capim macio e seco. Há muitos vagalumes por aqui!


13-11-05 Domingo
Parto às 08h20min, há um dia bonito, o vento está contra e meu joelho inchou de vez, a dor é quase insuportável e é mais fácil para eu seguir caminhando do que pedalando. Parei numa placa, fiz alongamentos, mas está brabo.
Parei no km 68 em Radial para comer um refuerzo (um sanduíche de pão com grossas camadas de salame, queijo e algo doce, como doce de leite), além de tomar uns dois copos (grandes) de vinho para agüentar a dor.

Sigo em frente e falo com Hugo Perdomo (de uma casa na beira da estrada), explico a ele que minha viagem não é de bicicleta, é de caiaque e que não estou “pagando promessa” como ele perguntou.
Ele se sente envergonhado pelo que fizeram comigo em Carmelo e pede desculpas.
Eu sei muito bem diferenciar uma coisa de outra e fui muito bem tratado pelo povo uruguaio que não merece um representante (da prefectura) deste tipo.
Uns 5 km depois ele aparece em sua moto, diz que falou com um amigo repórter que quer fazer uma matéria no canal quatro em Montevideo, que eles podem me ajudar a colocar o caiaque n’água de novo.
Digo que isto pode demorar, demanda muita burocracia, que a viagem já foi detonada e que agora eu encontrei um desafio maior ainda.
Já que entrei nessa peleia, não vou fugir dela.
Há um ditado Gaúcho:
- Dou um boi para não entrar na luta, mas quero uma boiada para sair dela!
Agora eu fiquei invocado!
Perto de meio dia chego na entrada de Kiyu onde tem uma parada de ônibus.


Paro ali para descansar na sombra, pois seguir perto das 13 h é pedir uma insolação.
Durmo por duas horas e depois sigo em frente, mas o carrito está me preocupando, a roda direita esta descentrada e toca no garfo, a esquerda já rebentou a solda e dá medo.
Ele não está agüentando o peso! Então sigo empurrando e pedalando quando dá; apesar do joelho, quero ver se mantenho a média de 60 km dia.
Passo outro povoado onde está se realizando uma corrida de carros em pista de terra. Estou podre: o sol detona, as lombas e o vento contra se sucedem.
Desço para empurrar em outra lomba quilométrica e sinto pesado demais para empurrar; olho para trás e vejo que um dos pneus do carrito furou.
Tenho que empurrar mais um km lomba acima e chegar ao povoado.
Tarde de Domingo, um povoado sem gente.Deixo o caiaque na beira da estrada e vou a duas casas. Não tem ninguém, mas sigo procurando e encontro Sensillo na terceira. Vai chover, peço a ele que pelo menos me deixe colocar o carrito sob um teto de palha todo furado para trocar o pneu. Deixo ali e vou procurar uma borracharia (gomeria). Está fechada!

Descubro que não tenho forças para erguer e calçar o carrito ao mesmo tempo, isto se achar um toco na estrada. Pior, não tenho ferramentas para tirar a roda e a câmara sobressalente também está furada... Ergo o carrito e Sensillo coloca o toco.
Sensillo consegue tirar a roda com um alicate e me empresta uma câmara remendada que ele tinha (com tantos remendos que parei de contar em dez).
Até já tinha pensado de dormir por ali, mas sigo pela estrada com o pneu à meia boca.
O joelho inchou de vez, está duro seguir em frente e eu já sonho com um banho quente e uma cama limpa, pois estou sujo e cansado. Vou em frente morrendo de medo que o pneu fure de novo e eu fique sem recursos na estrada.
Só me resta seguir pela estrada e dividir a preocupação entre o joelho detonado e o medo de pneu furado. Ao anoitecer falo com uns garotos para pedir informações e dali sigo para o posto de gasolina. Ali não tem onde dormir, mas tem banho quente (pago).
Tiro a casca de sujeira, o cabelo estava em pé de tanto vento e óleo diesel da estrada. Olhos injetados e extremo cansaço físico, aliado à insolação.
Mal saio dali, chega Marcelo e seu pai, Eduardo, de moto. Eu o conheci quando falava com os garotos.
Ele diz que vai chover, que esta noite eu vou dormir em uma cama.
Teria que voltar 2 km para ir até sua casa, mas eu nem consigo caminhar direito, ele percebe e se oferece para ir na bici e eu sigo na carona da moto, com Eduardo.
Assim conheço a esposa de Marcelo, Alba e suas filhas, Gimena, Yessica e Wendy. São todos muito legais, viram as fotos dos bichos e escutam minhas estórias. Tomamos um café e vou dormir numa peça que eles têm para alugar e está desocupada. Durmo em uma cama com lençóis limpinhos, Show!
14-11-05 Segunda
Acordo cedo, tiro o caiaque do reboque e vou a uma bicicleteria (taller). Peço para Varela centrar a roda direita do reboque e colocar uma câmara nova. Deixo o reboque ali e sigo com a bicicleta para comprar ferramentas e um pino para engate do reboque.

Eu não queria, mas sigo até a praia Pascoal para ver como é o rio.
Cara, fiquei revoltado, não tem nada de perigoso, sequer tem ondas. Seria infinitamente mais fácil ter vindo remando. Mar grosso só a partir de Punta Del Este e mesmo assim seria mais eu, pois só entraria no mar em boas condições.
O problema é que agora eu criei um desafio maior ainda e eu não gosto de desistir. Depois do Chuy, ainda terei mais uns 1200 km até Floripa.
Chegar ao Chuy com este carrito se desmanchando e com este joelho...Chega a parecer utopia, mas eu acredito em mim.
- Senhor, estão dizendo que não vamos conseguir!
- Que ninguém subestime este pelotão, ele já demonstrou que pode muito mais do que nem eu imaginava que pudesse.
- Quantas batalhas através da América se travaram e nós ainda estamos por aqui, peleando como centauros guerreiros que não se entregam nunca?
- Não se deixem abater se estamos em um mau momento, viram como passamos de rodo sobre Colônia?
- Não sobrou nenhum da prefectura por ali!
Ao meio dia está tudo pronto e volto para a casa de Marcelo que voltou do serviço. Colocamos o caiaque no carrito e Marcelo me presenteia com uma bolsa de enormes morangos (frutillas). Agradeço aos amigos e sigo para o posto de ontem. Ali almoço, escrevo o diário e parto às 15h30min.
Sigo no esquema de sempre, empurrando e pedalando quando dá. O vento contra irrita, obriga a pedalar, inclusive nas descidas.
Sigo em frente até chegar num desvio onde o acostamento esburacado e o intenso movimento me obrigam a empurrar a bici. A ponte tem estrutura de ferro e é muito bonita e estreita. Ainda bem que os caras daqui respeitam mais os ciclistas, pois eles não podiam ultrapassar e esperavam.Ao lado está quase pronta a nova ponte.

Passei um povoado e segui pela estrada.
Subindo a lomba do km 18 eu vi Montevideo pela primeira vez e dei um berro de satisfação. Era a última capital do MERCOSUL que me faltava alcançar.
Bem ou mal estou chegando...E com o caiaque!
A contagem regressiva começa: 10 km, 9, 8...
Às 20h30min estou na city, já está escuro. Vejo o monte que deu nome à cidade e onde tem um forte. Estou cruzando com o caminho da bici de 77...

Filmo a bici e o caiaque em plena rambla costera. Meu plano é pedir pouso no Iate Clube, só que é longe pra caramba e há um forte vento contra(não passo de 5 km/h). Acabo conhecendo um garoto legal, Frederico, que insiste em me acompanhar em sua bici.
Chegamos ao clube só a meia noite. Estou podre, há relâmpagos, peço a Juan (porteiro) que se comunique com os responsáveis para que tenha pelo menos um teto para passar a noite de chuva.
Ele volta indicando um hotel; é uma maneira delicada de dizer “não”!
Valeu!
Sigo até um posto de gasolina e como algo. Aqui é bairro caro e os hotéis são muito caros e tenho que sair ao meio dia. Se pudesse ficar o dia seguinte tudo bem. Resolvo não ficar mais em Montevideo, não gostei da “hospitalidade” embora reconheça que cheguei tarde.
Seguiria pela noite, mas o problema é que os relâmpagos são mais freqüentes e onde vou achar lugar para dormir em uma costeira às 03h30min da madrugada? Não tem onde armar a barraca!
Há umas construções com bancos de cimento e com cobertura, já na praia de Carrasco.
Não tenho escolha, sento num banco daqueles e a chuva chega forte.
Está frio e deito por ali. Deixo a bici na frente do banco.
O Vento muda de direção, então eu pego o saco de dormir e consigo agüentar o tranco até às 06h30min.

15-11-05 Terça Ciudad de La Costa dia 147
É como ter dormido nos bancos da beira mar norte em Floripa.Agora são 07h37min, escrevo faz uma hora. Dormi 3 h, mas vou em frente, não quero mais saber de Montevideo. Não fosse ter muitos amigos aqui, não sairia com uma imagem muito boa.
Estive aqui em 77 de bici e em 86 de moto, na véspera de minha formatura na Odontologia (no dia de Natal), na UFRGS. Consegui chegar a Porto Alegre 3 h antes da cerimônia de formatura; eu estava voltando do Chile com uma Agrale Elefant 125.
Andei cerca de 23 km, cheguei a Ciudad de La Costa às 10h30min e terminei de transcrever às 15h30min. O computador apagou quase tudo...Depois de cinco horas.
Fui dar uma volta para me acalmar e o cara não me cobrou pra escrever de novo, pois a culpa foi deles. Voltei a transcrever o diário e o dia se foi.
Agora são 17h49min, estou terminando mais uma parte desta viagem maluca.
Bem ou mal fizemos uns 280 km por terra e eu ainda não me entreguei.
Há placas de proibido bicicletas, mas eu não tenho outro caminho. Espero que me deixem continuar, chegar até aqui foi um sacrifício muito grande.
Agradeço aos e-mails e peço desculpas por não responder, mas tenho que seguir pela estrada que está aí do lado.
Montevidéu e Colônia Del Sacramento ficaram para trás!
Faltam ainda uns 340 km, mas o pelotão está na luta.
Fome, frio, sede, dor e cansaço são coisas passageiras e o que ficará serão as lembranças de mais uma aventura por esta América que não cansa de surpreender e marcar a ferro e fogo mentes e corações.
O joelho está melhor, uma hora ele cansa de doer e vai me ajudar a seguir.
Resolvi que vou continuar até esse joelho rebentar de vez (ou que se cure sozinho), daí eu procuro outra alternativa!
Muito obrigado pela força amigos, desculpem se estou meio revoltado, mas quem acompanhou uma parte disto tudo dá um desconto, pois é brabo ter que passar por isto.
Tudo bem amigos, essas coisas a gente apara no peito e chuta para o gol.
Hasta La Vista, Baby!

E-mail:
E ai Carinha !
Quando tu saístes de Carmelo eu te mandei 2 e-mails , mas acho que não chegaram por problemas no meu computer( a pecinha que fica na frente dele ) . O Zé do Nó aqui , estava te advertindo que não era para colocar muito peso na alça do “ carrito “ porque a solda com a trepidação poderia romper , e foi o que sucedeu . Também te alertei para fazeres alongamentos para a coluna pois o esforço seria maior e numa posição ruim para ela , mas parece que o esforço foi maior na dobradiça de baixo .
Estamos na contagem regressiva para tu chegares logo na Mirim e molhares as escamas , porque com este calor Será mais agradável e com melhor adaptação para ti já que o joelho não vai agüentar tanto esforço sem repouso para sua recuperação .As fotos chegaram muito bem , os moranguinhos eram de dar água na boca . Cara se o joelho não agüentar , é
melhor , porque pode haver maior trauma nos meniscos ou ligamentos piorando a situação e te atrapalhando na outra parte da “excursão “ , que tu resumas esta parte terrestre e pegue um transporte até a Mirim . Assim como em Carmelo o bom senso e a mudança de tática para se adaptar as dificuldades que surgem a todo momento é a melhor opção , sem qualquer desqualificação do objetivo total .
Um Abração Paulo

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Bueno, acabei saindo tarde do ciber e só tive tempo de achar um mato de pinus um pouco antes do pedágio. Melhor deixar os problemas para amanhã.
Preciso recuperar o sono e dar um descanso para o joelho.

16-11-05 Quarta dia 148

- Senhor, os irmãos Glúteos estão reclamando das condições de trabalho...
- Esses caras são uns “bunda-moles!”.
- Tudo bem, forre o banco com uma destas espumas que achamos na estrada e aproveite para forrar os punhos do suboficial Caloi.
É isso aí, já que a peleia é por terra, tenho que me adaptar. Tomei um coquetel de remédios para dor, antiinflamatório e outros bichos cabeludos que ganhei do Rojas e do Bello. Levantei o banco da bici para a perna trabalhar mais reta.
Dormi super bem e estou me sentindo melhor. Coloquei uma bússola no cano da bike para não perder o jeito.
Parto às 9 h (km 32) e sou rodeado por uma procissão colegial em apoio a um colega que morreu afogado...
Sigo na direção do pedágio, além das placas proibindo bicicletas, há uma dizendo isto em letras garrafais:
- PROHIBIDO EL TRANSITO DE BICICLETAS

Bueno, coloco meus óculos escuros, pego uma bengala e vou na direção do pedágio, se perguntarem se não vi as placas, digo que sou um cego...
Havia um guarda, mas baixei a cabeça e segui em frente, não vejo, não olho, não paro!
Passei por um local repleto de carros antigos, já comum de ver abandonados nos pátios das casas, mas ali estavam lado a lado, tudo década de 20 e 30, lindos e abandonados.
Paro às 10h30min para comer bergamotas. Hoje está bom de andar, boas retas, sem vento contra e matos de pinus ao lado.
Passei por vários balneários (Atlântida, Pinar e outros) até chegar na ponte sobre o arroio Solis, que tem uma barra com saída para o mar que segue paralelo à estrada. Está bonito o contraste do verde das árvores, o azul do céu e do mar com as dunas brancas.
Resolvo tomar banho e lavar roupas ao lado da ponte. Desço ali, esfrego, esfrego e não dá espuma...
- Seu cavalo, esta água é salgada!
- De castigo, vais tomar banho de novo quando achares água doce.
Nem precisei andar muito, pois no alto da lomba um enorme cano de tubulação vertia água em abundância. Ali tomei outro banho de caneca.
Estou me sentindo melhor para pedalar:
- Senhor, o soldado JD (joelho direito) saiu da enfermaria e quer voltar ao front de batalha!
- Ótimo! Assim nosso batalhão é quase invencível!
O sol está forte, mas sigo com a camiseta molhada e as roupas penduradas no caiaque, secando ao sol. Como lavei as alpargatas, sigo pedalando de chinelos...
Tudo planejado...
Adiante, vejo uma cerca caída ao lado da ruta e aproveito para descansar e almoçar à sombra de um bosque de eucaliptos.
São 13 h, já andei cerca de 320 km e se a estrada continuar boa assim e com acostamento, dá para acreditar. O sol está a pino, o asfalto começa a derreter e cheguei a queimar os pés ao pisar descalço no asfalto:
- Tenente Issi, é verdade que o Sr. tem uns primos árabes?
- Sim, meus avós paternos eram libaneses e os bisavós maternos italianos (Martinelli)...
- Então é por isto que o Sr. está agüentando empurrar esta bici e este pesado reboque lombas acima, com asfalto a mais de 60ºC...
- Vocês, árabes estão acostumados com o deserto, as caravanas...

- Aquilo lá é fácil, os caras seguem sentados no lombo dos camelos e sua única distração é coçar o saco além de catar pulgas e piolhos dos bichos enquanto a caravana segue!
- Atenção, não pensem que está fácil, temos “inimigos na trincheira!”.
- Os soldados olham em volta, desconfiados!
- Há uma espia entre nós, é uma “tortinha” chamada Hérnia, parece não ser de nada, mas quando age, causa dor e pânico.
- Estão vendo aqueles dois?
- Quem, senhor?
- Os cálculos renais, estão só esperando o momento de agir, fiquem alertas!
E lá se vai o pelotão, subindo e descendo coxilhas.

Agora o sol está menos forte, então vou aproveitando o ótimo acostamento desta parte, há placas e mais placas proibindo bicicletas e aumentam quando chego em outro pedágio, pior, este está em uma subida e vou passar lento. A tática do “ceguinho” não vai funcionar, tenho que adotar a “kamikaze”, coloco uma bomba no bico do maktub e todos saem da frente. Havia um guarda, baixo a cabeça, o quepe e os óculos,não quero nem que vejam para onde estou olhando. Sigo na direção do guarda e passo direto, é muito stress!
Se esses caras me pararem, não terei como seguir. É tudo ou nada! Estou tão desesperado para seguir que sou capaz de fazer besteira se tentarem me deter!
Acho que cheguei no limite físico e psicológico de novo. Qualquer coisa ou gente que se atravessar no meu caminho fará explodir o barril de pólvora em que eu me transformei.
Depois subo a sierra de los Animas. É uma parte bem bonita, são as primeiras montanhas que vejo.

Passo por Cuchilla Alta, Bella Vista (onde tem uma bóia na estrada) até chegar em um empalme (cruzamento). Poderia seguir para Piriápolis, mas percebo que a estrada para lá não tem acostamento. Tenho minhas prioridades e a principal é manter esta bici inteira sobre estrada com acostamento. Preciso preservar o equipamento e só nesta estrada será possível.

Adiante vejo dois policiais rodoviários de moto, um deles pára um carro e não irá me encher o saco, ali é a entrada para Pan de Azucar.
Acelero e desço a mil, aceno para o outro e passo rápido, acho que ele desistiu de me seguir, não iria conseguir me alcançar, he, he!
Fico feliz e vou pedalando rápido, o “coquetel” de remédios fez efeito e não estou sentindo o joelho. Vou descendo uma lomba, vejo o km 100 e desço berrando a todos os pulmões...
Acho que tem um espírito de porco na trincheira, pois no meio da descida o pneu do reboque furou... GRRR!

São 20 h, dá tempo de trocar e buscar lugar para dormir.
Parei justo na entrada de um sítio. O dono dali vem olhar o que é aquilo.
É Ricardo, um senhor bem legal e diz que este era seu sonho... Oferece o sítio!
Legal, é só trocar o pneu e vou dormir abrigado e tomar um mate.
A bomba de inflar que comprei é pré-histórica, irritante e não infla. O reboque está apoiado num toco e não posso movê-lo dali...
Brincadeira, não consigo arrumar e sou obrigado a armar a barraca ao lado do reboque ali na beira da estrada. Perdi o papo, o chimarrão e o abrigo...

17-11-05 Quinta dia 149 Agora são 06h48min, já comi a gororoba e vou tentar consertar a bomba, caso contrário, não tem como sair daqui.
Seu Ricardo foi para a cidade cedo. Não tem jeito, a bomba não infla, então coloco a roda no lugar e arrasto o corno do reboque para dentro do sítio e peço a D. Laura para deixá-lo ali enquanto vou de bici até Pan de Azucar com a roda.
Foi a melhor solução que encontrei, estou puto com este pneu velho que queria trocar desde Carmelo e que me garantiram que estava bom...
Já furou duas vezes! E essa bomba de merda que não enche bosta nenhuma...
Vou de bici até a city, deixo a roda numa gomeria e vou buscar uma loja para comprar uma bomba de pé que preste, uma câmara nova e um pneu novo.
Foi um ir e vir para achar a bendita loja, cada um dá uma informação diferente e fico zanzando de um lado a outro da cidade, GRRRR!
Encontro um velhinho super simpático e sigo caminhando a seu lado até a praça. Dali um garotinho me leva até a loja.
Compro tudo o que precisava e o cara que está ali pergunta se eu não sou o cara que vem de Carmelo...


Ele estava em Carmelo e viu meu caiaque na loja de Mário, o que construiu o reboque, baita coincidência!
Volto pra gomeria e o pneu que comprei não serve, destroco o pneu e vou procurar outra loja, mas nenhuma tem na medida certa. Resolvo comer algo, tomar um vinho e depois vou a gomeria, os donos já saíram para almoçar...
Está um calor dos diabos, o teto da borracharia não muda nada, mas tenho que esperar o pessoal voltar.
Pego uma câmara grande e deito por cima, ao lado da bici. Duas horas depois chega o dono, monta o pneu velho e volto para o sítio de Ricardo. Assim se foi o dia.
Monto a roda no lugar e sigo pela estrada, já às 16h.

AD ASTRA PER ASPERA (aos astros, por caminhos ásperos!)
Fiz 15 km nesta brincadeira, para lugar nenhum!
Bem ou mal, já fiz mais de 360 km, faltam só 260... Fuerza y avante!
Amanhã completará cinco meses ou 150 dias de viagem, onde estarei?
Sei lá, não me importa.
- Deixa a vida me levar, vida leva eu...
Hoje é outro dia de sol e sem nuvens, calor tórrido e pior ainda no asfalto.
Bueno, tento seguir pelo menos um pouco hoje e vou tocando pela estrada.
O câmbio começa a estralar e eu fico desconfiado, não posso fazer muita força agora que o joelho ficou bom, pois sempre deu problema quando peguei velocidade e tenho medo que rebente.
Por isto, desço em qualquer lomba para não forçar muito, pois é muito peso no reboque, percebi isto hoje quando fui só de bici, a diferença é impressionante.
Estou numa reta, sol a pino e a corrente rebenta...
Uma bici sem corrente

Estou enfurecido, agora que arrumo uma coisa, estraga outra!
Tenho um ataque de fúria ali no meio da estrada, estou só com um litro de água e tenho que caminhar sem parar...
Assim me vou pela estrada escaldante...
- Senhor, e esta multidão atrás de nós? Eles não param de nos seguir...
- Deixe-os, estão no “filme errado”, pensam que aqui é “Forest Gump!”.
Sigo arrastando minha “cruz” por 5 km sob um sol escaldante e chego num boteco (só falta os caras da prefectura com chicotes, mais o chefe deles que “lavou as mãos”...).
Pego água e sigo empurrando mais dois quilômetros até um local onde parece haver uma oficina de motos...
Chego num bar, pago dois picolés para uns piás que estão por ali. Tomo um sorvete e sigo para a oficina que fica numa rua de chão, entre um bosque de eucaliptos. O lugar é alto astral (buena onda). Por coincidência, os piás a quem dei o sorvete eram filhos do mecânico. Ele se chama Andres, meu tocayo e sua esposa Monica e os filhos Andres e Eduardo. Ele remenda a corrente e solda um ferro que havia rompido no reboque. Nem quer cobrar, então dou uns trocados aos piás para comprarem sorvete. Que pessoal legal.

Depois volto para o bar, tomo um leite achocolatado e resolvo dormir por ali mesmo, pois está escurecendo e o mato protege do vento. Penetro em várias ruas do loteamento e acampo meio escondido onde não passa ninguém. É um mato de eucalipto, mas há uma vegetação rasteira que protege do vento.
Cacilda, não consigo avançar, é um problema atrás do outro.
18-11-05 Sexta-Feira 150 dias 5 MESES DE VIAGEM
Estou há uns 110 km de Montevideo, escrevo há 1 h, agora são 7:20 h. Tenho que chegar a Maldonado e colocar uma corrente e um pneu novo para seguir melhor. Estes não são os únicos problemas, ainda tem a policia caminera que pode me parar a qualquer momento, mas já tenho um plano para esse caso: largo a bici (já que a proibição é para a bicicleta) no acostamento e sigo à pé, só com o reboque. Ninguém vai me deter agora. Acho que consigo caminhar 30 km/dia.
Como diz o hino tricolor:
- Até a pé nós iremos, para o que der e vier...
É isso aí, cinco meses e 150 dias já se foram. Aldo, meu grande amigo, dissestes que eu só iria durar cinco dias... Qua, qua, ra, qua quá!
Tá certo que eu quase morri no 4º, 5º e 6º dias. Nunca vou esquecer daqueles momentos embaixo d’água, rolando e batendo nas pedras e sem conseguir subir. Mais um pouco nem sabia onde era a superfície. Fiquei consciente o tempo todo e sabia que estava morrendo, foi apavorante! Seguir depois daquilo foi pior ainda. Foram 15 dias de corredeiras, entrando em rápidos sem saber se depois de cada curva não haveria uma cachoeira fatal.
Jogo muito duro brody!
Houve outras onde quase quebrei as pernas tentando parar a mim e ao caiaque enquanto rolávamos mais de 300 metros nas rochas e na correnteza. Depois o choque com a cabeça, dois dias deitado na margem sem quase poder mover-me o trem linha e o hospital...
A raiva e a decisão de continuar e a superação do pavor! Foi quase uma vida, bichos, sobrevivência e amigos.
Nem em meus sonhos mais loucos imaginei que hoje estaria levando meu caiaque de bici com reboque por 620 km... Essa eu me superei!
Bueno, o que importa é que as aventuras continuam, bem ou mal, o pelotão farroupilha segue em frente, um dia chego no Chuy!

Parti cedo e vou usando marchas leves, mais empurrando que andando, tenho que levar tudo até Maldonado onde compro corrente e pneu novo.
Após subir uma imensa lomba, chego no mirante de Punta Ballena, de onde posso ver o Cerro Pan de Azucar (há mais de 20 km) e Punta Del Este, um pouco a frente. Sigo até chegar em Maldonado, um pouco antes do meio dia e ali troco a corrente e coloco pneu novo. Agora sim, acho que dá para chegar no Chuy.
Trocando corrente e pneu em Maldonado Mansão de Punta Del Este

Atravesso Punta Del Este, sigo pelo lado de playa Brava e o mar está calmíssimo. Até agora não vi nada que não pudesse ter feito por água. Isto me deixa um pouco em paz, não fosse aqueles maricones de Carmelo teria vindo, tranqüilamente, até aqui.
Tudo bem, ALÁ AKBAR! DEUS É GRANDE!
Fui em frente até La Barra, onde tirei fotos ao lado da ponte ondulada, a mesma onde tirei em 77 com a outra bici, coisas de High Lander!
A ponte ondulada de La Barra (Punta) A primeira viagem internacional rumo a B. Aires

A estrada segue costeando o mar que está tranqüilo e sem ondas. Altíssima especulação imobiliária e placas de prohibido isso, prohibido aquilo, tempos modernos!
Sigo em frente até chegar em uma ponte sobre a barra da Laguna Jose Ignácio, km 180, às 19:20 h.
Dali chego em outro cruce.
Estou cansado, seguindo em frente a estrada é de chão, rípio. Tenho que dobrar à esquerda e seguir para Rocha, 57 km rumo a ruta 9. Tudo pavimentado e com acostamento.

O homem do posto diz que em frente não dá para seguir, que tem uma balsa para cruzar a Laguna Garzon e que depois a estrada termina na Laguna de Rocha:
- De ahí no pasa, no ahi nadie, sólo arenales!
- Cara, eu acho que ele quis dizer... Impossível!
- Cara, nem vem, eu sei que tu vais fazer merda!
- Eu já te conheço, tu vais nos meter em fria!
- Pelotão, preparar para a peleia, vamos seguir em frente!
- Por onde?
- Até parece que vocês não sabem o comandante que têm, é lógico que iremos pelo rípio rumo à balsa e por esta estrada com fim...
- Quem irá nos salvar?
- Vocês mesmos, seus idiotas!
- É só acreditar em vocês mesmos!


Está muito tarde para chegar até a balsa, vai escurecer e tenho que achar local para dormir antes disso.A estrada está cheia de calaminas e tudo vai sacolejando atrás, que Deus nos ajude!
Penetro em um loteamento com ruas aterradas entre a vegetação de beira mar e encontro abrigo embaixo de uma pequena árvore abrigado do vento que vem do mar aqui ao lado.
19-11-05 Sábado dia 151
Hoje faz três meses que saí do Brasil (em Foz do Iguaçu) , foram várias aventuras, estou iniciando outra aqui nesta estrada que dizem que no hay paso.
Se quebrar algo aqui, não sei o que faço. O importante é que continuo seguindo o mar, se algo quebrar, meu destino é o mar.
Amanheceu com o canto dos sabiás-laranjeira, seriemas e outros.
Agora são 06h54min, escrevo há uma hora, vou partir rumo a tal balsa, espero que o reboque agüente.
Lamento pelos soldados, mas este é um pelotão de guerra e eu enchi o saco de asfalto, ali nada acontece, eu quero aventura!
Este pelotão voltará coberto de glórias ou terminará nos céus de Olímpia.
Cinco km depois, chegamos na balsa que está no km 190.
É a Barra de Laguna Garzon.

Estou radiante de alegria, não sei o que tem pela frente, os caras da balsa dizem que na lagoa de Rocha não tem nada, falam de arenales. Devo pegar um desvio 8 km antes e seguir para Rocha ou cruzar sobre a água... É, eu posso colocar o reboque sobre o caiaque, seguir empurrando por fora, voltar e buscar a bici... É uma idéia!
O problema é se a água for salgada, vai detonar bici e reboque.
Azar, eles se alistaram para seguir só até o Chuy, dali eles que vão para um hospital.
Bueno, sigo filmando e fotografando tudo, pois as paisagens são belíssimas. Há lagoas de um lado, mar de outro. Campos a perder de vista, bosques de mata nativa, de eucaliptos e de pinus.
O verde dos campos contrasta com o azul do mar, é muito show!
Eu fico rindo sozinho, como é bom ser aventureiro, ter estes momentos embriagantes de liberdade, isto vicia brody!
Sigo pela estrada, não é tão ruim assim, só não sei até onde tudo aguentará!
Agora é o pneu direito que está perdendo pedaços, já caíram dois gomos e está caindo o terceiro.
Para comemorar os três meses fora do Brasil, a tropa irá tomar banho de sanga.
Encontro uma ao lado da estrada e ali faço a barba, tomo banho e lavo as roupas.
Estou secando quando chega um senhor a cavalo, é Mario.

Ele confirma que não dá para passar na lagoa de Rocha... Fala dos arenales e que não há caminho. Diz que há um desvio antes e que devo seguir por ali...
Acontece que botei na cabeça que vou passar, de uma forma ou outra.
Atravessando a barra, chegarei em La Paloma e sigo pela beira do mar como quero.
Sigo em frente até às 11:30 h e resolvo descansar a sombra de um bosque de eucaliptos, pois estou “morrendo” de fome.
Comi a milaneza que comprei ontem, morangos, bergamotas, laranjas e bananas. De sobremesa, chocolate!
O caiaque está mais carregado que nunca, agora com frutas, mais água, ferramentas e repuestos para la bici.
Depois faço a “siesta” até às 13:30 h. O sol está muito forte, mas tenho que seguir para aproveitar o vento favorável.
No km 213 chego no tal desvio e vou em frente. Agora a batalha se desenvolve nos campos que serpenteiam sem parar. Marrecas piadeiras, maçaricos e Tarrãs dividem o espaço com gaivotas e outros bichos do mar.

Cada vez pior, há uma placa:
- CAMINO SIN SALIDA
Outra:
- PARQUE NACIONAL LACUSTRE

Área protegida, prohibido isso, prohibido aquilo, acampar, cazar, nadar, respirar, viver, ser livre!
Admirável Mundo Novo!
- Homens é contra isto tudo que lutamos!
- Libertem os oprimidos com o seu exemplo de persistência!
Nosso mundo está ficando muito pequeno, nunca havia me dado conta da quantidade de coisas proibidas, tá louco brody!
O Uruguay me passa a impressão de ser uma grande fazenda, onde as sedes de estâncias estão nas cidades.
Vou passando entre as dunas, piso de grama, mais empurrando que andando e chego no fim às 17 h.
A barra parece estar fechada, não sei se há outra barra mais adiante, onde não posso ver com o binóculo. Aí já terei entrado nos areais e não terá mais volta.
Se eu descer aquela lomba em direção da beira, cruzando areia mole, não dá mais para voltar. Vou sozinho investigar e analisar minhas chances.
A lagoa é profunda e salgada, não dá para cruzar como planejara (não há como levar o carrito sobre o caiaque sem que ele vire. Eu teria que ir nadando ao lado, tenho que seguir pela beira arrastando tudo. Volto pro pelotão e comunico a decisão de seguir em frente.
- Pelotão! Sentido!
- O campo de batalha está aí em frente, quero que lutem como Gaúchos e que arrasem tudo o que encontrarem pela frente, principalmente a prefectura.
- Avançar!
E lá vamos nós, estou com o coração a mil, não sei se consigo, mas agora é tarde para recuar, que Deus me ajude!
Quem mandou aquele cara do posto de gasolina dizer que não dava?
Acho que vou fazer merda, maldito espírito aventureiro!
Atravesso os arenales da descida e chego na beira da lagoa. Sigo em frente, mas não é possível seguir com tudo. Tenho que seguir só com o reboque e depois voltar e pegar a bici.

Assim eu e o Fernando cruzamos o canyon Fortaleza, quando fomos até lá, de bicicleta desde Porto Alegre, descemos de cordas (com bicicletas e mochilas) por dentro do canyon durante oito dias e voltamos pra Porto, 13 dias depois de sair.

Não tivesse tirado fotos, ninguém acreditaria que fizemos aquilo. O canyon tem uma profundidade de 1000 m(o Taimbezinho tem 300 m) e uns 15 km de extensão.
Enchi o saco de arrastar e voltar. Crio coragem (acho que não tenho forças para recolocar o caiaque no reboque) e tiro o caiaque do reboque. Os problemas são os bancos de areia onde o caiaque encalha n’água rasa.
Então eu faço o seguinte: Primeiro eu levo a bici e o reboque pelo areal e volto pro caiaque e o arrasto sobre os bancos de areia (não posso remar, pois está cheio de coisas dentro do cockpit). Vou me revezando nas tarefas até chegar onde queria.
Por terra e mar o ataque do pelotão foi bem sucedido.
Nos campos uruguaios o pelotão obtém mais uma importante e estratégica vitória!
Dureza brody, detonei o joelho de novo, gastei três longas horas, mas consegui chegar na vila de pescadores do outro lado.
Coloco o caiaque no reboque e sigo por uma estradinha de grama. Passo pela vila de pescadores, os cães vêm por cima e ninguém chama, ficam só olhando...
Depois eu “furo” um perro de mierda e aí os chifrudos vão reclamar.
O máximo que faço é encarar os cornos com meu olhar assassino, eles sentem o poder do mal e ficam só latindo.
Sigo até chegar numa estradinha de terra e pedras, é chão firme, eu consegui!
Estou feliz demais, detonei o joelho, estou com dores pelo corpo do esforço, mas eu consegui. Superei mais um obstáculo!
- Seu fresco! Já não estava difícil pelo asfalto? Tinha que complicar ainda mais?
Bueno, há nuvens no horizonte, escurece e não sei onde vou dormir, não há árvores por perto e estou longe da city, são 20 horas.
Sigo mais um pouco e paro sob uma destas arvorezinhas que nascem inclinadas, de acordo com o vento.

Fica ao lado das dunas do mar e no meio do campo cheio de tufos de juncos e jararacas, igual aos juncos da praia do Cassino, que usávamos para fazer lutas de “espada”na infância! Mais ao lado está a laguna de Rocha.
Entra um forte vento, a pequena árvore protege um pouco. Bici e caiaque na frente da porta. Que dia!
20-11-05 Domingo dia 152
Acordo cedo e sigo pela estradinha. É um sobe e desce até que chego numa forte lomba que tenho que subir por partes. Depois como mais um pouco pelo campo onde vi 3 colhereiros cor-de-rosa lindíssimos. Duas horas depois chego de volta ao asfalto. Viro a direita para La Paloma e quando estou descendo a lomba, rebenta a corrente nova que coloquei em Maldonado...É soda, brody! Justo num domingo...

Caminho até uma fruteira e o pessoal dali é super simpático. Florência e seus pais (Marla y Roberto) querem ajudar, querem me levar de carro, mas não cabe a bici.
Chega Richard que me leva em sua camionete até uma oficina (o reboque ficou estacionado na frente da fruteira) onde a corrente é remendada. Ainda bem que estava aberta...
Depois sigo até o farol de La Paloma, como um choripan (um cachorro quente) e venho para um ciber onde estou escrevendo e enviando fotos há exatas 7:40 h.
Escureceu, amanhã é segunda e aproveito para colocar outra corrente, a 3ª. É melhor que seguir pela estrada com uma remendada. Bueno amigos, como podem ver a peleia é bruta e feia, mas entre mortos e feridos estamos avançando. Ainda tem muita encrenca pela frente, ainda mais da forma que pretendo sair daqui, mas isso é outra estória e conto no próximo capítulo, he, he!
Um baita abraço do amigo
André!
E-mail:
Oi,André,é isso aí,o pelotão Farroupilha não pode desistir agora.
Estamos torcendo para que sigas em frente,sempre superando todos os
problemas com força e bom humor(a história da mosca foi ótima).
Já sabes se vais vir pelo mar ou pela Mirim? Acho a lagoa muito mais
bonita,a praia só fica legal depois de Torres.
Grande abraço,tudo de bom Henri

Hola Andre
Indudablemente el tipo de travesia que estas llevando en esta etapa es totalmente distinto al anterior por cuanto son otros los desafios que debes superar pero lo más importante es que perseveras en tu meta de completar tu recorrido,Adelante Nosotros te seguimos desde aca.Un abrazo Miguel Contreras

E aí gaudério,
como vai o joelho? Vai agüentar até chegar no Brasil? O Grêmio lidera o quadrangular por 2 pontos faltando uma rodada e pode tanto ser campeão como ficar em terceiro. Está dramático como sempre, mas acho que vamos ser campeões! Força, estamos te esperando para a comemoração!
Um grande abraço,
Osmar

La Paloma ao Chuy

Olá amigos, cheguei aqui (Chuy) às 15 h depois de quase ter insolação, falta pouco para executar o plano “x”, sair do Uruguay como entrei: navegando e sem dizer nada aos cornos da prefectura.
Se alguém quiser ser meu inimigo, é só falar bem destes “maricones” da prefectura Uruguaya (de Carmelo), peguei uma raiva destes caras que não consigo superar, quero mais é que morram dentro de uma tina de madeira, em Carmelo, se possível!
Bueno, vou seguir o diário desde La Paloma:

20-11-05 Domingo dia 152
Acabei ficando 9 h na internet e quando saí já passava de 22h. É melhor procurar um camping, pensei.
Peço informações e sigo subindo lombas com a corrente remendada, amanhã eu troco ela por uma nova.
Empurrar este trem é dose, sigo por quase 2 km e não encontro o camping que falaram, acabo me irritando e entro num bosque de eucalipto no escuro mesmo, deve ser proibido acampar, mas vão se ferrar, não achei o camping.
Já estou craque de armar a barraca e armá-la no escuro não é tão difícil assim.

21-11-05 Segunda dia 153
Agora são 6:54h, pretendo ir no centro de La Paloma, coloco uma corrente nova e sigo.
Agora são 7 h, fiz as contas e o money tá curto, não tem caixa automático por aqui e a grana, uns 16 reais, dá só para chegar no Chuy.
- Tenente, La Paloma fica à esquerda!
- Esqueça, temos outras prioridades! Como está o pessoal?

- Soldado JD (joelho direito) está novamente com problemas sérios, acho que foi o esforço nos areais. Como temos que empurrar mais ainda agora, ele está sentindo muito.
- Nosso cavalo está doente e só pode ser utilizado em descidas ou retas com marchas leves (com marcha leve dá umas cinqüenta pedaladas e quase não sai do lugar). Isso sacrifica ainda mais JD!
- Ele é um herói, mas não podemos poupá-lo agora, pois ainda nos restam 150 km.
- Espero alcançar Chuy em 3 dias.
- Lá chegando, poderemos poupá-lo, pois seguiremos navegando.
- Dê-lhe mais um “coquetel” de medicamentos...
- Também está no fim, senhor!
É isso aí, estou mais caminhando que pedalando. Quando completar estes 650 km por terra, certamente terei feito uns 200 km a pé, empurrando lombas acima este conjunto que passa de 100 kg, incluindo a bicicleta.
Quero ver se consigo fazer 50 km/dia com a corrente remendada mesmo. Se já empurrava antes, agora ainda mais.
Está tudo no fim, o câmbio (as rodinhas) já não tem mais dentes e estralam sem parar, vai rebentar, só não sei quando.
Além de doer, o joelho começa a dar uns “fincões”. O sol abrasador e o asfalto quente querem dar o golpe de misericórdia, mas o que eles fazem é só me irritar ainda mais.
Primeiro o astral baixa, depois me dá uma raiva tão grande que sinto mais força ainda para seguir em frente.
A corrente agüenta até não sei onde, quando rebentar, seguirei empurrando.
Já preparei o espírito caso isto aconteça.
Para completar o quadro, o Sr. Veiga passa numa camionete 51, rebocando um Ford 28 e me oferece carona ao me ver no sol, empurrando tudo.
Agradeço a ele, mas eu só chego no Chuy de um jeito: por minhas próprias forças!
Ele diz que tem uns 20 carros antigos e que os vende na faixa de US$ 800,00.
Se pudesse, levaria um comigo para curtir em Floripa.
Descansei no km 244 e depois segui até às 12 h, quando o calor se tornou insuportável. Parei a sombra de eucaliptos e o vento de través ficou violento.

Deito na grama alta e faço uma siesta.
Agora são 14h19min tenho que fazer mais 25 km para alcançar o objetivo do dia, não tá nada fácil, mas o furo é mais embaixo. Aqui é só campo a perder de vista, quase não tem água nem para lavar as mãos, os açudes estão dentro das fazendas e não entro para não me incomodar.
Sigo em frente às 14h50min e um pouco adiante encontro Oscar, ele está seguindo à cavalo para outra fazenda fazer um serviço e nossa marcha é quase igual. Então seguimos conversando por uns 10 km, foi bom, eu me distraí e o papo estava bom.
Depois passei pela entrada para o Cabo Polônio, deve ser lindo, pois encontrei vários carros especiais para excursões pelas dunas até o cabo. Uma Toyota com rodas enormes chamada “La Tortuga Ninja” e outros caminhões no mesmo estilo levam os turistas.
Finalmente cheguei no Arroyo Valizas (km 267) onde comi um “refuerzo” no boteco.


O cara cortava o salame, limpava a faca num “pano bem limpinho” e cortava o pão e o queijo, sempre limpando a faca no pano. Depois ele usa o pano para assoar o nariz, he, he!
Fiquei ali conversando com eles, tomando um copasso de vinho para esquecer a dor no joelho.
- Eles falam que já sabiam que eu estava vindo, pois um cara falou pra eles que havia um “biruta” de bicicleta com uma imensa canoa a reboque.
Eu só tenho que rir junto, pois isso é coisa de biruta mesmo. É mais fácil aceitar o “título” que tentar explicar uma viagem louca de quase 5000 km até aqui.
Nem eu acredito que estou fazendo ou que fiz isto, como querer que alguém entenda ou acredite?
Bueno, vou passar de 50 km, só falta um para completar.
Parto às 19 h e agora o sol se foi atrás das nuvens. Sigo por um asfalto não tão bom até chegar em Águas Dulces, km 280, fim da ruta 10 e início da R16 que segue por 10 km até Castilhos.
Essa não tem acostamento, e sigo já no escuro até encontrar umas árvores ao lado da pista onde fico meio mocoseado. Ë capim alto, escuro; havendo uma jararaca adiós pampa mio. Não consegui tomar banho, estou imundo e dormir assim é soda, pelo menos fiz uns 65 km. Deveria ter tomado banho no Arroyo Valizas, agora azar!
22-11-05 Terça dia 154
Agora são 07h14min, dia bonito e bucólico, há campos sombreados e os pássaros cantam muito. Há uma infinidade de pés de butiás, mas sem frutos...
Parto às 8 h, mas 30 min depois encontro um riachinho, ideal para um banho de caneca e também para lavar as roupas, fazer barba, etc.
Os carros passam e olham o “maloqueiro” feliz da vida tirando aquela coisa grudenta, mistura de suor com queimado de sol e diesel dos caminhões.
- Senhor, há um cheiro de bicho morto aqui, esta água pode estar contaminada!
- Todos olham, reprovando o infeliz comentário:
- Tu vieste tomar banho ou beber a água?
- Deixa de “mariconadas” que temos muito que fazer

Tchê, foi da noite pro dia, tomei o “coquetel” pro joelho e agora, de banho tomado e sem dor, o astral melhorou.
O problema é que esta estrada tem subidas fortíssimas e tenho que fazer uma força desmedida para levar a bici e a parafernália até o topo de cada uma. As subidas são feitas por etapas, tenho que parar seguidas vezes para recuperar o fôlego.
- Cara, lembrei que foi nesta estrada que vi uma “assombração” em 77. Eu era guri, era uma noite de relâmpagos e chuva forte. Vi uma coisa horripilante no meio da estrada (iluminada por um relâmpago) que me deixou de cabelos em pé e que me fez pedalar como um louco, lombas acima e abaixo com uma bici sem marchas... Ri muito lembrando do ocorrido!
Depois de 10 km, chego em Castillos, não sem antes subir uma última lomba forte...

Chego de novo na ruta 9, no km 265. Avanço até encontrar uma barraquinha de licores e queijos.
Eles aceitam trocar os reais que me sobraram de Foz.
Comprei uma baita peça de queijo e uma garrafa de licor de huevos...
- Senhor, licor de huevos...
- Si, es para tener “huevos” para agüentar este sol e o asfalto quente que tornam difícil até para respirar, está jodido, brody!
Cara, só para ter uma idéia, tomei seis litros de água só agora de manhã, fora mais da metade da garrafa de licor (hic!). Assim eu não sinto tanto o calor.
Nem um riachinho de merda para molhar a camiseta. Não vou gastar minha água de beber com frescuras.
Estou quase com insolação quando chego no km 281 e me atiro no capim alto e quase “desmaio” de cansaço e de “borracho” do licor.
Minha respiração está muito quente e nem sinto as moscas que torram a paciência. Acordo umas 2 h depois, onde estou?
Sonhei que estava na Guarda, na pousada e acordo no meio desse capinzal abraçado na garrafa de água que me serve de travesseiro.
Ainda está muito quente, mas sigo em frente, quero chegar na fortaleza de Santa Tereza, tirar umas fotos e dormir em um camping para tomar um banho quente.
Vejo a Laguna Negra à minha esquerda e muitas emas selvagens pelos campos, há retas quilométricas, mas na verdade são subidas. Isto vai me detonando, pois tenho que ir empurrando para não detonar a corrente.
É até um alívio quando passa um veículo barulhento, pois assim não ouço os estralos do cambio e da corrente. Como sempre faço, recolho vasilhames de óleo atirados ao lado da estrada e despejo na corrente e no câmbio. Mesmo assim tudo continua estralando e me deixa com os nervos à flor da pele, pois fico só esperando o momento em que tudo vai rebentar.
Outra coisa que dói muito são os pulsos, pois fico inclinado para frente e tenho que olhar para adiante. Cansa o pescoço e os pulsos.
Às 19 h finalmente chego na entrada do parque. A entrada é guarnecida pelo exército, mas estes não são pentelhos, os caras são até legais. Dizem que é mais fácil seguir por dentro do parque, que por ali é tudo plano e que ainda faltam 4 km até a Fortaleza...
Está escurecendo, vejo lhamas soltas, um mini zôo e o asfalto esburacado seguem entre os bosques. Tenho que empurrar a toda hora, estou cansado e suado.
Porra, aquele corno falou que era plano, está escuro, não chego nunca e ainda por cima está cheio de subidas...
Pior, não tem mais ninguém por aqui, sigo pelo meio dos bosques e chego num lugar cheio de caminhos e placas.
Há uma que diz “Forte” e por ali me vou.
Outra subida forte desço e vou empurrando, xingando a mãe do soldado até a centésima geração.
Estou enlouquecido de raiva, vou gritando palavrões até chegar em uma porteira... Com correntes e um cadeado! Se não der de passar ali terei de voltar tudo de novo
Cara enlouqueci! Queria cortar os arames, matar o cara e mais um monte de coisas, mas no final voltei até aquele monte de placas que indicavam o caminho errado.
Perguntar pra quem?
Seguir por onde? Nem pensar de voltar, odeio voltar!
Sigo por outro caminho, encontro bares, mas nem viva alma. Subo outra enorme lomba e chego na saída de uma cancela. Há um soldado ali, ele diz que eu já estou no camping (na verdade, ali já é a saída), que tenho que voltar e descer a lomba que me peidei todo para subir e ali encontrarei os banheiros...
Volto só porque agora eu vou tomar esta porcaria de banho... E aí deles se não for quente!
Encontro los “gabinetes higienicos”. Está tudo escuro, não tem luz...GRRRR!
É brincadeira, só matando alguém.
Pego minha lanterna, entro no porão e encontro a chave geral. Ligo, mas não acende nada. Vou pra fora e percebo que acendeu uma solitária lâmpada no banheiro das mulheres.
Finalmente tomo o ambicionado banho. Depois monto a barraca ao lado dos banheiros e vou dormir, ufa!
Ah, o soldado não me disse um pequeno detalhe, a Fortaleza só abre sextas, sábados e domingos, hoje é terça...
23-11-05 Quarta dia 155
Acordo cedo, e o pelotão parte para mais uma peleia!
Em pleno século XXl ocorre outra feroz batalha de campanha, Tenente Issi e seu pelotão atacam a fortaleza de Santa Teresa com canhão e machete (facão) colombiano.

Foi emocionante, até hoje mulheres e crianças comentam da vez que o pelotão farroupilha reconquistou a fortaleza para a República do Rio Grande.
- Senhor, os prisioneiros...
- Os que forem da prefectura podem degolar, o resto soltem, para que contem a estória do que houve aqui!
Essa fortaleza foi construída pelos portugueses em
Às 9 h estou na estrada.
Outro dia de sol forte, vento contra e lombas que parecem retas. Caminhando e pedalando com marchas leves (viajar com marchas leves é um suplício, pois dá miles de pedaladas e quase não sai do lugar), vou seguindo em frente. Vou tomando todo meu estoque de água, o ar está muito quente e as ondas de calor fazem parecer ter água no asfalto. Sigo de chinelos de dedo e assim vou até parar na única sombra mais ou menos. Estou com insolação, passo a cerca(pela primeira vez) e vou pelo campo até uma poça de água. Tomo um banho de água barrenta e quente com minha caneca de esvaziar o caiaque. Santo remédio!
Tirei aquela meleca grudenta do corpo! A contagem regressiva começa, estou quase chegando.
Passo pelo prédio da aduana (deveria parar ali e dar saída do Uruguay), mas decidi passar reto, eles que venham atrás.
Não quero nem saber de sair legalmente, tiro fotos na beira da estrada com placas sinalizando a fronteira...
Era a última barreira para chegar ao Brasil! Basta seguir reto...

Só que eu não vou ao Brasil, vou entrar em Chuy (Uruguay).
Eu entrei no Uruguay remando e desta maneira vou sair, eles que “guardem” essa autorização.
Era só cruzar a rua e estaria no Brasil, mas o pelotão não quer nem faz acordos. Nossa peleia ainda não terminou!
A paz será assinada apenas com o sangue do pescoço do prefecto de Carmelo!
Bueno, cheguei aqui em Chuy às 15h, entrei neste ciber e iniciou um violentíssimo temporal, faltou luz.
Agora são 21 h. Ainda tenho que comprar mantimentos e seguir uns 7 km até o Arroyo San Miguel, não sei como é, mas ali eu boto o caiaque n’água e entro na Lagoa Mirim. Não dei nem vou dar saída do Uruguay, simplesmente quero que a prefectura encontre o reboque no campo e saiba que eu fui por ali...
Alguém lembra do filme “Um sonho de Liberdade?”.
Quem sabe o “Expresso da Meia Noite?”. “Papillon?”.

FIGA PRA VOCÊS, SEUS CORNOS DA PREFECTURA (DE CARMELO), QUE SE EXPLODAM!
Por causa destes cornos eu me ferrei por 650 km, mas isto eu vou lembrar como uma coisa boa, como mais um desafio vencido, obrigado Senhor!
Meu plano era encontrar um piazinho bem pobre e dar-lhe a bici e o reboque de presente de Natal, mas eu não sei ainda. Já é tarde, preciso tomar um banho, achar local para dormir, comprar mantimentos e seguir sem reabastecimento até Pelotas, pois não tem nada daqui até lá.
Li todos os e-mails e peço desculpas por não ter tido tempo de responder, agradeço a força de meus amigos, muito obrigado!
Assim que puder eu respondo todos.
Bueno, foram quase 5000 km de loucuras e mais de cinco meses, ainda faltam uns 1100 km, mas devagar a gente vai chegando.
Um baita abraço do amigo
André!


E-mails:

GRANDE ANDRÉ
TU É O CARA VÉIO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
NUNCA VI NADA IGUAL NA MINHA VIDA, E OLHA QUE EU JÁ VI COISA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
ESTAVA CORRENDO UNS CAMPEONATOS PELO BRASIL, MAS AGORA CHEGA, ESTOU EM FLORIPA E ESTOU EMBARCANDO AS COISAS NO BARCO, DEVO HABITA-LO POR AGORA PRA TESTAR ALGUMAS COISAS, FECHAR MAIS ALGUNS PATROCINIOS, E PARTIR.
TOMARA QUE ESTEJE POR AQUI NA SUA CHEGADA, SERÁ UM PRAZER.
TENHO SORTE EM TER TE CONHECIDO, REPETINDO, VC É O CARA!!!!!!!
BOA SORTE POR AÍ CAMPEÃO, PRECISANDO DO AMIGO ESTOU A SUAS ORDENS.
GRANDE ABRAÇO E BONS VENTOS.
GUSMÃO. - VELAS SUL - FLORIANOPOLIS

27 Nov 2005O cara é "fera" e valoriza o fator humano. É só observar como faz referências às pessoas que encontra pelo caminho. Parece um "grande louco que tem os pés no chão" com muita determinação e maior como pessoa. Celso (Comentário feito na página do www.popa.com.br

Hola Andres.
Cómo estas???? y por donde vas???, hoy 29/11/05.
Llegaron las fotos de Uruguay y de tu recorrido, estan buenisimas y parece que el invento funciona, No???
Te mandamos desde el Club muchos saludos y mucha fuerza para que logres tu cometido,
Saludos de Cristina, Julio, Carlitos etc, etc. Carmelo Rowing Club
Oi André,obrigado pelas fotos,agora falta pouco para ir para a água de
novo.ATENÇAO: previsão de mau tempo para a noite de quarta para quinta,com
ventos,chuva e talvez granizo,melhorando quinta de tarde.
Aqui no Rio Grande Yacht Club,tem mais gente acompanhando as tuas
peripécias,inclusive o comodoro,que me pediu para te dizer que te oferece
alojamento e uma janta,onde poderás nos contar algumas passagens
interessantes.Boas navegadas,tudo de bom Henri
Andres estoy acompañandote a la distancia y me preocupo saber que estuvistes detenido quisiera saber cual fue el motivo y si ya lo solucionaste. te sigo acompañando y deseo que todo te vaya de maravillas y que no surjan mas inconvenientes y si los hay que puedas solucionarlo. bonita . Alfredo y yo siempre nos acordamos de vos “ para triunfar , sacrificio y valor” “nada es imposible mucha suerte. Diana
Eu vi as fotos, todas elas chegaram por aqui véio! Tu tá puto da cara com esses patrulha dos uruguaios,...aquela tua foto partindo de 3 listras (facão) pra cima do forte tá um sarro cara!! Qualquer ajuda que precise por Pelotas ou em Rio Grande avisa que tem gente do remo por lá! Uma boa viajem agora de volta pra casa! ISSI!
Abraço e bons ventos e um bom calor!!!!
Abraço! Callegari

Hermano, que cosa mas difícil que fué... 650 km empurrando mi “trene” sob un sol fuerte y pavimiento abrasador. Pero no está muerto quien pelea y llegué ayer a Chuy. Mas un rato y maktub flotará en Laguna Mirim hacia Porto Alegre.
Un fuerte abraso y saludos a toda “mi” família, ya,ya!
André ...¿toda mi fé para vos...sé que vas a llegar...
¡¡¡ADELANTE HERMANO...Ernesto.

¡¡¡¡Falta poco hermano...nunca dudé de vos...”navegaste” hasta sobre la burocracia...!!!!
Un abrazo tu amigo y hermano...
¡¡¡¡VAMOS Sudaca brasilero... desde aqui muchos Sudacas argentinos te empujan!!!!
Un abrazo, Ernesto

Meu caro amigo BRODINHOOOOOOOO,
Fiquei de cara com essa loucura que tu está realizando, a viagem no que estou tomando conhecimento está cada dia mais adrenalllllll.
Hoje falei com o Marcelo(C.C.Campinas), e perguntei sobre a tua pessoa, ele falou o que sabia e me enviou os e-mails que tu andas mandando pra galera...
Já li alguns e fiquei de cara com a tua coragem e força de vontade pra finalizar esta aventura loucaaaaaaaaa.
Brodinho espero que dê tudo certo e que logo estejas aqui (GUARDA) pra contar essa loucura e tomar algumas (geladas) com a gente.
Quando mandares mais noticias sobre a tua aventura, me inclua na tua lista, não esquece brodinho....
vou terminando, pois tenho o que fazer (trabalhar) um grande abraço irmão, fique com DEUS e toda sorte do mundo pra você. Quando chegar na nossa terrinha, vamos comer aquele churrasco e tomar todas velho....
P.S. A Fernanda manda um abraço e o ¨SAMUEL¨nosso filho tá pra chegar em janeiro.
É isso ai brodinho, manda ver e logo estarás aqui com a gente rindo da loucura que vc esta realizando. Boa sorte, agora já estais em casa (Brasil) vai ser mais fácil, assim esperamos, e no rio remando é bem melhor do que na estrada caminhando..
...v.s.f.... cara acabei de ler seu relato e fico com inveja da tua coragem e força de vontade..... olha já passei por varias roubadas e situações nas viagens que realizei mundo a fora,mais como essa tua, é insignificante, não chega nem perto..... Mais é isso ai, manda ver e mostra a tua raça que logo o final vai ser só lembranças......um grande abraço e até mais, fuiiiiiiiiiiiiiiiiiii Jorge. 24·11·05

Do Chui a Pelotas

Pelotas, 4-12-05
É isso aí xiruzada, o pelotão mais estropiado dos farroupilhas ainda segue lutando. Acho que já enjoaram, né?
Eu não, estou adorando estar podendo ver e ouvir os sons do banhado, as imagens de cada amanhecer ou por de sol. Acabei de chegar aqui em Pelotas com o rosto todo queimado e inchado de sol, mas feliz de ainda estar na luta.
As coisas nunca foram fáceis e quando eu mesmo achei que seriam, a natureza e a Mirim me mostraram que não é bem assim.
Foram vários sufocos, mas foi bom para aprender que nada acontece antes de se fazer, de percorrer cada passo ou remada, no caso!
Não consegui baixar as fotos, tento mais tarde e. Vou continuar o diário desde o Chuy, no Uruguai.

Chuy 23-11-05 dia 155
No dia que cheguei, deu o maior temporal enquanto estava no ciber, chegou a faltar luz e no noticiário falou na possibilidade de um tornado...
Termino de escrever tarde, não dá tempo de viajar hoje.
- Cara, quantas vezes tu fostes para um hotel em 5 meses?
- Acho que uma vez, em Guaíra...
- Bueno, acho que chegou a hora de ires de novo.
É verdade, não adianta ir para o arroio San Miguel sem víveres. Preciso ficar por aqui para comprar os víveres.
Sigo pelas ruas e descubro que atravessando a avenida estarei no Brasil...
Deixei a bici no ciber, pois o cara falou que cuidaria para mim. Procuro um hotel no Brasil, mas tu não sabes quem é brasileiro, uruguaio ou árabe. É uma miscelânea de línguas e de gente.
Achei um hotel com garagem fechada, difícil foi explicar que a garagem é para uma bicicleta com um caiaque de 5,20 m no reboque...
É de rir!
Busco a bici e volto com chuva forte. Depois vou fazer um lanche ali perto e conheço Sandra. Ela fica maravilhada com a aventura e quer saber o que vou fazer com a bicicleta. Digo que queria dar a uma criança que nunca teve uma, tem que ser pobre. O reboque custou mais caro que a bici, mas não tem valor para mim.
Ela diz que seu marido me leva até o Arroyo Chuy de carro e que eu deixe aqui a bici e o reboque...
Eu só ri, ela não tem noção do que eu passei para chegar até aqui e pegar carona a 10 km do destino é até gozado!
Volto pro hotel e não consigo dormir, amanhã novas aventuras virão e eu tenho que me adaptar novamente estarei navegando... Que loucura!
24-11-05 Quinta dia 156
Acordo vejo os noticiários e descubro que fez 42 graus em Porto e 38 graus por aqui, por isto que quase “derreti” no asfalto. Deveria estar entre 60 e 70 graus por ali, só de calção e chinelo de dedo empurrando mais de 100 kg...
Vou falar com a recepcionista e depois de uns 15 min fiquei vermelho de vergonha, foi aí que me dei conta que estava no Brasil e eu falando meu “portunhol”!
A guria riu, mas tudo escrito em espanhol... Os donos são uruguaios.
Resolvo desocupar o quarto, aproveitar que a bici está bem guardada e voltar para o ciber no uruguay e responder os e-mails dos amigos, pois sei lá quando escreverei de novo.
Fico no ciber até as 17 h e depois vou à lanchonete de Sandra. Seu marido irá mais tarde (de carro) para me encontrar na ponte sobre o arroio San Miguel.
Volto para o lado Uruguaio e fico intranqüilo de novo, tudo pode terminar mal se encontrar alguma autoridade, afinal nem dei saída oficial do país. Se fizer isto, podem perguntar pelo caiaque, querer saber como vou sair, etc.
Evitei até a aduana Brasileira, pois os burocratas de plantão em Foz do Iguaçu pediram tantas coisas que desisti de sair legalmente.
Então, se eu não saí (oficialmente), não preciso voltar, né?
Peguei raiva de autoridade, tivesse seguido meus instintos, talvez tivesse conseguido fazer remando o que queria, embora, talvez, tivesse perdido tudo, “confiscado” como contrabando, para não dizer “roubado” se entrasse ilegalmente no Uruguay.
É brody, decisões têm que ser tomadas, eu fui pelo conselho dos amigos e já está feito!
Sigo pela estrada por 10 km até que vejo o forte de San Miguel no alto de uma colina. Antes dele está a ponte e o riacho. Quase ao mesmo tempo chega Roberto, esposo de Sandra, além de Edson.

Eles têm um reboque no carro para levar meus dois soldados que foram leais companheiros nesta campanha.
- Senhor, o resto do pelotão vai sentir saudades...
- Soldado, isto aqui é uma batalha, eles foram contratados para nos ajudar até a fronteira!
- É que ficamos amigos...
- Faça o seguinte: finja que é uma namorada antiga, cole a figurinha e vire a página!
- O senhor tem coração de pedra!
- Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás!

É verdade, nossa batalha segue em frente e a Sandra e o Roberto vão dá-la a uma criança pobre, confio neles.
O reboque e todos os acessórios ficam com eles, inclusive ferramentas.
Roberto e Edson perguntam se o que levo é pesado, digo que tentem levantar uma roda do reboque e eles não conseguem.
São litros e litros de água, comida extra, ferramentas e repuestos, mais a carga que já tinha, só se firmar bem as pernas e levantar com as duas mãos:
- Como é que tu trouxeste isto até aqui?
- Com raiva!
Eles ajudam a levar para a beira do riacho. Roberto diz que a casa branca depois da ponte é a aduana...
Tiramos fotos, eles levam as coisas para o reboque do carro e eu entro no caiaque... Que coisa mais estranha, 13 dias pedalando como um louco no asfalto quente e de repente, 21 dias depois, estou n’água de novo!
Não dá para descrever, eu me sinto fora da realidade! Fiz o que não achava possível e agora, já ao final do dia, estou remando num riacho que nunca vi em minha vida e que termina na Lagoa Mirim. A margem direita é brasileira e a esquerda, uruguaia!
Crazy!
Well, let´s go!
A tempestade de ontem trouxe um vento sul que chega a ser frio, são 19 h e eu tenho que arrumar lugar para dormir.
Sigo em frente, parece que fugi de uma prisão!

Fico extasiado com a diversidade de pássaros e plantas enquanto o caiaque desliza rápido a favor do vento. São lindos campos repletos de verde, banhados e pequenos bosques de árvores nativas.
Vejo colhereiros cor de rosa, todo tipo de marrecas (caneleiras, pés vermelho, piadeiras, marrecões), maçaricos, garças, frangos d’água, pássaros silvestres e tarrãs.
Vou filmando e fotografando sons, imagens e cheiros...
É um delírio!
Passa já de 20 h e tenho dificuldade de achar local seco e abrigado. Passei bons locais achando que adiante encontraria outro.
Finalmente, na curva do rio, encontro uma parte um pouco mais alta e parcialmente abrigada do vento gelado. Tive que parar um pouco antes e colocar o casaco de neoprene que comprei em Rosário.
Estou gelado e com frio, mas feliz por ter iniciado mais uma aventura. Foram 21 dias fora d’água, 13 na bicicleta com reboque. Tudo ficou para trás, agora vamos em frente!
Não ouço mais o ranger da corrente, não tenho mais “neuroses” de pneu furado, solda partindo ou bomba que não enche nada...O asfalto quente onde era difícil até para respirar!
É só o murmúrio da água que resmunga pelo roçar do remo e a certeza de que o espírito ninguém aprisiona.
Essa eu devo aos meus amigos que me aconselharam; por causa deles eu não fiz besteira maior!
Obrigado!
______________________________________________________________________
- Sargento!
- Sim senhor!
- Prepare uma mensagem!
- Dirigida a quem, senhor?
- Aos tiranos da Prefectura de Carmelo e à todos aqueles que acham possível aprisionar almas Gaúchas:
- Pode dizer, senhor!

BROTEI NO VENTRE DA PAMPA, QUE É PÁTRIA NA MINHA TERRA.
SOU RESUMO DE UMA GUERRA
QUE AINDA TEM IMPORTÂNCIA!
E DIANTE DE TAL CIRCUNSTÂNCIA,
SEGUI OS CLARINS FARROUPILHAS
E DEVORANDO COXILHAS
ME TRANSFORMEI EM DISTÂNCIA...

25-11-05 Sexta dia 157
Bueno, foi uma noite fria, mas não chega nem perto das noites que passei por aqui, no inverno.
Quase não tem abrigo contra o vento, há muitos banhados e pouca terra alta onde possa colocar uma barraca sem umidade.É rezar para não dar vendaval e curtir o lugar lindíssimo que é isto aqui.Agora são 7:33 h, tenho que reorganizar as coisas para viajar melhor. Em dois dias, tudo estará no seu lugar. É isso aí, vamos à luta!

Vou seguindo em frente(9:30 h), o arroio São Miguel é muito bonito e já não tem o vento favorável de ontem. É uma infinidade de pássaros e curvas, mas às 11 h chego no final do arroio que abre um pouco.
Atravesso para o lado brasileiro e vou seguindo com forte vento de través e ondulações razoáveis.
Está até divertido, mas estou encharcado e começa a ficar frio. Aponto para um alvo, mas descubro que Sta. Vitória é bem antes e sigo para a construção do porto onde saí duas vezes, ambas no inverno, frio e vento de repartir o bigode! Uma de windsurf (85) e outra com o Wind e o caiaque pequeno (2000) duas “toras”. Quase tão difícil de rebocar como foi com a bici e o caiaque, sofri muito, ainda mais que estava me recuperando do acidente de carro.

Às 15 h, já com o vento fortíssimo, chego no porto. Como o xis que Sandra me deu ontem e depois falo com seu Antônio que tem um trailer de lanches ali.
Resolvo visitar meu amigo, Dílson Mespaque, que me ajudou nas duas viagens anteriores. Será legal revê-lo!
Deixo o caiaque aos cuidados de Mário e “Cabelo”, pescadores dali.
Sigo a pé para a city, depois pego carona na boléia de um caminhão.
Na praça central estão homenageando Moacir Scliar, escritor gaúcho.
Encontro D. Lea e dona Alice.

Os Mespaques tem ramificações no Uruguai e na Austrália, dona Delfa veio de lá e está na casa de dona Alice. Seu Dario e Hermes aparecem para tomar um chimarrão.
Dílson mostra sua horta superbem cuidada, flores, galinhas, gatos e cachorros. É muito bom estar revendo um amigo de mais de 20 anos, quando estive aqui na primeira vez, de windsurf.
26-11-05 Sábado dia 158
Seu Dílson me deixa no porto de Sta. Vitória e ali reencontro Mário e Cabelo.
Dei uma bússola de presente para Mário colocar em seu barco e parti às 07h05min com fraco vento de NW.
Que contraste com o vendaval de ontem e as ondas. Agora está calmo e a beira da Lagoa Mirim está com sua margem original fora d’água.

Vejo bandos e mais bandos de cisnes brancos e cisnes de pescoço negro.
Há maçaricos e frangos d’água que alçam vôo num estardalhaço incrível de asas batendo n’água ao mesmo tempo em que parecem “pedalar” sobre a superfície.
Tchê, como isto tudo é lindo!
Ema Entrada de canal de irrigação Tentando abrigar do sol


É por isto que desde o começo da viagem planejei vir por aqui, caso conseguisse chegar. Eu queria chegar até aqui com uma filmadora, pois nas duas vezes anteriores não pude trazer. Achava que minha história nas Lagoas do Rio Grande já tivessem se encerrado...
Meu sonho é chegar com a filmadora no recanto das capivaras e poder filmá-las.
Assim vou seguindo até parar na entrada do canal de irrigação da Granja Minuano, às 11:45 h. Vejo um bando de emas no campo, colhereiros cor de rosa, alguns tarrãs e aproveito para almoçar. O forte vento nordeste entrou com tudo e vou xingando o corno de tudo que é nome. Menos mal que meu curso pega ele de través.
Acho que se tivesse um foguete, o corno do vento daria um jeito de soprar de cima para baixo, só para continuar sendo corno e contra, que troço irritante!
As horas passam, estou apostando corrida com a viagem de windsurf, pois utilizo os mesmos mapas da época. Estou perdendo feio! A costa fica desolada e sem barreiras contra o vento que fica cada vez mais forte.
Chego na ilha dos Afogados e penetro no meio do juncal em busca de terra firme e, se possível, com abrigo contra este forte vento.
Encontro uma pequena elevação com grama alta, mas no sufoco não dá para ser exigente. Só não gosto de caminhar em capim alto, sem enxergar o solo onde pode haver uma jararaca. Se for picado aqui, dará apenas tempo de filmar minha despedida e escrever alguma coisa no diário, pois chupar o sangue com veneno...Só em filme de Tarzã!
Bueno, encontrei um arbusto alto e ali abrigava bem do vento.
Foram 9,5 h remadas com sacrifício, fora os descansos e só avancei pouco mais de 40 km... Os dois dias de “apresentação” da Mirim já mostraram o que vai ser navegar para o norte com esse nordeste. Lembrei de mis hermanos de Rosário que fizeram o mesmo pelo mar (mil vezes mais difícil).Isto só aumenta ainda mais minha admiração por eles, os caras eram “feras”!
27-11-05 Domingo dia 159



São 7:35 h, estou “moído” de ontem. O vento está pior ainda.
Não vou mais traçar objetivos, remarei 8 h no máximo e procurarei abrigo.
Aqui é muito difícil de achar uma árvore que seja, há uns arbustos que protegem bem do vento, mas tenho minhas dúvidas em caso de temporal.O local é um verdadeiro jardim do banhado e há flores lindíssimas de aguapés e outras plantas.
O vento está muito forte e se der temporal a coisa ficará muito difícil. Sempre foi assim, eu já sabia, mas achava que por ser próximo do verão seria mais fácil... Esqueci que aqui é o Rio Grande e com essa terra não se brinca.
Para sobreviver e seguir em frente tem que ser na base do respeito e muito, muito esforço!
Essa coisa de planejar o quanto vai percorrer por dia não existe por aqui, é na base de quanto a Lagoa vai permitir que tu avances ou não.
Aqui onde dormi está seco, mas no inverno estava tudo embaixo d’água, vento forte e frio abaixo de cinco graus... Dureza, brody!
Acabo partindo só às 10:05 h e sigo costeando a ilha, pelo menos sigo contra o vento mas sem as ondas. Quase uma hora depois chego na ponta da ilha, é bem mais comprida que pensava e tem terra firme mais alta. Inclusive uma solitária figueira entre as dunas onde tem um resto de rancho onde as folhas de zinco rangem e quebram o ruído do vento na vegetação.
Êta lugarzinho, desolado, solitário, frio e ventoso... É muito bonito, mas morar aqui deve ser dose.
Alguns joões-de-barro fizeram suas casa por ali e piam ao me observar.
Fui!
Atravessei por duas horas no rumo E-NE com ondas médias de través até chegar do outro lado e parar para almoçar junto a um bosque de chorões.
Estendi o plástico, ficou muito quente e o sol está forte.
Peguei a mania de fazer a “siesta” por causa da bicicleta, mas logo vou tirar essa frescura do corpo.
Fiquei por ali até perto de 16 h e depois rumei para a ponta das Canoas.
Dali mais uma travessia de 2 h com ondas de frente e que me encharcaram e irritaram bastante. Vento aumentando de novo ao final da tarde e parece que o cara rema e nunca chega. Pior é que a água que escorre pelo corpo vai passando pela capa e enchendo o caiaque. Não dá para largar o remo e esvaziá-lo. Agora não tenho mais a bomba nos pés e tenho que seguir com água balançando por dentro e os óculos funcionando como pára-brisas.
Havia um lugar bonito onde acampei, mas agora a margem ficou longe do mato e só me resta entrar no canal de irrigação da Granja Mirim e montar a barraca ao lado da barranca onde estarei um pouco mais protegido do famigerado NE!
28-11-05 Segunda dia 160
Pelas minhas contas, ontem passei do km 5000, legal!
Pensei que estava chovendo, mas o vento está tão forte que há uma “tempestade de areia” em curso. Só falta o camelo!
Esse vento NE não dá folga e cada km é conquistado através de duras remadas e pouco avanço, uma média de quatro a 4,5 km/h.
Tentei apostar corrida com a viagem de Wind, mas mesmos com os dias bem mais curtos de inverno, de Wind era muito mais rápido, aliado ao fato de que entrou uma frente fria e peguei vento sul.

Também não dá para comparar com a viagem de 2000, pois mal fazia um ano que voltara a caminhar e estava remando um caiaque que era um “toco”, tinha só 3 m e 50 kg vazio. A velha Windglider tinha perto disto. Mais carga e eu, com mais de 83 kg, um conjunto de mais de 200 kg para deslocar.
Ali em Chuy subi numa balança, estou com 68 kg...Saí de Brasília pesando mais de 81 kg! Nem lembro há quantos anos pesava isto, talvez anos 70!
O vendaval ficou insuportável, tenho que sair daqui!
Guardo as coisas e antes de desmontar, o vento arranca a barraca e quebra uma vareta.
Sigo mais para o interior do canal, onde fica a casa dos motores.
Encosto na cerca ao lado da construção e vou na casa mais adiante pedir água potável. Há uns patos tri mansinhos que nem se importam comigo.
Dona Mara é muito legal, diz que se eu quiser ir à vila telefonar, seu marido, Elci, vai para lá daqui a pouco no caminhão.
Já que não posso seguir, é melhor fazer alguma coisa, senão fico doido.
Sigo com Elci até a vila, mas o telefone público está mudo.
Os matos de eucalipto se vergam com a força do vento, não dá seu André!
Vou esperar para ver se muda depois do meio dia.
Voltamos para o “levante” e lá encontramos um dos donos e Pedro, seu filho.
O capataz, Mano fala que o Grêmio, com quatro jogadores (apenas seis jogadores na linha) a menos, dois pênaltis contra, conseguiu ganhar do Náutico lá em Recife, no fim da partida.
Mais heróico impossível, o time desfilou em carro de bombeiros na chegada em Porto Alegre. Mais um título nacional...
Falo para Mano que brinquei muito com o pessoal durante a viagem, dizendo que era “promessa” para o Grêmio voltar à Elite.
O inter foi “garfado” num campeonato (foram vice-campeões) que marca o poder do dinheiro nos resultados. Morreram na praia (hi, hi)!
Os filhos de Elci são super legais. Robson passa o tempo confeccionando uma rede de pesca, assim como Elci e Mara. Rodrigo e as meninas, Lucimar e Thiely brincam no pátio de areia onde tem de tudo: uma gata e dois filhotes, uma cadela e oito filhotes, galinhas, perus, patos e outros cachorros.
Ao lado tem uma horta. Tomamos um mate abrigados do vento enquanto Thiely (4 anos) faz estripulias sem parar. É uma menina linda, de olhos cinza-esverdeados. Como dentista, dou uns conselhos para a turma, mas a realidade e a experiência já me dizem que para mudar coisas tem que se mover o mundo. Eu sou apenas um sopro de vento na rotina deles.
Depois vou ajudar Elci e os meninos a cortar grama. Assim o dia passa. Espero uma calmada no vento que não dá folga.
Mara diz que no rádio a previsão para amanhã é de chuvas, raios e tempestade, que o vento está entre 25 a 30 km/h.
Depois ajudo Elci a fazer manutenção nos possantes motores elétricos (3) que puxam água da lagoa para os canais de irrigação das lavouras de arroz.
Foi um dia muito especial, almoço com eles, tomo café da tarde com pão feito por Mara, depois vamos ao campo buscar a vaca leiteira e seu bezerro, damos comidas aos porcos e aves e assistimos ao por de sol enquanto tiram o leite da vaca que está amarrada a um poste da cerca. Fico o tempo todo com Thiely no colo enquanto os vaga-lumes iluminam o campo. Show!
Depois fomos jantar filé de traíra e viola, que família legal, parece que os conheço há uma semana, obrigado por me deixarem participar de suas vidas.
Até fico triste de partir, mas assim é minha vida!
Durmo na casa dos motores enquanto o vento sopra lá fora.

29-11-05 Terça dia 161
Dormi sobre uma lona e, depois de tomar café com eles, fomos para o caiaque tirar uma foto de despedida. Mara me dá um saquinho com filé de peixe para o almoço. Adeus amigos, que a vida permita que a gente se reveja, obrigado por tudo!


Parto às 9 h e quase não tem vento, aproveito para remar forte, não sei quando o chifrudo desperta. Bandos e mais bandos de cisnes brancos, alguns cisnes de pescoço negro e algo familiar no pasto da beira. É um ratão do banhado, está tão distraído que não me vê aproximar. Vou filmando enquanto o bico do Maktub quase se encosta ao traseiro dele. Vejo as compridas barbichas que se movem sem parar enquanto ele rói as gramíneas. É um silêncio tal que escuto o barulho da grama sendo arrancada e mastigada, momentos especiais de uma viagem...
Depois passo pela sede da faz. Figueira Torta, falo com o Sr. Adelar e peço que dê um abraço no Sr. Nairon Chelin, que conheci em 2000.
Estou indo à direção do pontal das canoas, devo atravessar dali para o Uruguay de novo, mas só amanhã, pois seu Adelar reforçou o alerta de tempestade que dona Mara escutou no rádio. São 14 h, resolvo seguir até uma ponta mais adiante para avançar um pouco mais e tentar a travessia amanhã.
- Então tá, tudo combinado comigo mesmo!
- Cara, pra que horas tá prevista a tempestade?
- PQP, nem vem cara!
- Sério, eles não disseram a que horas vem a tempestade; pode ser daqui há uma, duas ou três horas...
- Tá, se tu vais fazer porcaria, então não precisa chegar na ponta das Canoas, já vai atravessando em diagonal. Não esquece que tem um povoado uruguaio e tens que ir mais para o norte. Só falta ter um chifrudo da prefectura e eles me virem cruzando.
Juro que se chegar do outro lado e um marino de mierda aparecer na margem para me deter e não estiver armado, saio no “braço” com o corno e ele vai apanhar por todos eles. Não fico mais nas mãos desses cornos!
Agora eu não tenho o Uruguay todo para atravessar, a fronteira está perto. Isto se ele quiser me deter.
O vento está aumentando, mas eu já decidi e não tem mais volta.

Estou todo borrado, lembro de Deus. Eu não sei o que pode acontecer num vendaval, se o caiaque vira, se eu agüento. Tu estás mais só do que nunca, sabes que não terá ninguém para te ajudar e o corpo vira um suco de adrenalina.
É aquela estória de ter farinha no saco, de ter coragem de ir, sem saber se vai chegar.
Acontece uma mistura de nervosismo, medo, pavor, angústia e outras coisas que só cessam quando chegas.
Para piorar, o vento começa a ficar forte, vejo nuvens no horizonte.
Cara, esse vento está batendo na minha orelha direita, quase na nuca...
É mesmo!
- Pelotão, todos a seus postos de combate, vamos invadir o Uruguay!
- Senhor, o inimigo percebeu nossa manobra e milhares de soldados deles (ondas e ventos fortes) avançam por boreste.
- Agora é tarde para recuar, preparem as baionetas, essa luta será corpo a corpo!
- Igual eles vão nos vencer, parece que além do exército de Eolos (Deus do Vento), está chegando o exército de Thor (Deus dos raios e trovões), o chifrudo do martelo!
-Isto se ele chegar a tempo, temos que decidir esta batalha antes da chegada de reforços deles.
- Preparem o plano “V”!
- Senhor, nunca o utilizamos, não sabemos se vai nos desestabilizar na tempestade...
- Agora saberemos!
É isso aí, coloquei a vela para tentar chegar do outro lado antes que chegue o pior da tempestade.
Será a primeira vez que vou utilizá-la na viagem e agora vamos saber se funciona.

As ondas começam a passar por cima, ficam mais altas e me pegam de través. A velinha está me ajudando, é pouco maior que uma camiseta, mas ajuda. Essa eu ganhei de Lenírio, das velas Oceano, de Floripa. Obrigado amigo!
Isso foi invenção do Nelson Picollo, que adaptou uma vela morcego no caiaque velho e eu só tive que adaptar uma menor para o novo.
Acho que agora somos um veleiro...
O Henrique e o Cristian do Iate Clube Veleiros da Ilha (de Florianópolis) adaptaram as ferragens e aqui estamos nós, em pleno campo de batalha, ajudado por muitos soldados invisíveis.
Não estamos tão sós, como o inimigo pensa.
O tempo passa, vejo o povoado uruguaio e não consigo sair dali, parece que estou sendo jogado para lá e isso me irrita mais ainda.
Já não bastam as ondas furiosas de través, o perigo iminente de virar e ainda tenho que me preocupar se algum chifrudo da prefectura está me vendo.
- Senhor, será que o inimigo não virá do Uruguay também?
- Não acredito, aqueles covardes não terão coragem de entrar neste “mar” com aqueles barcos cenográficos.
- Isso aqui é peleia para homens e não para crianças que brincam com espadas de madeira.
Grito de raiva, dizendo toda sorte de palavrões contra as ondas que me pegam no ouvido e contra esse vento irritante.
- Desgraçado, tu vais ver só se eu não chego onde quero!
Eu não tenho um ponto de referência confiável, apenas aquelas linhas de espuma que se formam. Eu passo por elas, mas parece que não saio do lugar, nem para a costa, nem para frente.
Tenho que chegar no pontal onde acampei duas vezes, ali tem um banhado e algumas árvores.
Quase chegando, percebo que a tampa de um dos compartimentos está aberta, é bem onde está a filmadora.
Deve estar cheio d’água, não vou mais poder filmar as capivaras, o que eu queria desde que sai de Brasília.
GRRRRRRRRRRRRR!
É BRINCADEIRA!
Três horas depois chego do outro lado, no local que queria!
Esvazio o caiaque cheio d’água, está muito pesado!
O compartimento da filmadora está cheio, mas por milagre ela estava dentro de um pote e o nível de água não chegou na tampa.
- Soldado! Relatório!
- Senhor, lembra do soldado PH (papel higiênico) que se alistou lá perto de Asunción?
- Não, ele não... Esse era valente, tinha mais de 60 m e ainda agüentaria mais uns dias...
- Até havíamos contratado mais um recruta...
- Os dois morreram afogados, senhor!
- Já é o terceiro que morre afogado, teremos que ensinar os próximos a nadar...

Pois é, além destes dois soldados, molharam alguns negativos, o diário, lanternas e outros. Acho que estes dá para recuperar.
Coloco o caiaque na pequena enseada que tem ali na ponta e vejo um barco de pesca. Um dos caras está com camisa do Grêmio, devem ser brasileiros.
Eles são legais, Albiar pergunta de onde venho e digo que acabei de cruzar:
- Tu cruzaste nesse mar?
- Tá louco?
Aviso da tempestade, eles nem sabiam. Rodrigo e Carlos também são legais.
Albiar me oferece um recruta PH para substituir os que morreram, batalhas são decididas com pequenos detalhes.
Despeço-me deles, tenho que providenciar um local antes que chegue a turma de Thor! Achei um pequeno chorão em local que não é o ideal, mas quero ficar próximo do caiaque. Enfiei-o pelo meio de um banhado e ali estará seguro.
Para ajudar a atacar o vento, coloquei um plástico de obra entre o remo e um pau atravessados nos galhos.

Depois armei a barraca e ficou mais ou menos. Agora são 20:43 h, o vento está aumentando mais ainda, espero que a tempestade não destrua a barraca.
30-11-05 Quarta dia 162
Choveu muito, o vento foi muito forte esta madrugada, mas isto foi o que meus amigos pescadores disseram, pois dormi profundamente.
Acordo tri cansado arrumo as coisas aos poucos, despeço-me dos meus amigos de Jaguarão que estão saindo para revisar as redes.
Fotografo outras flores de banhado e desmonto tudo.
- Soldado, avise ao recruta Dedos para tomar cuidado com esse novo recruta PH. Ele parece muito fraco e o recruta Dedos pode acabar cheio de lama...
- Em tempos de guerra não podemos ser muito exigentes.
O vento está contra, mas não tão forte.
- Senhores, quero todos alertas!
- Vamos sair definitivamente do Uruguay rumo ao pontal do Junco.
- Marquem o curso na bússola, pois não é visível daqui.
- Acho que ele quer acabar conosco, é uma peleia depois de outra.
- É verdade, acho que ele está querendo testar nossos nervos...
- Soldados, chega de conversa!
E assim segue o pelotão em frente, para bombordo, ao fundo da baía, vejo os marcos fronteiriços e a foz do Rio Jaguarão. Cruzo com outro barco de pesca que vai para o lado uruguaio, agora é defenso no Brasil e eles vão tirar um peixinho para comer no Uruguai.
Calculo a travessia em 2 h, mas a distância é grande. Dá um nervoso lá no meio, de entrar vento forte, tempestade, etc.
Tu ficas olhando o alvo e não se aproxima nunca, chega a ser irritante!
Quase 2,5 h depois, chego na ponta, já com vento forte e aumentando.
Resolvo tomar banho, pois a casca passou dos limites, os soldados começam a olhar, desconfiados, uns para os outros.
É nestas horas que o comando tem que tomar atitudes enérgicas para manter a ordem e a disciplina.
Tomo banho, faço a barba, lavo as roupas e ponho para secar o que molhou ontem.
Agora são 14:35 h, entrou um vento fortíssimo. Estou abrigado no meio deste brejinho, sentado no caiaque e escrevendo. Não dá para sair assim, vou aproveitar e passear um pouco pelas dunas que vi mais adiante. Havia um bando de emas quando cheguei, mas já se foram. Em 2:20 h fiz o que demorei dois dias com o caiaque e a prancha em 2000; aquela viagem foi muito dura e difícil.
Bueno, vou passear e ver se este vento diminui mais tarde.

Brody, estava procurando a boca do arroio Juncal, mas nuvens polares e azuladas me fizeram voltar correndo e desistir de ir em frente, onde não terei abrigo.
Tenho que dar um jeito de enfrentar esta tempestade em local pior ainda que ontem.
Pego o facão e abro uma clareira entre os arbustos. Faço a primeira defesa com o plástico de obra apoiado pelo remo entre os galhos e depois armo a barraca.
Ficou um barulho ensurdecedor de ondas e vento que é brincadeira!
- Senhor, alguns homens não estão agüentando esse bombardeio um dia depois do outro...
- Avise esses maricones que o primeiro que fraquejar eu mesmo irei dar cabo.
- Que morram peleando, mas não de medo.
- Fresco no meu pelotão tem vida curta!

Armei tudo e agora só me resta esperar que venha o inimigo, nossas defesas estão prontas e eles não nos farão recuar.
Resolvo ir até as dunas. Encontro lugares lindíssimos, dunas que são verdadeiras trincheiras contra o vento e lindíssimas figueiras fazem um manto protetor sobre tudo.
Acontece que eu não vou deixar meu barco sozinho lá na beira. O nosso batalhão é muito mais forte peleando junto.Filmei uns ratões do banhado, outro colhereiro e achei um banquinho no topo de uma duna de onde pude ver o arroio Juncal.
Volto correndo, pois as nuvens polares vêm com tudo, trazendo tempestade e chuva.
Entro na barraca, tudo se torce, mas os arbustos estão protegendo mais do que pensei. As ondas estão enfurecidas do outro lado, tenho receio que passem sobre o pontal e me alcancem. Aqui na frente, do lado abrigado, está se formando ondas, mas o caiaque funciona como quebra-mar.
A água já está lambendo a barraca, mas não tenho como sair daqui.
Esta noite será longa.
Se eu pensei que chegando no Rio Grande seria moleza, a Mirim já mostrou porque eu penei aqui por duas vezes e estou penando pela terceira.
Seja inverno ou verão, aqui não tem moleza.
Andei 2:20 h e achei que iria até o farol Vista Alegre, no mínimo.
Entrou outra tempestade e até tenho que estar feliz por ter estes arbustos para me proteger um pouco.
Podia ser bem pior.
O temporal chega, chove forte, as ondas lá fora estão enlouquecidas.
Bueno, vou escutar rádio para não ouvir mais nada.

1º - 12 - 05 QUINTA dia 163
Acordo cedo, o vento não diminuiu. A chuva passou e molhou pouco aqui dentro.
Vou arrumando tudo sem saber se dá ou não para sair daqui. Não quero mais ficar aqui, nem que seja para entrar no arroio Juncal e procurar abrigo melhor.
Vou lá na beira, tudo parece igual a ontem, mas o vento parece estar mais de través, não está contra que nem ontem.
- Soldados, calar baionetas e preparar para a luta!
- Ih, o comandante enlouqueceu de novo. Não dá para sair daqui...
- Eu ouvi isto, tu vais ficar na linha de frente!
- Mas senhor, como vamos passar por este mar?
- Esqueceram do Maktub?
- Ele foi preparado para este tipo de peleia. O que a gente nem sonhava com o outro, esse aí encara!
- Ai meu Deus, quem nos livra desse cara?
- Estamos aqui, abrigados, é só esperar o tempo melhorar...
- Soldado, ninguém vence batalhas esperando...
- Ou chegamos em Porto Alegre até o Natal ou não me chamo João Cardoso!

Coloco o casaco de neoprene, tiro o boné, pois as ondas e o vento vão arrancá-lo no primeiro momento. A temperatura baixou e vou passar o dia molhado. Amarro forte o remo reserva na coberta de popa e guardo o que posso dentro do caiaque.
Não tem folga, o batalhão está ficando com stress de guerra mas é o que encontraríamos ao penetrar em campo de batalha.
Parto às 9 h, contorno a pequena enseada que dá proteção e saio para a rebentação que nem espera, avança como uma louca sobre nossos heróis que tem que lutar por suas vidas.

Toda ação causa uma reação e o valoroso pelotão farroupilha, depois de quase ir a pique por duas vezes, soube reagir e foi pinchando olas y mas olas que atacavam sem parar.
Tenente Issi grita “Avançar” e todos se unem na direção das maiores e galopeiam como deuses sobre as costas do inimigo que fica atordoado com um pelotão que ao invés de recuar saiu para a briga quando eles menos esperavam.
A platéia grita e bate os pés no chão, emocionada, ao ver aqueles tauras gaúchos pelearem como loucos em luta tão desigual.
E o mais lindo de tudo, eles estão conseguindo avançar!
Quase virei duas vezes, não dá tempo de sentir medo, uma onda vem por cima e logo outra vem e me dá um chapoletaço no ouvido. E vem outra, outra mais e só me resta reagir, enfio o remo na paleta de uma, uso o corpo do inimigo caído para me apoiar e enfiar a lança sobre outra que cresce e se atira por cima.
- Vamos homens, não deixem virar, ataquem!
Consigo atravessar e ir mais para o fundo, o forte vento parece vir de E-SE, não tenho certeza de nada. Viro para E-NE, estou confuso com a bússola, mas não posso ver mapas para tirar a dúvida.
- Que houve soldado?
- Estou com medo de virar senhor!
- O quê?
- Não é por mim senhor, é que tenho uma filmadora para criar...
- Bueno, nesse caso eu te ajudo, também quero que ela viva para ver as capivaras!
Vou cada vez mais para fora, onde as ondulações são grandes, mas não quebram tanto, só de vez em quando. Tem que ficar atento o tempo todo.
Tento me tranqüilizar, sabendo que o vento leva para a praia.
Devagar, vou avançando, 20 min depois estou na frente do arroio Juncal.
E aí cara? Vamos entrar?
A vontade é de entrar ali, procurar um abrigo melhor e esperar...
- Soldados, homens livres fazem a sua hora; o vento não está totalmente contra como ontem. Se conseguimos vir até aqui, vamos até a Ponta Negra, lá existe um baita mato de eucaliptos que protegeria melhor.
É verdade, o pior já passou, que era enfrentar rebentação pela primeira vez. Está super difícil, pois as ondas pegam de través e vêm estourando por cima.
O interessante é que não viro; o caiaque suporta bem o ataque lateral, só que tenho que ficar atento e jogar o corpo para o lado que as ondas estouram e tentar estabilizar quando ele “corre” de lado. É um esforço a mais, mas eu tenho que me acostumar.
Outra coisa preocupante é que está cheio de água e eu não tenho como esvaziar no sufoco. Acho que estou magro demais e a capa deixa passar muita água. Uma bomba nos pés é fundamental.
Vou mais para fora ainda e navego paralelo à costa, afastando a cada vez que sinto que as ondas começam a estourar. Significa que estou em águas rasas ou me aproximando da costa.
Seria até divertido se houvesse alguém mais por perto, acontece que tu estás ali, sozinho, caso vire, não tem ninguém para te ajudar.
Agora eu não tenho mais medo por mim, não quero perder meu equipamento agora que estou tão perto.
Não se vê nem pescadores, pois no defenso eles não saem. Então é tudo comigo, o que eu fizer ou o que acontecer é tudo comigo, só eu mesmo para me ajudar.
Após o que parece uma eternidade (1:30 h), chego na Ponta Negra.
- Pô cara, se tu conseguistes chegar até aqui toca até o arroio Bretanha, lá tu já conheces e ali sim tem abrigo.
Percebo que o vento não bate mais no rosto, está batendo na orelha e um pouco na nuca.
- Soldados, preparar plano “V”, essa peleia aqui no Rio Grande está mais furiosa que a campanha no Paraguay.
- Sabe comandante, nós aqui da tripulação achamos que isto tudo que está acontecendo é ciúme de mulher...
- Como assim?
- O senhor já passou duas vezes por aqui e jurou amor eterno pela Mirim...
- É verdade!
- Mas foi correndo para outras Lagoas...
- Por que as mulheres têm que ser tão possessivas, ciumentas e imprevisíveis?
- Elas deveriam saber que o coração dos homens é como prédio de luxo, vários apartamentos decorados, em cada um deles vive um amor, mas a cobertura fica para aquela que conquistar seu coração para sempre!
- Acho que você tem razão, faltou sensibilidade da minha parte!
Bueno, foi uma briga, mas consegui armar a vela e pego um través quase popa e vou mais rápido um pouco. A vela por si só não tem força de levar o caiaque, pois é muito pequena, mas que alivia o peso na remada alivia.
- Senhor, será que vamos vencer o inimigo?
- Acreditem sempre em vocês, nossa causa é nobre.
- Não tiveram o exemplo de outro pelotão, esse tal de Grêmio?
- Foi lá em Recife, com quatro jogadores a menos, dois pênaltis contra e ainda teve forças de vencer o inimigo no final do jogo... Foi a glória!
- É verdade, eu quase chorei...
- Soldado, “menas”, sem mariconadas!


É isso aí, com a vela fiquei mais confiante, o vento de través pegando pela alheta de boreste está ajudando. Apenas não posso desconcentrar, pois as ondas não dão trégua.
Às 13 h chego na entrada do Bretanha, mas acho que posso agüentar mais um pouco.
- Senhor, os irmãos Glúteos estão furiosos e jogam bombas de gás em quem está em roda, nem as ondas atacam mais, fale com eles...
- Mais tarde, mais tarde!
Se a gente parar agora, ninguém vai querer continuar depois.
É certo que não vou querer voltar para este “sufoco” depois de entrar no abrigo, não consigo ficar tranqüilo aqui, é aquela sensação de sobrevivência.
Esta parte é aquela que me detonou por duas vezes nas viagens anteriores.
Acho até que a Mirim é mais difícil que a Lagoa dos Patos pela dificuldade de encontrar abrigo, isto a margem Oeste, porque a Leste (da Lagoa dos Patos) é até pior, a minha primeira viagem de Wind (de Porto Alegre a Rio Grande) foi por ali e comi o pão que o diabo amassou.
Já tive que deixar de remar um dia, ontem foram só 2:20 h, hoje estou remando porque enchi o saco e de teimoso.
Odeio ficar parado, imaginem quase oito dias em Carmelo...
Resolvo seguir até o local do temporal que desmanchou minha barraca em 85, é um capão de eucalipto, o último que se pode ver para NE.
Viajo mais duas horas, já são cinco sem parar nem para beber água, pelo menos consegui esvaziar um pouco o caiaque.
Cara, só mais 2 h e tu chegas no farol...
Estou naquela ânsia de tocar e não sei se o corpo agüenta, era só para entrar no arroio Juncal...
Agora não tem mais capões de eucalipto e fica difícil de ver para onde a costa vai. Andei boa parte sem vela, depois coloquei de novo.
Avisto o farol, mas quero seguir, na verdade tenho medo de virar indo para a beira. Resolvo que tenho que descer e filmar o farol, de que me adianta passar pelas coisas sem registrar?
Foi um sufoco surfar nas ondas, mas foi mais fácil que descer as corredeiras de Brasília. Chego na praia às 16:30h, foram 7:30 h remando sem parar, estou terrivelmente queimado no rosto por estar viajando sem o boné.
Caminho até o Farol Vista Alegre, faço um lanche abrigado do vento, subo as escadas até o topo e filmo o visual incrível dali de cima. Valeu a parada. Pena que tiraram o Chapéu do Farol, gostaria de pensar que não foram vândalos que fizeram isto.

Parto às 18:15, o vento ficou mais forte ainda e só de raiva resolvi não acampar no banhado Novo Mundo, vou atravessar para o recanto das capivaras hoje mesmo, um dia destes, de sufoco, tem que terminar num paraíso ecológico que eu tanto sonhei chegar e filmar. Amanhã tiro o dia para passear.
O vento ficou de SW e estou seguindo para NE, consigo sair, montar a vela e virar para NE. Resolvo atravessar direto, desde o farol para a direção do outro lado.
Tá louco?
Vamos brody, é tudo ou nada!
Merda! Tá bom, se não fosse tua loucura, estaríamos no meio do banhado achando que não poderíamos ter feito o que fizemos.
Tu és louco, mas a tripulação tem verdadeira veneração por ti, depois de quase morrer tantas vezes, era para estar cuidando de uma horta, bichos... Mas não, estás aqui batalhando como louco por aquilo que acreditas, não importa se é certo ou errado!
E lá vou eu de novo, atravessando no maior “pau” de vento para o local que eu tanto queria, um certo local perto do pontal da fazenda Uruguaia que chamo de recanto das capivaras. Bueno, muito sufoco, caiaque surfando nas grandes ondulações e finalmente, às 20:15 h, cheguei no local que queria.
Tive que entrar um pouco mais adiante para penetrar em um canal e ficar um pouco mais abrigado. a barra estava fechada, arrasto o caiaque por cima e remo pelo canal até o lado de uns chorões.
Ali tem um ratão do banhado bem mansinho e que me observa enquanto armo a barraca no capim fofinho, parece grama de ponta.
Já escuro, uma capivara, assustada com o caiaque, se atira n’água com estardalhaço, ouço outras, mas estou “moído”, foram 9:30 h de sufoco num dos piores dias. Andei mais de 60 km em um dia que nem deveria ter saído, arrisquei demais meu equipamento, mas eu sou assim, imprevisível até para mim mesmo.
Que entrada em Dezembro!
2/12/05 Sexta dia 164
Arrumo minhas coisas para o passeio e vou para os locais onde vi os bichos da outra vez. Primeiro encontrei um ratão morto, depois fui achando um crânio, depois outro, outro até um total de sete, apenas no curto espaço que andei. Todos de capivara!
Aquele local mágico virou palco de uma chacina, baixou meu astral demais.
- Viu seu merda, eu já te falei para nunca voltares em locais lindos ou que te marcaram muito, as coisas mudam e tu insistes em achar que tudo ficará para sempre.
Por isto não encontrei nenhuma, é certo que elas ficam perto d’água, que agora baixou, mas a impressão é de que elas foram embora para sempre, embora eu tenha visto uma à noite e escutado outras.Penso que poderia ser pior, podia ter um condomínio de luxo e outras porcarias. Filmo um passarinho vermelho, pequeno e com uma faixa preta no olho, parece que ele me diz que nem tudo está perdido.

Desisto de continuar passeando e de ficar mais um dia. Isso aqui baixou demais o meu astral!
Está na hora do pelotão ir embora. Arrumo tudo e parto às 12:45 h rumo ao final da Mirim. Para fazer este trecho foram seis horas de caiaque (em 2000) e quase o mesmo de prancha (em 1985) com vento contra.
Acontece que peguei vento favorável e faço o percurso em 3 h.
Paro já no começo do canal de S. Gonçalo e tento comer o queijo que comprei no Uruguai (junto com o licor de huevos). Fede muito, não desisto e tiro a casca para comer o miolo, o gosto está horrível e sou obrigado a cuspir fora, foi aí que vi que tinha vermes que se debatem na areia quente. Sheet!
Navego mais meia hora e desço em Sta. Isabel, onde faço um lanche depois de atravessar a praça da igreja de três sinos. Fica ao lado do campo de futebol.

Como um xis para tirar o gosto dos vermes e tomo um café com leite. Conheço Cássio, de 13 anos, ele é muito legal e pergunta um monte.
Agora, quando voltar, vou encontrar alguém vivo, pois Saul, o pescador que conheci de Wind já morreu, assim como quase todas as pessoas anotadas em 83.
Vida de High Lander é triste!
Vou para a margem, converso com pescadores que me viram em 2000 e ao lado do caiaque tem um monte de piás. Converso com eles e sigo meu caminho.
Passo pela ilha pequena e logo em seguida acampo em lindíssimas barrancas do lado esquerdo.
São gramadas, o sol se põem e um casal de choronas (um mergulhão que nunca voa, está sempre dentro d’água) passa em frente da barraca com seus filhotes. Vejo bandos de maçaricos passando contra as nuvens douradas do sol poente e fico um pouco triste lembrando do meu lugar.
Apesar de só andar meio dia, fiz cerca de 30 km.
3-12-05 Sábado dia 165
Esta noite um graxaim chegou ao lado da barraca. Agora são 6:42, já comi os cereais e estou preparando uma sopa com massa enquanto escuto os pássaros e músicas nativas na rádio pelotense (a mais antiga do estado).
O canal de São Gonçalo une a Lagoa Mirim à Lagoa dos Patos quase 60 km

Aqui em frente o canal está calmo, passam bandos de biguás e marrecas para oeste. Isso aqui é lindo demais, eu adoro as Lagoas e o canal de São Gonçalo.
Por isto planejei desde o início (se conseguisse chegar até aqui), de vir pelas Lagoas. Não gosto de mar, não vejo nada bonito ali, principalmente o do Rio Grande do Sul, mas isto aqui é cheio de vida, de cheiros e magia. Amo esse lugar!
Estou cheio de feridas na testa, saem pedaços de pele e as bolhas soltam água que gruda nos cabelos, ainda bem que não tenho espelho. Aquele dia sem boné me detonou a cara.
Saio perto de 9 h e paro duas horas depois, já na ilha Grande. Entrou um fortíssimo vento nordeste e meu plano de chegar hoje em Pelotas foi pro espaço.
Eu odeio vento, se pudesse mordê-lo, machucá-lo ou qualquer outra coisa, eu faria.
Sigo em frente e paro ao lado de outra capivara morta para almoçar.

Depois sigo em frente, remando contra esse forte vento só de raiva, não vou perder para esse corno.
Passei num local onde havia um colhereiro que não voou . Deixo o caiaque mais adiante e volto rastejando pela lama ao lado de um barranquinho.
Finalmente consegui filmar um colhereiro que estava ao lado de um maçarico, ganhei o dia!
Paro em outro local cheio de tufos de capim palha, espalhados pelos campos gramados que no inverno ficam submersos.
Dou uma volta para ver se encontro alguma parelheira ou jararaca para filmar, mas o máximo que vi foi uma cegonha comendo uma enorme cobra, mas não deu para ver direito, ela se mandou com a cobra no bico.
Resolvo seguir até a ilha do Pavão e parar mais cedo, esse vento de rajadas fortíssimo deve estar trazendo algo ruim.
Chego na ilha, escalo um barranco, abro uma clareira no alto brejo, pois ali é o único local abrigado que encontrei. Para frente parece haver só banhados.
Não gosto de lugares assim, são cheios de cobras, mas faz parte.
Consigo armar a barraca, tirar o barro cinzento e deito assistindo mais um por de sol.
Não demora muito e nuvens surgem no horizonte.
Chove forte, mas estou bem abrigado. O caiaque ficou meio perigoso lá embaixo, mas amarrei num toco aqui em cima.
Cheguei aqui às 18 h, remei 6 h contra esse vento violento, não avancei quase nada, mas melhor que ficar parado. Digamos que hoje foi sessão musculação.

4-12-05 Domingo dia 166
Parto cedo, com vento contra que vai diminuindo perto de meio dia.
Aproveito para tomar banho de novo e fazer a barba.
Perto de 14 h passo pela décima barragem da viagem e pego uma pequena corredeira ao passar entre as comportas.

Depois as pontes da BR 116 e a ponte elevadiça do trem.
Às 14:30 encosto no Clube Náutico Gaúcho, já em Pelotas. Sou muito bem recebido por Márcio e sua esposa Suelen. Ele diz que posso dormir por aqui. Tomo banho e vou agradecer. Eles estão ali fora, a mãe dele, dona Celoir é muito legal e oferece café. Sua irmã, Ana Paula e as filhas Bruna e Milena ficam assustadas quando aparece um morcego perdido no dia. Filmo o bichinho e vou para a internet. Fico ali por 4 horas e volto de moto-táxi, pois o local do clube é meio barra pesada e certamente vou reagir, melhor evitar encrenca! Durmo no assoalho da parte superior do galpão dos barcos em meu saco de dormir. Chove forte durante a noite.

5-12-05 Segunda dia 167
Seu Adão, pai de Márcio, abre o clube para eu sair para a internet.
Descubro que ele era o treinador de remo quando cheguei no clube de regatas Rio Grande, nas viagens de Windsurf de 83 e 84.
E agora sou recebido pelo filho dele aqui em Pelotas mais de 20 anos depois
Inclusive ele me deu uma flâmula do clube na época, que loucura!
Bueno, agora são 18 h, estou exatamente há 10 h escrevendo e meu plano de seguir hoje se foi. Some-se a isto as 4 h de ontem.
É isso aí amigos, depois tento baixar as fotos para mandar.
Acho que vou dar um “pulo” em Rio Grande e dali volto e sigo para Porto Alegre.
Tenho até medo de perguntar o que vai acontecer na Lagoa dos Patos, mas isto fica para o próximo capítulo.
Mais uma vez um abraço e obrigado pela força, só por isto estou podendo escrever mais uma parte.
E-mails:
Oi querido!Pelo que vejo a viagem, esta quase chegando ao fim.depois de inúmeras aventuras que tu nem esperava!
Continuo torcendo por ti e contente por saber que até mesmo os percalços te fazem feliz! Mesmo que na hora que acontecem te dêem raiva! rsrsrsr!
E isso aí o importante é ser feliz! Beijos
Dina

Oi André espero que tenhas feito uma boa viagem,pelo menos os dias
tem sido bons e acho que só dois ou três com vento contra.
Falei com o pessoal da TV Furg,que é um canal a cabo,da universidade
daqui e eles ficaram entusiasmados com a possibilidade de fazer uma matéria
contigo. Talvez eu vá a Pelotas qualquer dia desses e se estiveres por aí, (me diz em que lugar estás)talvez possamos nos conhecer.
Gostamos muito das fotos + ainda do ataque ao forte e da placa da Prefectura Naval. Que bom que chegaste bem,mesmo com essa praga desse nordeste.Para variar pelo INPE deve ter vento sul amanhã mas não muito forte.São 25 milhas,só que para ti não deve ser muito difícil.No Rio Grande Yacht Club já avisei da tua chegada e vou deixar a chave do "Talha-mar"na portaria, podes ficar como em casa. Pode ligar a cobrar já que o Cabo Grana deve estar cada dia pior. No fim da tarde estaremos pelo clube. Boa navegada, abraços Henri

E aí companheiro André, pelo jeito já chegaste nos pagos, bem-vindo ao Rio Grande, campeão. Como tu já deves saber somos campeões brasileiros!! Como eu te havia dito que iria acontecer. Tu também conquistaste uma vitória e tanto, vê se não descuida
neste último trecho, concentração e garra total! Até a vista!
Um grande abraço, Osmar Yang
Pô André falta pouco hein! Tu tá chegando.
Um abraço! Walter.
Meu caro amigo, tu deves estar um trapo velho, magrinho, queimado do sol, fedendo horrores um verdadeiro lixo..... brincadeirinha.... olha, to vendo que a força de vontade é a grande arma para a continuação da empreitada, espero que até o fim da jornada tudo de bom venha acontecer contigo e DEUS te proteja ainda mais......
Brodinho, aqui esta tudo bem, a nossa GUARDA, esta como o diabo gosta, muito sol, ondas, mulherada...Velho assim que tiveres as fotos manda pra gente ter a noção do paraíso que estais a ver todos os dias...boa sorte e esperamos mais relatos e historias dessa aventura louca que só você pode nos passar.... um grande abraço do teu amigo JORGE.

P.S. amigo falta pouco pra chegada do meu filho (Samuel) estamos (eu e Fernanda) na contagem regressiva, bate a responsa velho, quem sabe ele chegue no mesmo tempo que você. valeu . Jorge Zilli


É isso ai Brody. Está mais próximo de casa e agora está encarando a Lagoa dos Patos. Estamos na torcida por você e seu exército, hehehehe. A emoção de estar quase chegando em casa renovará suas energias e nós ficaremos na torcida.
Abraço do tricolor gaúcho,
Marcelo.


E Ai brody! Hoje é um dia especial 13-12, porque é o teu dia (Dia dos Marinheiros). Um legitimo marinheiro que tem escamas e que até as águas mais revoltas e traiçoeiras se reverenciam a ti, te empurrando para fora ( ou quem sabe te rejeitando ?? ) Espero que os bons ventos estejam te trazendo bem rápido para o nosso convívio. Um Abração
Paulo Issi



Pelotas · Rio Grande · Porto Alegre
Porto Alegre, 24-12-05
Queridos amigos, o pelotão terminou mais uma etapa e conseguiu chegar a tempo para curtir o Natal com a família, era extremamente importante estar aqui este ano e sacrifiquei um pouco da tripulação, além de abdicar de alguns objetivos para chegar a tempo. Estamos reunindo forças para continuar espalhando o ideal farroupilha além de terras e através do sempre. Logo partiremos para o mar, meu destino final. Aconteça o que acontecer levaremos na bagagem o carinho, o apoio e a gratidão pelo tanto que tantos fizeram a tão poucos, muito obrigado!
Pelotas, 5-12-05 Segunda-feira dia 167
Terminei de escrever na Internet só às 22 h, voltar pro clube àquela hora, com filmadora e máquina fotográfica era barra pesada, pois ao lado do clube tem uma favela, melhor dormir pelo centro. Achei o Hotel Rex (nome de cachorro) com diária bem baratinha.
6-12-05 Terça dia 168
Despeço-me dos amigos Márcio, dona Ceoni e das filhas de Paula. Não consegui contato com as filhas de Dílson, de Santa Vitória do Palmar, que estudam aqui.
Acabo partindo só às 11 h e sigo pelo canal de São Gonçalo (com vento de SW) por duas horas até chegar, pela sexta vez, na Lagoa dos Patos (3 de Wind, uma com caiaque e Wind e duas com caiaque).
Tentei encontrar meus amigos pescadores na vila que há na margem esquerda, mas não moram mais por ali.
Como decidi seguir para Rio Grande, para SW, qual o vento que iniciou a soprar?
SW é claro!
Há muitas gaivotas no banco de areia ali em frente, cascas de enormes siris e paisagens lindíssimas, matas nativas com enormes figueiras carregadas com barbas-de-pau. O vento forte e contra me incentiva a procurar o canal que separa a ilha de Torotama do continente. Assim terei um pouco de abrigo do vento e das ondas.
Povoado de pescadores no final do canal O final do canal e a Lagoa dos Patos em frente

Não sei onde é, vou seguindo por baixios demarcados por centenas de paus fincados onde os pescadores estendem suas redes de pesca de camarão, em forma de túnel, e redes comuns.
Tu estás lá no meio, 2 a 3 km da margem e o barco quase encalha nos baixios, isto com um calado de 20 cm...
Faço outra pequena travessia e o vento entra de rajadas com tal força que arranca meu boné de “estimação” que quase afunda antes que eu consiga manobrar e fazer o resgate de “homem ao mar”. Aliás, a água aqui já é salgada.
Estou fazendo uma “perna” de 100 km, quero conhecer Henri e Julieta, que me deram muita força através das páginas do Popa, que publica fotos e relatos da viagem.
Além do mais, boa parte de minha infância foi passada ali, nas férias de fim de ano junto aos primos e tios. Foi ali que se criou meu pai, quero recordar os lugares onde ele esteve!
Depois de navegar por cerca de sete horas e descansar ao lado de uma bóia encalhada na praia, chego ao final de tudo e não acho a entrada do canal no meio dos juncos. Foi difícil de chegar até ali contra o vento e não quero desistir, nem que tenha que arrastar o caiaque pelos banhados.
Encontro uma entrada, mas o canal acaba em seguida. Desembarco e me enterro até o joelho numa lama fedorenta entre os tufos de junco e água. Começo a puxar o caiaque com uma corda e tento ver onde se iniciaria o riacho.
- Droga, não consigo ver nada, o vento sopra dobrando o capinzal e eu perdido no meio do banhado.
- Brother, nós vamos nos ralar, já são 18 h, daqui a pouco escurece e tu vais passar a noite sem ter onde dormir.

Estou cansado e quanto mais adentro no banhado, pior ficará para sair.
Sou obrigado a voltar e tentar ver se não é em outro local.
Vou contornando o final da enseada e finalmente encontro onde é a verdadeira entrada, está escondida entre os juncos.
Garças e biguás levantam vôo, há pequenos gaviões pousados nas taquaras que demarcam onde é mais raso. Tartarugas e alguns ratões do banhado nadam apenas com a cabeça de fora. O canal tem uns 10 m de largura (ancho) e tufos de capim margeiam tudo e não te deixam ver nada para adiante. São terras baixas e o cara, sentado no caiaque, não consegue ver nada, pois o capim é mais alto do que eu. Bueno, só me resta seguir em frente e rezar para que tudo não termine num banhado.
Fico impressionado com a quantidade de ratões do banhado, a cada curva que faço, vejo um ou dois. Cheguei a ver cinco de uma só vez!
Eles mergulham ou se metem entre os tufos de capim das margens. Ali tem uma infinidade de caranguejos marrom-avermelhado e com garras grandes e amareladas.
Eles se enfiam em pequenas tocas escavadas no barro cinzento e ali ficam beliscando as raízes e alimentos retirados do barro com suas garras que levam à boca com uma precisão e delicadeza que não combina com a aparência da garra. Fazem isto com as duas patas que se revezam na tarefa de levar comida à boca. Os olhos parecem pequenas antenas com uma bolinha esverdeada na ponta. Interessante de observar.
Vou seguindo em frente sem saber onde estou e o canal vai serpenteando, fazendo curvas e mais curvas. Várias delas com 180º.
Depois de uma hora chego a uma pequena “ponte” que liga a ilha ao continente. A ponte é praticamente formada por duas tubulações onde praticamente passa só o caiaque, é tão estreito que não dá para remar, tenho que seguir apoiando com as mãos.
Quero descansar, mas não posso, são 19 h e recém cheguei na metade do caminho do canal.

Pior, o caiaque não faz as curvas, pois é muito comprido. Isto me obriga a dar marcha à ré e o avanço fica cada vez mais demorado Fica frio, vou encalhando na lama (a parte mais funda não deve ter mais que 30 cm) e a irritação é inevitável, pois quero sair daqui e não sei quando termina além de não enxergar um ovo.
Para complicar ainda mais, aliado ao vento contra, o canal estreitou demais, pouco mais de quatro metros, faz curvas de 180 graus e inicia uma forte correnteza contrária, acho que é maré!
- Senhor, estamos encalhando direto!
- Coloque n’água o nosso medidor de profundidade!
- Esse eu desconheço, senhor!
- O chinelo de dedo, se ele boiar, a gente passa!

Começo a praguejar enquanto remo com raiva, pois o frio aumenta e eu não quero perder tempo colocando abrigo, é melhor sair de dia daqui.
Dando mais voltas que casca de caramujo, chego numa lagoa; parece não haver saída, só margens com juncos. Fico revoltado, pois terei que voltar tudo de novo. Depois de me acalmar, sigo contornando o lago para ver se encontro uma saída escondida entre os juncos.
Finalmente encontro e sigo em frente contra a correnteza cada vez mais forte. O caiaque vai raspando na lama e não faz as curvas de jeito nenhum, GRRRR!
Após várias explosões coléricas, às 20 h chego no final do canal da Torotama.
Olho para os lados; não vejo terras altas, apenas juncos a perder de vista. Tenho que seguir remando, mas meu mapa termina aqui, tenho a ilha dos Marinheiros como alvo de proa e não sei se vou por boreste ou bombordo para tomar o caminho mais curto para Rio Grande.
Brother, isso tu decides amanhã, o pelotão está exausto! Procura local para dormir!
Só me resta fazer outra travessia em direção da Ilha dos Marinheiros. Estou sem a capa e as ondas geladas respingam em mim e vão enchendo o cockpit.
Xingo sem parar o vento e as ondas enquanto escurece.
Finalmente chego do outro lado, mas há um “mar” de juncos que de longe parecia ser um campo gramado. Vou enfiando o barco entre os juncos e não chego em terra firme, é melhor voltar e procurar mais adiante.
Já está escuro, remo para Oeste e vou seguindo os juncos até que vejo uma parte aberta entre eles. É um canal de acesso em direção de umas árvores mais ao fundo. Vejo uma casa perto das árvores.
Vou lá pedir autorização para dormir por aqui, penso.
Logo no começo tem uma ponte rústica sobre o canal, arrasto pelo lado e percebo que ali do lado é terra firme, uma rústica estradinha com o trilho de rodas. No meio do trilho tem tufos de juncos que me espetam. Estou tremendo de frio, só me resta armar a barraca sobre os tufos de junco, do jeito que der e colocar uma roupa seca.
Durmo como dá sobre os juncos dobrados, levei várias espetadas doloridas e são quase 21 h. Foram praticamente 10 h remadas, desde que saí de Pelotas, e 1 h de descanso.
7-12-05 quarta-feira dia 169
Escuto o rádio, fez 11 graus esta noite, frio para esta época. Agora são 7:10 h e não sei se contorno a ilha dos Marinheiros por Leste ou Oeste.
Resolvo seguir por Leste, rumo ao canal de onde se vê a ponta Rasa e São José do Norte.
- Soldados, preparem-se para fazer o que Bento não conseguiu, vamos atacar direto o Porto de Rio Grande. Eles não esperam ataque por aqui, ninguém consegue passar pelo canal da Torotama e nosso ataque tem de ser fulminante, sem deixar tempo para o inimigo pensar.
- E São José do Norte?
- Não sei o que Bento queria por lá, só tem leões marinhos e muito vento...
- Acho que o “cara” é o General Neto, esse joga no meu time!
Parto às 8:40 h e vou à direção do canal. Passo por uma vila de pescadores da I. dos Marinheiros onde fazem a Jurupinga é tipo um licor. Sempre que o tio Zé ia nos visitar em Porto, levava uma garrafa de Jurupinga e chouriço, comprados aqui nesta ilha.
Há centenas de barcos amarrados nos paus fincados nos baixios e tem os mais variados nomes, principalmente de novelas e outras “atualidades” como “Mensalão” alusivo às cracas de nossa sociedade, os políticos corruptos!

Duas horas depois estou de frente para Rio Grande, vejo o Regatas, o comando do 5º Distrito Naval e o Hotel de Trânsito, onde eu, o Rojas e o Bello moramos um ano, trabalhando como odontólogo e médicos no Ambulatório Naval antes de sermos transferidos para Florianópolis, onde vivemos até hoje.
Vou atravessando e tentando adivinhar onde fica o Yatch Clube de Rio Grande, onde sou esperado, conforme avisou Henri.
Contorno a ilha da casa da pólvora e pergunto a um casal que manobra um enorme veleiro.
Vocês sabem onde fica o Yatch?
- Sorry, do you speak English?
- Of course! Can you tell me where’s Yatch Club?

Que chique, o cara é “poligrota”! Fala quatro idiomas na base da mímica e alguma coisa de português.
Sou recebido por João, Jessé e outros funcionários. Eles são super legais e me receberam muito bem. Finalmente cheguei no Rio Grande Yatch Club.
Vou tomar um banho e depois chega Henri e sua esposa Julieta. É o primeiro amigo “invisível” da Internet que conheço pessoalmente.
São pessoas simpaticíssimas e acabamos almoçando no restaurante do clube. Henri conhece cada recanto, cada riacho ou acidente geográfico das lagoas e do canal de São Lourenço que percorre em companhia de sua esposa e de Maíra, que praticamente se criou a bordo do “Talha-Mar”, uma potente lancha onde a maior parte das ferragens e instalação de motor foi feita por ele mesmo.

Depois vou com eles conhecer sua casa que fica num sítio na estrada do Cassino, onde ele praticamente tem uma oficina profissional que usa como hobby. Ali tem acesso para a lagoa onde eles têm vários bichos de estimação da própria natureza que habitam por ali.
Ele tem fotos de um zorro (raposa) que se acostumou com eles e vinha todas as noites comer quase que em sua mão.
Depois, fomos, juntamente com Maíra e Matheus, até a TV FURG onde encontramos Tiago e Franco. Eles são super legais e fazem a matéria enquanto chega o pessoal do jornal.
Eles pedem que eu mexa no caiaque enquanto um deles fotografa.
- Então eu peço que espere enquanto mexo no compartimento da proa e retiro a bandeira do Grêmio entre risos, pois eles são colorados doentes e não esperavam por esta.
Brinco, dizendo que foi “promessa” para o Grêmio voltar para a 1° divisão.
Depois encontro o comodoro do Yatch, senhor Guto, que foi de uma gentileza só e disse que poderia ficar o tempo que quisesse, inclusive me regalou com um boné do clube.
Para matar as saudades, vamos numa sorveteria onde há várias décadas, produzem um delicioso sorvete de tâmaras e nozes.
Para variar, fui numa Internet e depois visitei umas primas.
Dormi num Motel “tri”, de zona.

8-12-05 quinta-feira dia 170
A noite não foi das piores, o pelotão farroupilha acorda bem disposto e sai caminhando pelas ruas de Rio Grande, relembrando cenas do passado.
Encontro uma senhora e uma criança de uns cinco anos na calçada. Ela tem um saco pesado para carregar e o piazinho diz:
- Mãe, deixa que eu carregue isto para ti!
Ele tenta levantar o saco, mas é muito pesado para ele.
- Meu filho, tu és muito pequeno, deixa!
- Deixa mãe, um dia eu vou crescer, vou comprar um carro e te levar para passear.
Achei graça no piá, eles eram muito pobres e isto era algo quase impossível de acontecer.
Anos se passaram, o piá cresceu e virou salgador de peixe na Pescal junto com a família.
Estudou, trabalhou muito e um dia comprou um carro.
Lembrou da promessa e levou sua mãe para o alto de um morro no carro onde começaram a chorar.
Esse piá era meu pai, um homem que se fez na vida.
Eu, meus irmãos, tios e primos devemos quase tudo a ele, que possibilitou que estudássemos enquanto trabalhava longe da família, em São Paulo.
Não ficou rico, mas tinha um padrão bem acima da média e era um batalhador, com 78 anos e seis pontes no coração ainda trabalhava em exportação quando faleceu no dia do aniversário de 80 anos da mãe, um mês antes de eu partir.
De certa forma, minha vinda a Rio Grande foi uma forma de homenageá-lo, relembrar locais onde ele virou a mesa, lutou contra a maré e fez seu próprio destino!
Valeu pai!
Saiu a matéria no jornal, vou ao centro cortar o cabelo onde conheço Nilson e Neri, eles me reconhecem do jornal e Neri quer que eu assine a matéria, pois vai colocar num quadro e pendurar na barbearia.

Essa foi inédita para mim!
Passo pela Praça Tamandaré, vejo as tartarugas no laguinho e dali volto para o clube.
Vou partir encontro Henri que vem se despedir em companhia de um senhor...
Cara, é meu primo Paulo Roberto, que eu não via há mais de 20 anos...
Que agradável surpresa, fiquei imensamente feliz e agradecido a esse amigaço que é o Henri. Bota surpresa nisto!
Resultado: combinamos de jantar e parto só amanhã.
Foi um jantar muito divertido com Henri, a família, Beto e a namorada, Maria do Carmo. Seu Jair, o dono da galeteria, vem me cumprimentar e tiramos muitas fotos, foi muito, muito bom mesmo, estar ali com eles e rir um bocado.
Acabo passando minha última noite em Rio Grande no barco Talha Mar, atracado no Yatch.
Obrigado Henri e Julieta, vocês foram demais!









Duas coisas para lembrar na hora do sufoco. Colocadas no bico de proa

Na ponta a morte (para que eu não fique auto-suficiente), mas logo abaixo o lugar de onde venho, que me faz lutar sem tréguas contra ela!
9-12-05 sexta-feira dia 171
Despeço-me dos funcionários que estão por ali, coloco o caiaque n’água e parto às 7:55 h, agora contornando a Ilha dos Marinheiros pelo lado oposto de onde vim, rumo a I. da Torotama.
O local é extremamente baixo, as “coroas” ou bancos de areia estão por tudo, parece que a linha da água não passa de uma fina lâmina onde vejo centenas de gaivotas, garças e biguás pousados a mais de 3 km da margem com água pouco acima das patas.
O caiaque encalha direto e isto me irrita demais, pois tenho que descer e puxá-lo com a corda e não encontro a parte mais profunda. Tenho que fazer uma força dos diabos para arrastar minha “cruz”.
Duas horas depois estou passando pela ponte que liga a ilha dos Marinheiros com o continente. Sigo em frente e começo a travessia para a I. da Torotama, pensando em retornar pelo canal por onde vim, pois o vento parece um NW (contra) e que está rondando.
É muito difícil de achar o canal no meio dos juncos, pois além de tudo, há outros e já não tenho mais certeza onde é a entrada.
Acabo achando uma entrada parecida, adentro pelo canal até que o caiaque encalha. Como a maré está baixa, o que já era raso ficou pior ainda. Encosto para almoçar enquanto observo os caranguejos se alimentando na lama.

Finco um pauzinho na lama para saber se a maré está subindo. Fico parado quase 2 h, a maré subiu quase nada e tento avançar; o canal afina mais ainda, acho que não é por ali, melhor voltar para fora, passar pelos baixios e contornar a ilha da Torotama.
Estou só perdendo tempo e paciência por aqui. Saí do riacho só às 13 h e fui em frente. Achei mais dois riachos, mas agora não tenho mais certeza e chega de perder tempo.
Vou à direção do pontal da Torotama e o vento está aumentando.
Nessa brincadeira, estarei fazendo um “oito” nas ilhas da Torotama e dos Marinheiros no trajeto de ida e volta.

Passando a ilha dos Carneiros há o pontal e ali o curso muda para NW. Cruzei com bandos de cisnes de pescoço negro e brancos, além das grandes garças. Há umas bem menores, elas têm as patas amarelas e as grandes têm patas e pernas pretas.
Depois do pontal fiquei a favor do vento SE. Perdi mais de 7 h de viagem, mas faz parte.
Abro minha velinha e sigo em frente, resolvi aproar para o último ponto que vejo para boreste. Passo por outra vila de pescadores e seus barcos atados aos paus nos baixios.
O vento aumenta muito, as ondas crescem, mas mantenho o curso por várias horas até chegar onde queria, já às 20 h.
Há uma majestosa figueira próxima da praia e as nuvens ameaçadoras seguem na direção do sol poente.

Isto causou um efeito lindíssimo que proporcionou o pôr de sol mais lindo que vi até hoje. Foi simplesmente fantástico e as imagens das fotos retratam apenas uma parte daquilo que foi uma das coisas mais belas que vi nestes quase seis meses de viagem.
Contrastando com as nuvens avermelhadas e douradas, os campos ficaram iluminados por milhares de vaga-lumes, parecia “Natal-luz”
Limpei com o facão uma área sob uma pequena árvore para “embutir a barraca” e ter abrigo do vento e da chuva que virá.
Achei umas chapas de ferro que coloco ao redor da barraca para atacar um pouco do vento e da chuva.

10-12-05 sábado dia 172
Choveu um bocado, mas ao amanhecer estava só nublado e um forte vento soprava do quadrante sul.
Agora são 8:02 h, escuto a rádio Pelotense que toca música nativa (chamamé).
A maré baixou muito e vou tocar em frente.
Recorro o lugar, fotografando as lindíssimas matas nativas, repletas de figueiras e corticeiras em flor. As barbas-de-pau penduradas nos galhos encantam a qualquer um. Lugar show de bola!

Estou bem mais adiante do que pensava, como segui afastado da costa, não percebi alguns pontais. Estou apenas há uns 5 km do canal de S. Gonçalo.
Remei mais de 9 h, estou meio quebrado e moído, mas o vento forte parece ser favorável.
O vento é quase de rajadas, leva para fora. Penso em sair sem vela, tenho medo de perder o controle e virar!
- O quê?
- Não me faz te pegar nojo!
- Tu és ou não és filho do Rio Grande?
- Com muito orgulho, senhor!
- Então, meu amigo, hay que tener “huevos”!
- A morte é uma coisa secundária, mas o orgulho de morrer peleando, sem pedir o penico... Não tem preço!
- Tem coisas que só o pelotão farroupilha faz!
Então eu armo a vela e me vou porteira afora, corcoveando nas ondas e segurando meu cavalo crioulo que empina ao galgar as coxilhas que crescem à medida que nos afastamos da costa.
Em meia hora já estou passando pela boca do canal de S Gonçalo e tenho que tomar uma decisão rápida.
Seguimos a costa ou tocamos para a ponta da Feitoria que nem dá de ver?
- Senhor, os homens estão prontos para seguí-lo até a morte!
- As decisões que tomar nessa guerra sem fim serão executadas com o sacrifício da própria vida sem vacilo!
- Então, senhores, calar baionetas e preparar para uma longa peleia, quero que sintam orgulho de vocês mesmos.
Já sei para onde fica o Pontal, marco o curso na bússola e aprôo o Maktub na direção do nada.
- Soldado, como está nosso estoque de “farinha no saco”?
- Transbordando, senhor!
- Marcar alvo de proa e preparar para o combate!
E lá se vai o nosso pelotão, em busca dos sete pontais da Lagoa dos Patos (Feitoria, Quilombo, Vitoriano, Dona Maria, Dona Helena, Santo Antônio e Formiga).

É uma marcha inexorável para a retomada de Porto Alegre.
Na frente de nossos heróis, grandes batalhas estão por vir, mas eles aprenderam a enxergar além do horizonte e seus ideais estão aonde os olhos não conseguem ver, lugares onde só os fortes de coração e de ideais conseguem alcançar.
Gozado, já tive pavor de fazer muito menos que isto, mas agora, apesar do respeito que sinto pelo campo de batalha, sei o que meu pelotão é capaz de fazer, só não sei o que irá acontecer quando virar, mas isto a gente aprende quando acontecer.
Tirando as corredeiras e o choque casual com uma bóia, nunca virei, por pior que fosse o vento e as ondas.
Passando o S Gonçalo, há umas armações grandes de um farol abandonado e que marcam a entrada para Pelotas. Um pouco adiante, cruzo com bóias de sinalização do canal que vai para Porto.
Como sigo a favor das ondas e do vento, tudo é mais tranqüilo, apesar de grandes ondulações que quebram, formando os famosos “carneirinhos”.
O vento parece não fazer tanto barulho, sinto uma estranha sensação de liberdade e paz no meio de tudo isto. É um privilégio para aqueles que se aventuram um pouco mais além dos limites de segurança.
Acho que deve ser rotineiro para os velejadores, mas para marinheiros de primeira viagem é uma sensação diferente, algo que embriaga os sentidos.
Passo por bóias de boreste (verdes) de n° 52 e 54 e aposto corrida com um enorme navio (Guará) que parece vir na minha direção.
Nossos rumos convergem para a bóia de bombordo de n° 51 (boa idéia), que é vermelha. Ele só ganhou por “bico de proa” porque parei para fotografar.

Ali nossas posições se invertem, eu cruzo o canal e ele segue mais perto da costa.
- Senhor, esse navio não é de nada, foi buscar abrigo do vento e das ondas lá perto da costa!
- Acho que isto foi uma manobra evasiva, ficou com medo de nosso pelotão!
Apesar de longe, há paus fincados para redes de pesca e isto serve como sinalizador de águas mais rasas, onde as ondas ficam bem perigosas e entram de través, estourando sobre a tripulação.
- Atenção, todos para boreste, cravem o remo no corpo do inimigo e usem isto para manter o equilíbrio.
Algumas vezes o maktub desliza de lado, mas a tripulação compensa o ataque lateral e consegue manter a embarcação em posição de combate.
É concentração total, não pode haver vacilo.
Como não consegue nos por a pique, o inimigo se infiltra no cockpit e vai enchendo perigosamente, não há como expulsá-lo, pois estão todos lutando encarniçadamente com força numérica extremamente inferior as do inimigo.
- Senhor, vamos afundar!
- O Cabo Esponja e os medidores de profundidade estão nadando no porão!
- E a usina?
- Parece sem forças, só saberemos como está quando tivermos que ligá-la.
- Acionem as bombas de porão!
- Foram retiradas na Argentina, senhor!
- Por quê?
- Precisávamos mudar o sistema de leme...
- Mandem todos suportarem o ataque até chegarmos na Ponta da Feitoria, ali diminuirá um pouco o ataque imperialista e tentaremos retirar o inimigo do porão.
- Senhor, há uma frota de barcos se aproximando pela proa (cerca de 15) e outro navio se aproximando pela popa.
- Esses da proa são pescadores, estão seguindo para a colônia de Barro Preto.
- Alguém lembra onde fica o canal?
- Negativo!
- Temos que sair da frente, estão querendo nos afundar!
- Aproem na direção daqueles paus, ali é água rasa e ele não tem calado para combater...
- Ele está vindo da costa...
- São uns covardes, não terão coragem de atacar!
Tive que tirar o boné e os óculos, devido à força do vento e das ondas.
Finalmente, depois de 3 h, consigo chegar à ponta da Feitoria e ali, ao largo, uso uma garrafa plástica cortada para retirar o que dá de água.
Há barcos de pescadores na beira, na reversa das ondas. O pelotão segue firme em frente. Pretendo parar só no arroio Corrientes para aproveitar esse vento. Estou começando a achar que consigo chegar hoje mesmo em São Lourenço do Sul. É só ter coragem para continuar nesta peleia por mais algumas horas.
Vejo cavaleiros na costa, às vezes os cavalos seguem a galope e mesmo assim estou seguindo mais rápido que eles. É a força do vento aliado ao ato de remar sem parar, isto desnorteia o inimigo.
Às 13:40 h, quase 5 h de sufoco, chego no arroio Corrientes, saída da Lagoa Pequena. Pretendia seguir por ali, mas a força de vento mudou os planos no ato.
O pelotão não planeja, executa!
Como a ração de guerra e volto pra peleia, não vamos dar trégua a esse inimigo que nos bombardeia sem parar.
Sigo paralelo a costa, cerca de 2 a 3 km para fora, onde as ondas quebram menos.
Quanto mais me aproximo de S Lourenço, mais as ondulações ficam grandes e nos atacam por boreste.
- Atenção, vamos tomar S Lourenço, se alguém deixar o Maktub virar agora, será executado sumariamente!
Os homens sabem que ele fala sério, Tenente Issi não é amigo de ninguém em batalha, apenas luta por seus ideais e tudo é válido para alcançar seus objetivos.
- Senhor, são apenas 18 h, podemos navegar até às 20h30min...Fazer os 100 km/dia que tanto queríamos
- Negativo! Temos simpatizantes da causa em S Lourenço, vamos saudá-los!
- Afirmativo, positivo, operante!
- Atenção tripulação, há rochas na entrada do canal, assim que avistá-las, arribem na direção das ondas e cuidem das rochas!
E assim nossos heróis adentram no canal do arroio e aportam no Iate Clube de S Lourenço.
Sou muito bem recebido pelo comodoro, senhor Euclimar, mais os diretores Rogis e Joel.

Mais tarde chega Vandir, que me emprestou um ponche e um barco para passar a noite no gelado inverno de 2000, quando cheguei de caiaque e windsurf.
É a quarta vez que fico alojado no Iate (84 e 85 de windsurf, 2000 e agora) e sempre fui muito bem tratado, por isto gosto tanto daqui.
Tomei um banho e segui, a pé, por uma estradinha de chão até centro. Em menos de 2 h a Lan House (Ciber) iria fechar, tentei baixar as fotos e apenas li os e-mails.
Agora são 23:30 h, estou numa lanchonete e amanhã me mando. Pego um barco para atravessar o arroio de volta ao Iate. Ao lado do clube, está havendo o “Aldeia Atlântida” e o camping está repleto.
É uma zoeira total, há quatro fontes de altíssimo som e cheio de “galetinhos”, que eu apenas olho passar.
Tenho que fazer algo:
Tiro a dentadura, arremesso na direção das gurias e digo:
- Vai lá e morde!
He, he!
- Senhor, já não está meio “passadinho” para a caça de “galetos”?
- O senhor está cheio de riscos perto dos olhos...
- Soldado, eu vou à luta sempre, nem que seja para ser “vaiado”.
- Quanto aos riscos, cada um deles representa uma virgem abatida!
- Nossa, são centenas...

11-12-05 Domingo dia 173
Armei a barraca ao lado da rampa e do caiaque. Digamos que foi uma noite agitada, pois o som rolou até agora, 8 h da manhã.
- Senhor, “catou” alguma coisa?
- Isto é segredo profissional, soldado!
Vou me despedir de todos, encontro seu Euclimar que me pareceu ser uma pessoa simples e amiga, inclusive, ontem, me ajudou a tirar o caiaque da água.
Ele está tomando chimarrão com Rogis e Robinson, diretor de vela. Fico ali, conversando com eles e tomando mate. O Sr. Robinson participou da viagem do veleiro Passatempo, relatada nas páginas eletrônicas do www.popa.com.br .
Ele é muito legal e é muito determinado em seus objetivos, boa pessoa.
Eles me acompanham na saída e vejo Senhor Euclimar e sua esposa, dona Didi acenando perto da saída do canal, muito obrigado, amigos.
Falei apenas por telefone com o Sr. Antônio Moreira, ele chegou de viagem e eu já estava saindo...
Parti só às 10:30 h e rumo direto para o que penso ser a Ponta do Quilombo. Lá pelas tantas, um veleiro que estava para a costa atravessa pela proa e se aproxima por boreste, é o veleiro Alvorada, do Sr. Valdir, ele recebeu rádio do Sr. Robinson avisando que eu iria passar por ali. Pergunta se não preciso de nada, mostra onde realmente fica a ponta do Quilombo e segue para S Lourenço. São pequenas coisas que fazem a gente se sentir bem, isto é S Lourenço, “A pérola da Lagoa”.
Às 13 h paro próximo de um pontal, abrigado do vento contra, para descansar e almoçar. Estou cansado destes 2 dias desde R Grande e aproveito a parada para tirar fotos de uma linda flor de cactos e dos gigantescos ninhos de cocotas (caturritas, cotorras).
Valdir Cactos Ninho

Parece um espírito na floresta ou a véia da foice...
Há um tronco queimado no meio das árvores que me deu um baita susto, parece um feiticeiro no meio da floresta ou mesmo a “morte”.
Eu heim? Deu pra ti baixo astral, vou pra Porto Alegre, tchau!
Parto às 14:40, seguindo contra o vento e as ondas. Ou minha bússola está louca, ou estou seguindo para E-SE, rumo ao pontal do Quilombo.
Sigo bem contra o vento e as ondas. Às 15 h chego no pontal do Quilombo. Ali tem uma pequena ilha de areia, uma “coroa”, na verdade.
Dali, aprôo para o último capão de mato que posso ver para boreste,onde creio que seja a foz do R Camaquã.
O vento aumenta de intensidade, quase de rajadas, mas as ondas não estão tão grandes assim. A água (que era esverdeada, transparente e salgada) ficou marrom chocolate, deve ter ficado doce.
É um avanço lento e irritante com esse vento que me está llenando las pelotas, pois além de dificultar o avanço, as ondas estão enchendo o cockpit e me deixando encharcado.
Três horas depois, estou chegando na foz do “rio das três bocas”, como é chamada a foz do Rio Camaquã.
É um local raso, lindo e cheio de pequenas ondas devido aos bancos de areia. Essas ondas irritantes vão me atacando de través, pois estou buscando local para desembarcar e descansar.
Estou muito cansado, o vento contra aumentou muito no final de tarde e só vai aumentar. Como cheguei onde queria, resolvo procurar local para acampar aproveitando que há lindos capões de mata nativa que darão abrigo contra esse vento irritante que bate nos ouvidos há horas.
Elegi uma enseadinha cheia de depósitos de folhas e galhos que formam um “colchão” macio na margem. Os pés afundam ao caminhar sobre eles. Há uma praia de areia com gramados ao lado e o mais importante: ali está super bem abrigado do vento SE.
São apenas 18 h, mas estou satisfeito de ter vindo até aqui num péssimo dia de forte vento contra.
Planifico a areia grossa sob uma pequena árvore e ali monto a barraca. Depois vou passear pelos banhados e adjacências do local. É tudo muito lindo, o final de tarde , os pássaros e as aves dos banhados repletos de flores e cores.
Depois sigo pela margem repleta de troncos que viajaram pelo rio até serem depositadas em sua foz.

Há várias entradas de riachos que alimentam os banhados onde até ratões do banhado voltei a ver. Há, também, tartarugas e ovos desenterrados e devorados por graxains.
O por de sol por trás de grossas nuvens foi um espetáculo a parte que fotografo com os troncos da margem em primeiro plano.
Ao retornar para a barraca, deparo com dois pássaros de vôo silencioso, com uma cauda enorme. Ou são o “dorminhoco” ou Urutaus, pois pousam no tronco, quase mimetizados, e ficam me olhando. Acho que consegui filmá-los! A lua está quase cheia e iluminou o início de noite.
12-12-05 segunda-feira dia 174
Acordo e um fresco de um bezerro está lá no caiaque, mordendo a vela. Berro com o sacana e toda a bicharada sai em disparada. Só faltava ele me detonar a vela!
Parto só às 10:15 h, rumo E-SE e dá-lhe vento contra!
Foi uma dureza só em direção do pontal do Vitoriano, por várias vezes a tripulação pediu para parar e descansar, mas o comando achou melhor fazer isto só depois de conquistado o pontal.
Onde já se viu parar para descansar no meio de uma peleia?
Foi uma batalha de paciência e resistência de ambas as partes, pois o feroz inimigo defendia suas posições com unhas e dentes.
O caiaque foi enchendo aos poucos, ficando mais pesado (por baixo, entra uns 10 litros de água) e isto faz uma diferença enorme.
- Senhor, o cabo Esponja está flutuando pelo porão!
- Esse cara bebe todas e depois não pára em pé!
- Deixem-no, já está acostumado!
- Quero todos unidos, o inimigo está impondo uma feroz resistência e se desistirmos agora, pensarão que estamos enfraquecendo. Juntem suas reservas morais e lutem como nunca!
Ondas estouram por todos os lados, mas o pelotão segue em frente e após 4:15 h de duríssima peleia, toma o pontal do Vitoriano, às 14:30 h.
Foram quase 4:30 h para avançar pouco mais de 10 km.
Havia cerca de 30 tartarugas que tomavam sol nas areias do pontal e que se jogam n’água ao menor movimento. Bato fotos, caminho pela areia grossa do pontal, esvazio o barco.
Como é difícil para avançar, todos os km estão sendo conquistados a unhas e dentes.
Seria dia de ficar chocando ovos, mas nosso pelotão não nasceu para isto.
Resolvi encarar tudo, chega de respeitar demais!
A tripulação se revolta, às vezes, mas o nosso ideal é mais forte que nossas limitações físicas.
Bóias de sinalização arrastadas caiaque cheio de água Exausto, o pelotão descansa no pontal


Nada acontece esperando, pelo menos aqui!
Tudo pronto, sigo em frente, agora no curso NW com o famigerado SE pela popa. Agora é como descer uma lomba, pois abro a velinha do caiaque e o vento que me detonava pela proa, agora ataca pela alheta de boreste, quase popa. São 16h:15min e o vento aumenta no final de tarde.
As ondulações estão com mais de um metro, estouram de través e começam a encher o caiaque aos poucos, aliado ao fato de que surgem nuvens ameaçadoras no horizonte.
Sigo em frente e quase viro por 3 vezes, com ondas estourando forte, mesmo afastado da costa.
Pouco mais de 1 h e estou passando diante do engenho Areal, do IRGA (Instituto Rio Grandense de Arroz), a mesma distância que levei 4 h para fazer seguindo contra o vento.
A costa começa a se voltar para NE-E e o vento de rajadas fustiga sem parar, agora quase de proa.Está cada vez mais forte e não irei longe assim.
Resolvo seguir na direção de enormes montes de areia onde há a entrada de um canal de irrigação. Ainda é cedo, mas parece que vem chuva e resolvo parar mais cedo e encontrar local abrigado.
Logo na entrada tem uma cerca que passa sobre a água mas o maktub passa por uma falha e assim vou seguindo para dentro do canal até encostar, abrir uma clareira ao lado do canal e montar acampamento.

Pelo menos estou livre do pior do vento, esse vento me irrita ao soprar nas minhas orelhas o dia inteiro.
13-12-05 terça-feira dia 175
Parto às 9 h e o corno do vento continua contra. Este jodido está me detonando dia a dia, estou podre e ele só faz ficar contra. Já deveria estar acostumado, mas começo a ficar revoltado.
Só me resta seguir remando entre 3 e 4 km/h, fazendo o dobro de esforço que faria com vento favorável. Em um dia de vento favorável, fiz mais de 60 km em 8 h remadas e ontem levei mais de 4 h para fazer 10 km...
Não tem como planejar nada, fica tudo por conta das condições que surgem e desaparecem a todo o momento.
Passo por uma lindíssima sede de fazenda onde começo a tomar o rumo E-SE de novo. Acho que a bússola está louca, eu deveria estar indo para o quadrante norte, mas isto só acontece depois de ultrapassar os pontais, depois segue para NW e vai fazendo a curva para outro pontal até ficar voltado para SE. Altos estranhos!
Duas horas depois estou parando um pouco depois da fazenda Flor da Praia, onde acampei sob uma figueira. A figueira não existe mais, a lagoa avançou sobre a margem.
Sigo em frente com esse ser maldito soprando contra cada vez mais forte. Parei aqui, logo depois de um levante e sentei ao lado de uns juncos para comer algo e descansar sem ter que ouvir este maledeto me soprando nos ouvidos.
O cara acorda, olha as árvores se dobrando, sabe que é contra e que terá um dia duríssimo pela frente. Não dá ânimo de sair, porque sabe que vai ser um dia de sacrifícios e de muita persistência se quiser seguir em frente.
É nestas horas que o cara tem que enxergar mais adiante, onde o sol brilha e não se pode ver..
Finalmente, às 15:25, chego no pontal de dona Maria. Comemoro muito a chegada até ali. Há um bando de biguás pousado com outro de gaivotas e que pintam de preto e branco o pontal amarelado e cheio de ondas. Tiro uma foto no pontal empunhando o facão, mereceu uma comemoração, como foi difícil chegar até aqui!

Dali eu posso ver a Ponta da Formiga, há uns 100 km, lá está a entrada para o Rio Guaíba, uns 60 km do centro de Porto Alegre.
É, estamos chegando!
Agora estou aproando para NW, mas está tarde para chegar em Arambaré, ainda tem uns 20 a 25 km .
- Soldados, preparar para combate!
- Mas senhor, estamos exaustos...
- Não quero saber, vamos até Arambaré!

Abro a vela, aponto na direção do nada, não dá para identificar a cidade, então tenho que seguir o mais afastado possível da costa para não ficar no contra vento quando a margem começar a fazer a curva e virar para SE de novo.
Então eu parto às 17:30 h com ondas não tão grandes mas que irritam ao invadir o cockpit. As ondulações crescem à medida que avanço e várias ondas de mais de um metro começam a quebrar, pois o vento está ficando cada vez mais forte e as coisas estão ficando complicadas. Quase virei duas vezes, não posso perder a concentração. As horas vão passando e não consigo me aproximar de uma chaminé que demarquei como alvo de proa.
Para complicar, estou quase no contra vento e fico muito próximo da costa.
Tenho que baixar a vela para remar assim, mas as ondas quase conseguiram virar o caiaque neste momento. Estou exausto, o sol já se pôs, escurece e não chego nunca na barra do arroio Velhaco, onde está o Clube Náutico de Arambaré.
Menos mal que a lua cheia ilumina legal.
Às 21 h entro no arroio, e encosto na rampa do clube.
O vento está tão forte que assobia nos cabos dos barcos e fios de luz. Ainda por cima esfriou.
Falo com o Sr. Orlando e depois com dona Daia que autoriza que eu acampe aqui.
Estou gelado e encharcado, antes de dormir vou ao centro comer algo e comprar comida, pois os estoques estavam baixos. Retorno às 23 h e acabo dormindo num quiosque com colchonete e abrigado do vento.
O cansaço e a estafa são tantos que não consigo quase dormir. Dureza, brody!
Além de tudo, cheguei aqui com o ombro estralando.
Ao lado do clube tem uma ponte de ferro onde só passa veículos em um sentido, depois é liberado para que passem no outro sentido.
O interessante é que a ponte se chama João Goulart e o arroio, Velhaco...
14-12-05 Quarta dia 176
Resolvo escrever e mandar notícias pela Internet, aqui não tem, tenho que tomar um busão, ir até Camaquã e voltar. O vento contra sopra forte, então não irei perder muito mesmo.
Tomo um delicioso chimarrão com dona Daia, Orlando e família e o Sr. Marlon. O Sr. Mário, que me recebeu em 2000, ainda é o comodoro, mas não está.

Pena que só tem ônibus às 13 h e retorna às 18 h. Terei pouco tempo e não dará para transcrever o diário.
Apenas tive tempo de caminhar um monte, achar uma lan house (ciber) e ler os e-mails dos amigos.
E-mails:

Hola André
Como se me hizo costumbre cada tanto trato de seguir tus pasos y miro el correo de Miguel.Gracias por responder Me alegro que este todo lindo despuès de 6 meses Tal vez vuelva a verte en otra ocasiòn y podamos tomar mate.Que sigas el camino que te trazaste para cumplir tu meta Las hazañas la concretan los idealistas y perseverantes. Cariños Diana

Tá tocando rápido!
Obrigado pelas fotos. Estão bárbaras.
Seguinte, eu e o Danilo queríamos saber se poderias dar uma previsão no dia da chegada (to sabendo do dia 20, mas vai dar?) para fazermos uma recepção para ti.
Eu tenho meu barco em Itapuã. A Tina (Christina Sileveiro, veleiro Forest, e tb Vice comodoro Administrativa do Clube Náutico Itapuã) me pediu para te dizer que o clube está à tua disposição na passada para Porto Alegre. Sei q deve ter um plano mais ou menos estabelecido mas q mudas conforme as necessidades. No entanto, Itapuã tem uma parada segura, boa e hospitaleira e fica estrategicamente conveniente para quem vem da Lagoa e vai para PoA, mais 25 milhas náuticas. É um fôlego de bom tamanho. Na outra vez tinha dito q parou no Morro da Formiga e tocou até a Ponta Grossa. Te convidamos para ir para o clube, na vila de Itapuã.
Não sei se ainda está usando o rádio VHF portátil q te emprestaram em Rosário, mas poderia ser uma boa para nos avisar pelo canal 16 e sabermos q está próximo. O Danilo e eu tínhamos pensado em uma recepção por água para ti em PoA com vários veleiros te acompanhando na chegada. Disse q o Veleiros do Sul vão te receber e guardar o caiaque quanto tempo precisar. Para a recepção precisamos saber de um dia e hora mais ou menos definido (sei q é complicadíssimo para ti... ) para podermos avisar o pessoal e desatracar e avisar alguns jornalistas. O Danilo acha q pode dar matéria para Fantástico... mas sabe q quem define isso não é a gente... Por outro lado, é a melhor forma de um navegador de te dar as boas vindas e o devido reconhecimento pelos feitos, coragem e determinação q tem demonstrado. Além do mais sua viagem é uma homenagem à vida, e navegar para o navegador é o melhor meio de se conectar à vida... Pensa nisso. Final de semana costuma ser mais movimentado por questões óbvias de semana atribulada de trabalho, mas tb estamos em final de ano e muita gente já está de férias e com folga. Assim q a data do dia 20. 3a f., não chega a ser um empecilho total.Tb esperamos (o momento apropriado é vc q decide, naturalmente) de uma palestra para os navegadores de tua viagem até este momento com alguma imagem q já nos mandou e outras q talvez possa incrementar. O Danilo, com o Popa e através tb do comodoro do Veleiros do Sul, Manfredo Floricke, tb já conseguiu o espaço no clube. Ia ser bem bacana e deve dar “casa cheia” para te assistir.
Não tenho a mínima idéia de como será teu trajeto e onde pretende parar antes de Itapuã (Arambaré?) e mesmo Porto Alegre para acessar a internet e mesmo telefone. Não sei tb como será a disponibilidade de comunicação durante o trajeto.
Toca em frente!
“Não tá morto quem peleia... mas de jeito nenhum!”
Boa navegada! Força nesses braços! Saúde.
Abraço. Asterix Rodrigo Beheregaray
Oi André,
Bem vindo ao torrão gaúcho.
Estou te escrevendo de São Paulo, mas retorno hoje para Porto Alegre.
Quando chegares me liga para conversarmos um pouco.
Abraços e sejas bem vindo, novamente a Republica dos Pampas, o nosso Pais.
Ricardo Verdi.

Não sei se vai ver... todos causo...a previsão é de uma frentezinha só pelo dia 17 ou 18, com um vento mais S-SE. Até lá, nordestão! Me parece q seria bom se vc folgasse ao menos até amanhã e relaxasse esse ombro q tá meio acatruzado da puxada até Arambaré...
Na 2af o pelotão farroupilha deve ganhar reforços! Tem trincheira amiga pelas bandas de Itapuã! Abraços e bons ventos e marolas!
Rodrigo Beheregaray

Tudo bem Brody ?
Estamos bem ansiosos pela tua chegada . Falei com a mãe ,agora , sobre os planos dos teus amigos para te recepcionar , e gostaríamos também de estar lá para te receber . Hoje dia 15-12-05 , pela minha observação , o vento deve estar favorável a ti, acho que é SUL . Me guio pela bandeira do coirmão nos eucaliptos ( enxergo do meu consultório ) . Boas remadas ,
nos avisa . Um abração . Paulo


eAe André!
Cara, tu deve tá chegando em Porto, e pelo que me lembro dos teus relatos nos diários tu sempre falava do vento. Me lembrei de uma frase do Érico Veríssimo, que vi hoje no Jornal do Almoço, "todas as coisas boas que me aconteceram foram em dias de muito vento". E como pra ti sempre teve vento.. conclusões são desnecessárias.
Boa chegada lutador, parabéns!!! Abraço!
Gustavo Callegari

Retorno para Arambaré, como um x-burguer na lanchonete de Gustavo e Jairo e dali sigo para o clube.
15-12-05 quinta-feira dia 177
Arrumei tudo, tomei café na padaria em frente, despedi-me dos amigos e parti às 10 h, rumo ao pontal de dona Helena, no rumo E-SE.
Adivinhem quem está contra?
As ondas irritam, pois a água vai enchendo o caiaque aos poucos, apesar da capa. Tem o vento me batendo nas orelhas, a praga da gota de água que sempre tem no mostrador do relógio(quando quero ver as horas) ou na bússola, o encosto que escorrega e a esponja batendo nas pernas ao boiar no “porão”.
Sei que aquela água aumenta o peso, diminui a velocidade e me cansa mais.
Ainda por cima, o bico do barco enterra nas ondas e isto “trava” o avanço.
Eu tento me controlar, mas não consigo. Os ataques de fúria se repetem e chego a ficar rouco de tanto berrar nomes quando uma onda diferente consegue me atingir de jeito.
O vento começa a aumentar de intensidade e o barco avança a berro.
- Soldados, tenham cuidado, o tenente está raivoso e “prometeu” aquele que se atravessar em seu caminho!
- Por que ele está tão bravo?
- Falei com o Dr. D. K. Bêssa.
- Ele disse que isto é TPN (Tensão Pré Natal)!
- E isto é grave?
- É temporário, os sintomas são stress físico, emocional e certo comportamento feminino...
- Comportamento feminino?
- Sim, aquela irritação desmedida, sem sentido. Se perguntares o porquê, nem mesmo o paciente sabe, parece que ficou louco...
- Nestas horas é melhor sair de perto...
- Então ele deve ter dores de cabeça, enxaquecas, nada de sexo...
- Não, isso tudo junto é exclusivo do cromossomo XX e aí não tem cura!
- É cíclico, como o herpes!
- Em parte, tem a ver com a dieta !
- Ele passou a vida comendo carne de frango, galetinhos. Principalmente peito e coxa.
- Sabe como são estas “rações”; de alguma forma, alguns hormônios passam para a corrente sangüínea.
- E qual é o tratamento?
- Uma cerveja gelada, futebol, conversar com os amigos e mulheres... Tudo junto ou separado, a cura é instantânea!
- Ele vai melhorar assim que restabelecer a dieta, agora tem que comer o que aparece pela frente e nem sempre é o melhor...
Bueno, irritado ou não, sigo em frente por 3:20 h até chegar próximo do pontal de Dona Helena, onde há um lindíssimo capão nativo com dunas altas, uma enorme figueira com o tronco formando um túnel, uma bóia encalhada na praia, pássaros e cigarras fazendo enorme algazarra.
Aqui tem uma bela área sombreada onde almoço, escrevo e descanso.
Fiquei muito tempo tentando localizar uma cigarra para filmá-la produzindo o som ao raspar as patas em seu abdômen. Encontrei uma, mas a preguiçosa não quis fazer o “show”.

O vento aumenta cada vez mais, a travessia para o pontal de Sto. Antonio será uma dureza, pois aqui é a parte onde a Lagoa fica cada vez mais larga, até chegar perto de 70 a 80 km. Com esse vento forte e contra, ondas grandes e aumentando, a briga será pior que peleia de foice no escuro.
Sei que serão mais 2 a 3 h de remadas duras e sem descanso contra o “mar” que se formou antes de conquistar o Pontal de Santo Antônio.
Tenho que me preparar psicologicamente para não entrar em “TPN” de novo.
- Soldados, calar baionetas!
- Os imperialistas estão desesperados, só nos falta dois pontais até o Rio Guaíba e ali ninguém irá nos deter.
- Quero que lembrem de todas as batalhas que tivemos que vencer para chegar até aqui.
- Quando estiverem por esmorecer, quero que lembrem que são do Rio Grande e que estão lutando por ele e por suas idéias de liberdade.
Este pedaço do Brasil foi conquistado a custa de muito sangue e sacrifício de nossos antepassados; cabe a vocês a honra de mantê-lo.

Lembrei da música de Elaine Geissler que diz mais ou menos assim em relação a Porto Alegre:
“Há muito tempo que ando, nas ruas de um Porto não muito Alegre e que, no entanto, me traz encantos e o por de sol me traduz em versos”.
... de seguir livre muitos caminhos, arando terras, provando vinhos, de ter idéias de liberdade, de ver o amor em toda a cidade...”“.
Adoro a música e a letra que não sei direito. Vou cantarolando por partes enquanto saio para a peleia contra as altas ondulações que atacam furiosamente e sem pedir licença.
Eu tento manter a calma mas o vento de rajadas aumentando e as ondas invadindo o caiaque enlouquecem o comandante que fica colérico, esquece de avançar e bate com o remo nas ondas mais altas, querendo devolver os golpes na mesma medida que recebe.
A coisa está tão difícil que sou obrigado a mudar o curso um pouco para não ir tão direto para o pontal de Santo Antonio, pois o Maktub sobe as ondulações enormes, fica com mais da metade do casco no ar e despenca na cava. Daí a outra vem por cima e “lava” a tripulação. O barco mergulha de bico e “trava”. Então eu sigo de forma que pegue as ondas um pouco de través e não trave tanto.
O pior é que se eu cansar ou algo acontecer e não puder remar, não chegarei em lugar nenhum, ficarei seguindo o rastro das espumas.
Neste misto de raiva e loucura encontro forças para avançar e chegar no pontal de Santo Antonio pouco mais de 2 h depois. São 18:30 h, há previsão de chuva para amanhã, é melhor encontrar local abrigado do lado de dentro da enseada de Tapes que acabei de cruzar. Por fora as ondas estarão enlouquecidas e há poucos locais abrigados, isto daqui há umas duas horas de remada difícil.
Penetro entre os juncos, encalhando em bancos de areia e espantando os pássaros dali, principalmente gaviões caramujeiros. Foi difícil, mas encontrei terra firme, um local utilizado por pescadores entre os juncos. Está cheio de restos de violas e traíras que eles deixam fora da água e agora deixa tudo com cheiro de bicho morto e moscas varejeiras. Porque estes cornos não jogam os restos n’água? Menos mal que o vento leva o cheiro na direção de Arambaré.
Armo a barraca sem muito abrigo no teto, mas bem protegida do forte vento que vem do outro lado do pontal. Escuto um rádio antes de dormir.
16-12-05 sexta-feira dia 178
Amanhece nublado, parto às 8:30 h, contorno o pontal de S Antonio e sigo para N-NE. O vento se resume a uma brisa fraca e contra (é claro).
A costa é constituída de dunas e plantações de pinus. Está tudo bem, mas somos atacados por centenas de mosquitos verdes e mariposas da mesma cor.
As pragas vêm pelos olhos, ouvidos e braços. Tento não perder a calma e sigo remando, mas eu não tenho pavio, explodi na mesma hora.
Paro de remar e as pragas viram suflê de mosquito verde. São milhares e como não tem vento e eles não têm o que fazer além de infernizar, são esmagados sem dó nem piedade.
Irritado ao extremo com estas pragas (o boné com véu está no compartimento de popa), sigo em frente por duas horas, até parar nas dunas, explorar o pontal que ali não tem mais do que 300 m de largura e caminhar um pouco.

Vejo a cidade de Tapes do outro lado e depois sigo por mais duas horas até chegar num local cheio de árvores tombadas, com as raízes à mostra. Há uma bem próxima da beira e que forma uma boa área sombreada para descansar e almoçar. Agora são 13:15 h, acabei de ouvir trovoadas, parece que vem aqui de trás, melhor esperar para ver o que acontece.
Deito um pouco num mato de pinus, mas encho o saco de esperar e resolvo seguir em frente. Aqui está cheio de tripas de peixe.
Milhares de mexilhões dourados apodrecem na margem

Por que os pescadores não colocam n’água? Além disto, há milhares de conchas de mexilhões dourados, uma praga asiática que veio aqui colada nos cascos de navios e que invadiu os rios e virou terror para quem faz a manutenção das represas, já estavam pelas bandas de Itaipu.
Elas causam um mau cheiro terrível, pois estão apodrecendo.
Acabei partindo só às 15 h, já com forte vento de través.
Prossigo por mais de 2 h até chegar no “pinheirinho”, o solitário eucalipto que me serviu de referência na travessia da Lagoa com o outro caiaque (da margem Leste para a Oeste – 70 km) em 2001 e onde quase “bati as botas”, por causa de violenta tempestade durante a madrugada, no meio da travessia de 24 h. Foi barra pesada, quase morri, mas ainda não era minha hora!
Esse foi o trajeto na travessia da Lagoa em 2001...



Aproximação do “Pinheirinho” Local onde dormi duas vezes anteriormente

Relembro das duas noites que passei ali e de outra, com o windsurf em 85. Em todas elas dormi sem barraca, protegido pelas árvores das dunas e que agora produzem uma fruta parecida com pêssego. Experimentei, mas segui a regra do CAL, do meu primo Carlos.
Frutos Cabeludos, Amargos ou Leitosos não devem ser ingeridos, podem ser venenosos. Este era azedo!
Choveu fraco, vejo a ponta da Formiga e mal consigo visualizar a Ilha do Barba Negra.
- Doutor o tenente Issi está com a visão bem pior do que quando iniciou a viagem.
- Isto é normal, foram dezenas de horas na frente do computador, além disto ser um mecanismo de defesa nos homens mais experientes...
- Mecanismo de defesa?
- Sim, enxergando menos, eles não percebem certas mudanças e continuam chamando as mulheres de “meu amor” ou “você continua linda”; assim preservam sua integridade física...
Sigo em frente com chuva fraca e muitas trovoadas, parece que a tempestade está passando ao largo. Depois ela parece vir na minha direção, melhor seguir em frente.

A tarde vai passando, cruzo com dois barcos de pesca fundeados lado a lado, depois com 4 emas que passeiam na margem e sigo na direção das cabanas de pescadores onde fiquei em 2000, no local chamado “Panelinha de Ouro”. Fica perto das enormes falésias ou dunas de areia gigantes que têm por volta de 20 a 30 m de altura.
Brother, o vento forte e frio, as inúmeras rochas submersas e o final de tarde não foram suficientes para convencer o comando de passar a noite ali (no acampamento dos pescadores).
Difícil de achar local para acampar, mas ali há um cheiro de podre no ar, lixo espalhado por tudo... Melhor dormir no mato com chuva e tudo, mas em um local com um astral melhor.
Já escurece, acho uma parte sem juncos, mas muitas praias são de rochas e fica difícil de achar local que me proteja da tempestade de raios e trovões que se aproxima.
Acabo me convencendo de que o melhor é “embutir” a barraca sob uma pequena arvorezinha antes que escureça mais ainda e antes que a tempestade inicie. O lugar é cheio de lixo plástico, mal cheiroso (milhares de mexilhões dourados mortos) e pouco abrigado.
As falésias estão logo atrás, a areia é bem grossa e há belas matas nativas nas dunas, pena que em terreno inclinado.
Finalmente vejo as nuvens que causam clarões intermitentes na noite que se inicia. É o exército de Thor que finalmente nos encontrou. As divisões “Panzer” dos imperialistas, o que eles têm de melhor para nos combater.
É o último recurso deles para defender o forte da Ponta da Formiga.
E a tribo de Touro Sentado?
Aqueles foram derrotados (em 2000) de uma maneira tão indiscutível que ele concordou em passar seus últimos dias em uma reserva e escrever um livro para contar como foram enganados.
Parece que morreu, seu coração foi enterrado na curva do rio...
Atenção, são 3 h da manhã! Desaba o maior temporal e estamos combatendo o exército de Thor que chegou com tudo. Até o cabo Esponja está na peleia e expulsa o inimigo que tenta invadir nosso acampamento. A arvorezinha está resistindo bravamente e faz uma primeira linha de defesa contra a artilharia inimiga. É muito forte, mas acho que vamos conseguir manter nossa posição.


17-12-05 Sábado dia 179
Cara, que temporal! Foi muito forte e a quantidade de raios aliada à força do vento não me deixaram dormir.
Após este violento bombardeio o inimigo tremeu de medo ao perceber que as forças farroupilhas se erguiam de suas trincheiras e começavam a se organizar para o combate.
- Senhor, vamos bater em retirada, esses caras não podem ser normais!
- Atacamos de todas as formas e eles continuam avançando...


Coloco o que restou de minha camiseta na coberta de proa.
Temos que tomar a Ponta da Formiga com a bandeira do Rio Grande hasteada, que o inimigo saiba por que está morrendo!
Agora são 09h19min, tudo que molhou já secou no sol que brilha forte. Está levantando um vento que me surpreende: é favorável.
O pelotão farroupilha já está preparado para mais uma peleia!
As ondas estão pequenas, o vento parece ser um SW, melhor impossível. Seguimos direto para a ponta, observando uma pequena ilhota de grandes rochas por bombordo e a ilha do Barba Negra por boreste, quase de frente para o morro da Formiga.
Trajeto de ida e volta no Rio Guaíba

Chegando na Ponta da Formiga Farol de Itapuã como alvo de proa


Levei 2 h para chegar no morro, o caminho mais curto seria seguir para a ponta Escura e dali para a ilha do Chico Manoel, do Veleiros do Sul.
As ondas já estão muito grandes, ali termina a Lagoa dos Patos e inicia o rio Guaíba.
- Senhor, conquistamos a Ponta da Formiga, o último baluarte da Lagoa dos Patos!
- Anote isto no diário de bordo. O campo de batalha está cheio de mortos e feridos.
- Que sirvam nossas façanhas de modelo à toda Terra!
Como desejo conhecer o Rodrigo, do veleiro Asterix, que está fundeado em Itapuã, rumo para o outro lado, quero tirar umas fotos do farol de Itapuã, onde passei na viagem de Wind, em 83.
Passo pela praia da Sepultura, vejo a cruz entre as pedras e inicio a travessia, sem escalas
.
Não consigo ver o farol e marco como alvo de proa a praia de Fora.
Finalmente vejo o farol e resolvo filmar, mesmo com ondas muito grandes e quebrando. O vento já está de rajadas, ondulações com mais de 1 metro. Vejo a praia do Tigre, onde fui jogado (de windsurf) contra as rochas e salvo por um “maluco” que me viu de binóculo.
Resultado: as ondas me pegaram de jeito, encheram o cockpit e quase virei com filmadora e tudo. Mesmo assim filmei o farol, as altas ondas e as estranhas correntes que se formam ali pelo vento doido que sopra ao bater nos morros e formar ondas grandes e em todas as direções. Consigo passar do farol e me abrigar no pontal logo depois dele.
Esgoto o caiaque e encontro um local de desembarque entre as pedras. Ali é bem abrigado e há uma entradinha entre as pedras. Sou recebido por Paulo Zabbo, o faroleiro, depois de 3:20 h navegadas desde o acampamento.


Paulo é simpaticíssimo e super legal. Ele mostra as instalações e o farol; conta que trabalha aqui há 4 anos e que o farol está sob responsabilidade do Estado.
Fico ali por cerca de 1 h e sigo direto para a última ponta que posso ver, logo depois da praia da Pedreira. Ao fundo vejo a praia do Araçá e a praia do Sítio.
O parque de Itapuã é lindíssimo e foi com alegria que soube que todas as casas de invasão na praia de Fora foram removidas. Há lanchas que desafiam o forte vento e as ondas para pescar.
Há bancos de areia onde as ondas quebram muito. Bóias demarcam o canal que passa entre a I do Junco e o continente. Passo por praias lindíssimas e chego junto a um trapiche, já na praia das Pombas. Há pessoas tomando banho de rio ao lado do trapiche e dois caras fardados que me acompanham enquanto sigo pela praia.
Não gosto de “otoridade” e já estou pronto para armar confusão se eles tentarem me impedir de chegar na praia. Mas não, os caras são super legais e ficam surpresos quando falo de onde venho.Anderson e Alexandre se oferecem para me levar de moto a um telefone público, mas no final Alexandre me empresta seu celular para falar com Rodrigo, que fica surpreso, eu estava sendo esperado só para o dia 20, mas cheguei 3 dias antes.
Com este vento, teria chegado hoje mesmo em Porto, mas queria conhecer meu amigo invisível que tanto me apoiou através de e-mails.
Acontece que ele não está na vila de Itapuã e se tivesse seguido até lá, teria ficado no contra vento deste forte vento SW.
Chega o administrador e dali toco direto para a ilha do Chico Manoel. A vela ajuda muito, mesmo com vento de través.
Em duas horas passei pela ponta do Cego, ponta do Coco e cheguei na ilha do Chico Manoel às 17 h.
Estou com muita fome, não comi nada o dia inteiro e remei por cerca de 7 h. Melhor chegar amanhã, de dia, pois da outra vez cheguei de noite e meu irmão e os sobrinhos não viram nada.
Fico ali no trapiche comendo pães até que chega o Varli, o responsável pela ilha. Ele estava aqui quando passei em 2000, aliás, passei aqui nas viagens de 83; 84; 85, 2000 e agora.

Logo depois encosta o veleiro Marinaio (marinheiro, em italiano) com João Porciúncula, Vera e seu sobrinho, Willian.
Eles são super legais, tomamos chimarrão enquanto uma enorme caranguejeira (araña) circula a nosso redor. Eles são de Novo Hamburgo, minha terra natal .
Aqui há uma pequena praia, dois trapiches e instalações para churrasco, hospedagem e banheiros. Belíssimas figueiras debruçam seus galhos repletos de barbas-de-pau e parasitas sobre as águas. Sabiás da praia, de peito branco, saltitam ao lado de joões-de-barro e beija-flores. Todos os bichos são respeitados,inclusive as caranguejeiras.

Danilo Chagas, do www.popa.com.br liga para Varli para saber a que horas chego amanhã.
Não consigo avisar ninguém, meu celular está cheio de créditos mas “bloqueado para originar chamadas”.
Em Arambaré tentei resolver o problema em um telefone público.
Havia impresso um nº para solicitações.
- Ligo para o tal número:
- O nº para solicitações mudou, ligue para XXX...
- Ligo para XXX
- Se sua solicitação é para telefone fixo, ligue para xxxxpxp, se for para celular, ligue para XXX PQP
- Ligo para XXX PQP
- Digite o código da cidade e o n° do celular
- Digito...
Aí a fdp da gravação volta ao ponto inicial
- Ligue para XXX...
- Cacete, eu já fiz isto, seu desgraçado!
Repito tudo de novo, de novo e de novo, GRRRRRRRRRRRRRR!
O ataque de loucura é por conta do cliente, mas se quiser matar alguém da empresa, ligue para XXXXXXXXX
Quando percebo, o telefone público está sendo “estrangulado”, mordido e quase é arremessado para a “casa do chapéu”.
Se fizer isto, posso ser preso, quando isto deveria acontecer para quem oferece um serviço de atendimento de m... e irritante, associado ao fato de um órgão de fiscalização incompetente e inoperante, que não mudou ou impôs outra forma de atendimento aos “otários e palhaços” que somos nós, os consumidores, mesmo depois de milhões de reclamações e ações.
Tenho um telefone da TIM, que nunca deu sinal quando precisei; está cheio de créditos e quando tem sinal não posso originar chamadas, SHOW! Atendimento nota 10!
O VHF (que os hermanos de Rosário emprestaram) não sei usar!
Coloco a barraca ao lado do trapiche e do caiaque e vou dormir cedo, estou muito cansado e declino do convite de Vera e João para conversar. Também não quero importuná-los.
18-12-05 Domingo dia 180
SEIS MESES DE VIAGEM
Despertei às 3 h, não consigo dormir mais, então acendo a vela e fico escrevendo o diário.
Agora são 3:53 h, já estou em Porto Alegre e não consigo avisar a família que chego daqui a pouco no Veleiros do Sul... SACO!
Andei 6 h e cerca de 60 km, tivesse vento favorável assim como hoje, teria feito de R Grande aqui em menos de 5 dias..
Bueno, agora são 4h14min escrevi bastante, vou apagar a vela e tentar dormir um pouco.
Acho que terei que encerrar a viagem por aqui, pois recebi um e-mail e terei de resolver problemas na pousada. Surgiram há poucos dias e se não puder resolver por telefone, terei que repetir o que o confeiteiro disse para os colorados:
- O sonho acabou! He,he
Aliás, sabem qual é o café da manhã “deles”?
- Meia taça e um sonho (quase foram campeões brasileiros e sonham em ser campeões do mundo, como um tal de Grêmio)...
Tomo um chimarrão com João e Vera. Eles são muito legais e João consegue sinal no seu celular e pude avisar meu irmão Paulo, fiquei muito feliz!
João entende de tudo um pouco, parece que pilota aviões, entende de fundição e peças de marinharia, além de eletrônicos; parece uma enciclopédia ambulante! Muito obrigado, amigos!
Varli chega e diz que estão ligando do clube para saber quando chego lá, nem sei onde é direito a sede do Veleiros do Sul, melhor partir.
Parto às 9:10 h e resolvo remar sem poupar a tripulação, temos que tomar Porto Alegre sem deixar o inimigo tomar fôlego.
Toco direto para a ponta do Arado e dali aponto para a Ponta Grossa, vejo Belém Novo ao fundo e alguns veleiros.

Ponta do Arado Ponta Grossa

Estou remando forte e o Maktub rasga a superfície em dois, começa um ventinho favorável e dois barcos que cruzaram a Ponta Grossa seguem para o interior da enseada e depois mudam o curso... Parecem vir na minha direção.
Um deles é um veleiro.

Como cheguei três dias antes do combinado, vou perder a recepção que o Danilo estava preparando e que o Rodrigo havia anunciado. Não importa, o mais importante é que estou encerrando esta parte e encontrarei meus amigos “invisíveis”, fora o fato de que vou rever minha família justo no dia que faz seis meses.
Planejo comigo mesmo para não bancar o “maricon” na chegada, isto não condiz com o personagem do Tenente Issi!
Cara, aqueles dois barcos estão se aproximando... Continuo remando forte e paro mais adiante, acho que estou ouvindo uma buzina.
Pego a filmadora e aponto para eles, quase deu um nó na garganta, mas uma voz de comando me faz recuperar a compostura:
- Nada de Mariconadas!
É o veleiro Canibal, de Andréas Bernauer. Ali está o Danilo Chagas Ribeiro e o delegado da capitania dos portos de Porto Alegre, comandante Nelson.

Remo até eles, cumprimento os tripulantes, é uma emoção conhecer pessoalmente quem tanto me ajudou e que foi um dos primeiros a saber o que eu tencionava fazer:
Sigo para o outro barco, é a lancha da comissão de regatas do Veleiros, Comodoro Cativelli. Ali está Rodrigo Beheregaray, sua noiva Márcia, Edir e o fotógrafo de Zero Hora, Júlio Cordeiro.

Essa eu não esperava, achei que eles só poderiam me receber na terça-feira e como cheguei antes, apenas pediria para deixar o caiaque no clube até eu decidir o que fazer.
Fico rindo sozinho, não acredito que finalmente os conheci e que estou chegando... Ficamos conversando ao largo por meia hora e depois sigo remando com meus amigos me ladeando.
Ainda estou muito longe e Danilo disse que organizaram um almoço no clube, melhor não chegar atrasado para a festa.
Baixo os chifres e remo com força. Passa outro veleiro bem próximo, é o Panos Quentes de Jorge que dá as boas vindas a Porto Alegre.
Passam muitos veleiros e lanchas (para o sul) enquanto me dirijo para a Ponta Grossa.
Dali, vejo Ipanema e Assunção ao fundo, mas eu sigo reto para a última ponta que vejo para NE. Parece que é depois dela que chegarei no Veleiros, mas é muito longe.
- Vamos lá senhores, força nos remos quero que causem uma boa impressão a esta flotilha amiga que tão bem nos recebeu.
O caiaque levanta a proa e avança resoluto. Vejo a ilha do Presídio e as casas mais para dentro. Depois passo pela sede do Jangadeiros e a lancha do Veleiros fica me esperando próximo do último pontal. O Veleiro Canibal ficou para trás, pois seguiu mais para o meio.
Fico ali conversando até que o veleiro se aproxima. Passo do último pontal e remo com força. Estou que nem cavalo velho retornando para casa. Remando num ritmo alucinante e sem parar.
Digo para Márcia que no embalo da chegada nem sinto mais nada.
Ao dobrar o pontal, fico sem vento favorável e já estou diminuindo o ritmo quando o Danilo chega do lado e começa a gritar, me incentivando!
Aquilo deu uma injeção de ânimo no pelotão e reunimos todas as forças até chegar no farol azul do Veleiros.
Contorno os molhes e me aproximo devagar para onde eles indicam.
De repente, estouraram foguetes, (soube depois que foram três baterias de quase 1500 foguetes) o barco do clube aciona a buzina e os alto-falantes do clube anunciam minha chegada...
Todos sabem que Gaúcho não chora, sente saudades do Rio Grande!
Ali os meus planos de chegar sem “mariconadas” foram por água abaixo e o sistema de irrigação dos olhos transbordou, menos mal que estava de óculos escuros.
O cara fica “fora do ar” eu nunca tive uma recepção deste tipo e menos ainda de pessoas que eu nem conhecia.


Consigo me virar na direção de Danilo e de Rodrigo e agradecer, com a voz embargada:
- Muito obrigado!
- Tu mereces, diz Danilo!
Sigo para a rampa, o pessoal vêm ajudar a desembarcar, muitas pessoas dão os parabéns. Danilo vai me apresentando:
- Este é o comodoro, Sr. Manfred Flöricke.
Ele é um senhor alto e forte, me presenteia com uma linda camiseta e um boné do clube.
Depois conheço seu filho, Manfredo, presidente da Federação de Vela e Motor do Rio Grande do Sul, que me presenteia com o boné vermelho da FEVERS.
Não sei se são meus olhos marejados, se é a fumaça dos foguetes, mas acho que cheguei no paraíso, e uma deusa vem deslizando pela superfície deste mundo terreno. Acho que vai me avisar que morri, assim como faziam as Valquyrias aos guerreiros vikings.
Danilo me retira do “delírio” e apresenta Anelise Zanoni, repórter de Zero Hora.
Melhor tomar um banho antes.
Chega meu irmão, Paulo e as “crias”, Luigi, Eduardo, Gabriela e Laura. Mais tarde vejo Sandra, sua esposa e a mãe, no alto de seus 80 anos. Parece tão frágil que tenho medo de abraçar com muita força.
Festa completa, acho que estou enchendo o saco de Danilo, Rodrigo e do Sr. Manfred de tanto agradecer, mas o que eles fizeram por mim, essa recepção toda... Eu nunca me senti tão respeitado pelas coisas e viagens que fiz e isto me parece uma recompensa pelo “conjunto da obra”.
Milhões de vezes, muito obrigado! Esse dia ultra-especial irei levar comigo para o campo de batalha, esteja onde estiver! Nunca mais vou me esquecer!
Obrigado Danilo, obrigado Rodrigo, vocês foram os mentores disto tudo e não tenho palavras para agradecer.
Dois dias depois foi organizada uma palestra no VDS onde estavam presentes diversos amigos e simpatizantes da “causa” farroupilha. Foi mais um bate papo do que uma palestra e foi gratificante dividir emoções e experiências em local tão aconchegante.

Danilo publicou a chegada nas páginas do site www.popa.com.br, em Novidades.
Fotos, vídeos e palavras elogiosas que me deixaram muito gratificado. Incluiu ali a matéria da Anelise que ficou linda, combina com ela, he,he!
Fui entrevistado na rádio Guaíba, um flash, no programa do Flávio Alcaraz Gomes. Depois fui velejar com Rodrigo no Asterix e conheci o pessoal do Clube Náutico Itapuã, na vila de mesmo nome.
Ali eles estão desenvolvendo projetos junto às crianças e jovens de baixa renda, apoiados por Ongs e pelo MEC. Tive o prazer de dirigir umas palavras aos alunos de Tina. Confraternizamos com churrascos e foi muito especial. Adorei o pessoal de Itapuã e gostaria da passar ali na volta para Floripa.
Já está resolvido o problema na pousada e o pelotão tem que refazer o caminho de Garibaldi, retomando Laguna e anexando Florianópolis, que está em poder dos Amins e dos Borhausen, acho que são Imperialistas! He, he!
Bueno, levei seis dias para terminar de transcrever o diário desde a última vez, mas como eu tinha tempo estendi um pouco.
Agora vou responder aos e-mails, desculpem não ter feito isto antes, mas a festa rolou e só agora consegui terminar.
Aproveito e desejo um Feliz Natal a todos e desejo que as festas de Ano Novo sejam tão felizes como foi a torcida do Grêmio neste ano, he, he!
Um baita abraço do amigo
André Issi.

Essa é a página do Popa referente à chegada em Porto Alegre:
Navegando de Brasília a Porto Alegre
No braço e na coragem
Danilo Chagas Ribeiro
19 Dez 2005Depois de navegar quase 6.000km, desde o Rio São Bartolomeu, em Brasília, durante 6 meses, o navegador André Issi chegou a Porto Alegre às 13h deste Domingo na companhia de velejadores que foram recepcioná-lo.Sempre que comentei com amigos navegadores sobre a viagem do André, observei muita curiosidade e ceticismo. Era mesmo difícil de acreditar que a missão pudesse ser cumprida, tamanha a envergadura e as frágeis condições em que foi realizada. Isso realçou ainda mais o feito do navegador gaúcho. Navegando pelos países do MercosulO remador aventureiro passou por muitas dificuldades na viagem. Sucuris enormes rondaram seu caiaque. Jacarés em volta era comum em alguns trechos. Enfrentou corredeiras, frio, calor, ventos fortes, correnteza, e até burocracia. André navegou também em águas do Paraguai, da Argentina e do Uruguai. É uma pessoa simples e tem facilidade para fazer amizades. Dormiu em barraca na maior parte do trecho, na barranca dos rios. Perdeu 8kg na viagem. A comida que mais utilizou foi massa pré-cozida, à qual refere-se como 'kinojo'.Dos quase 6.000km, apenas 650 não foram navegados. Neste trecho, André rebocou o caiaque de bicicleta, de Carmelo ao Arroio São Miguel, pelo Uruguai. Remando a 6 nós A grandeza do feito contrasta com a humildade de André Issi. André navegou no braço. Sem patrocínio, veio na cara e na coragem. Enfrentou cobras e lagartos, literalmente. Além do espírito aventureiro demonstrou ser um grande cruzeirista de longo curso. Quando perguntei a André a quantos nós costumava navegar, respondeu: "Eu sou bugre. Em nós eu não sei, mas dá uns 2,5km/h". Na chegada, mantendo o veleiro Canibal navegando ao lado do caiaque, li 6 nós pelo GPS, ou seja, quase 12km/h. Quando informei isso, André comentou: "É... Mas isso é que nem cavalo voltando pra casa". Prestígio O delegado da Capitania dos Portos em Porto Alegre, Comandante Nelson (foto ao lado), prestigiou o feito do navegador que já serviu na Marinha como dentista, indo ao seu encontro a bordo do veleiro Canibal, do Comandante Andreas Bernauer (VDS). Encontramos André nas proximidades da Ponta do Arado, onde o cumprimentamos. Navegava junto conosco uma embarcação do Veleiros do Sul, conduzindo fotógrafo da imprensa e amigos do navegador gaúcho. Com a pele muito queimada pelo sol e cansado, André não escondia a felicidade ao concluir sua missão de exatos 6 meses. Clima de festaQuando André contornou o farolete do Veleiros do Sul, teve uma surpresa: 3 baterias de 1.440 foguetes foram detonadas sob um estrondoso buzinaço do barco da comissão de regatas dentro dos molhes. Os alto-falantes do clube informavam a chegada do navegador. O comodoro Manfred Flöricke, que comandou a recepção, foi até a rampa dar as boas-vindas a André Issi, ofereceu-lhe presentes com a logotipia do clube e convidou-o para almoçar. Espírito cruzeirista Uma jornalista do jornal Zero Hora entrevistou o navegador longamente. A mãe de André, Dona Irene, estava muito contente com a chegada do filho. Jorge Bertschinger, ex-comodoro do Veleiros do Sul, enalteceu o feito de André. Manfredo Flöricke, presidente da FEVERS, veio também cumprimentar André e presenteou-o com um boné da Federação de Vela. O caiaque ficará sob a guarda do Veleiros. As crianças alunas da Equipe de Vela do Veleiros do Sul assistirão a palestra de André, enaltecendo-se o espírito cruzeirista. O evento, aberto também a não associados do Veleiros, ocorrerá nesta terça-feira (20/12) às 20h, no ambiente Vento Sul (Veleiros do Sul). Entrada franca. Parabéns ao navegador André Issi pelo memorável cruzeiro. Sua façanha ficará para a história da navegação de cruzeiros de longo curso do Rio Grande do Sul, do Brasil e da América Latina. Parabéns também ao Comodoro Manfred Flöricke (foto acima) pela bonita recepção a André, que nem havia ainda estado no clube. A estrondosa acolhida a um navegador não associado ao Veleiros do Sul demonstra o quanto a navegação de cruzeiro significa para o clube. Acima de tudo, prestigiamos o espírito cruzeirista.

Veja o vídeo com cenas da viagem e da recepção a André Issi no Veleiros do Sul (arq WMV, 3min, 6MB, zipado, 256kbps - clique no link acima com a tecla direita do mouse e opte por Salvar Destino Como...) clique 2 x sobre as letras ao lado


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Artigo publicado hoje, 19/12/05, pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre (texto e gráfico) ViagemAventura pelos rios do Mercosul Dentista gaúcho fez roteiro pela América do Sul utilizando um caiaque ANELISE ZANONI Mãos calejadas, pele avermelhada, rosto escamado pelo excesso de exposição solar e 12 quilos a menos. O dentista gaúcho André dos Santos Issi carrega no corpo as marcas de uma aventura de seis meses a bordo de um caiaque pelos rios do Mercosul. A maratona em que o objetivo era unicamente explorar a natureza terminou ontem, com um banho de chuveiro, chope gelado e um almoço no clube Veleiros do Sul, às margens do Guaíba. Ele percorreu 5,1 mil quilômetros sentado sobre a pequena embarcação de 5,2 metros de comprimento, além de 650 quilômetros de bicicleta. Sem pensar nos caminhos a serem percorridos, André Issi colocou na bagagem - acomodada dentro do caiaque Maktub - 40 metros de corda, barraca, bússola, sete facas, remos de reserva, fogareiro, duas bermudas, duas camisetas, um abrigo para dormir, um par de chinelos, macarrão, granola, salame e chocolates e começou a aventura em 18 de junho pelo Distrito Federal, nas águas do Rio São Bartolomeu. Em cada braço, o dentista levava uma faca, para se proteger do temido ataque das sucuris. - O grande medo eram as cobras e as corredeiras. Cheguei próximo da morte na primeira semana - lembra o dentista. Flutuando sobre as águas durante oito horas por dia, Issi desembarcava em terra firme, abria clareiras com uma faca e instalava a barraca. O primeiro obstáculo foi encontrado no início da aventura. Sobre as corredeiras do São Bartolomeu, seu caiaque virou e rachou. Com o impacto, Issi bateu o queixo e teve paralisia nos braços, o que o impediu de navegar por dias. Sem pensar em desistir, o dentista seguiu até a cidade Argentina de Corrientes, onde contratou um transporte para levá-lo até Assunção, no Paraguai. Desceu até Buenos Aires, no Rio da Prata, e seguiu a Carmelo, no Uruguai, onde questões burocráticas o impediram de navegar. - Fui obrigado a comprar uma bicicleta e montar um reboque para carregar o caiaque. Pedalei 650 quilômetros até o Chui - afirma. ( anelise.zanoni@zerohora.com.br )Saiba mais Confira o diário de bordo do aventureiro no site www.popa.com.br O Percurso

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Alguns diários de André IssiDescida do Rio ParanáGuaíra a Foz do Iguaçu De Foz do Iguaçu a Puerto Rico, Arg Pelo Uruguai, rebocando o caiaque Do Chuí a Pelotas

20 Dez 2005André IssiDanilo,Eu não tenho como te agradecer pela homenagem e pela paciência que tivestes com um cara que nem sabia dizer o que estava fazendo. São coisas muito maiores do que sequer eu podia imaginar e te peço que aceites o meu humilde "muito obrigado" e que considero a ti e ao Rodrigo como amigos. Vocês foram parte muito importante de toda essa loucura e quando eu me senti mais sozinho que nunca, vocês foram a força moral e amiga que não me deixou fazer besteira. Falo do rolo em Carmelo, tu bem sabes!E uma das coisas mais bonitas foi ter conhecido vocês, justamente na chegada em Porto Alegre, para dividir as emoções da realização de um objetivo.Aquela recepção pôs por água os meus planos de chegar sem "mariconadas", e algumas lágrimas rolaram pela pele ressecada do comandante do "pelotão farroupilha". Temos que retomar Laguna e anexar Floripa, por isto a batalha continua. Aconteça o que acontecer, levarei este dia especial comigo, para o campo de batalha.Obrigado, meu amigo!André Issi20 Dez 2005Carlos Guilherme Grinas (CDJ) Parabéns Tenente Issi, não só pela aventura em si, mas também pelo talento literário e bom humor do diário de bordo que o popa transcreveu. Os diálogos com o "pelotão" estão demais. Originalíssima a descrição da reclamação dos irmãos Glúteos, doloridos pelo esforço, imediatamente rechaçada pelo "comando", tachando-os de "bundas-moles". O feito merece livro.Carlos Guilherme Grinas (CDJ) 20 Dez 2005Lucho Gamin - Ekipo Expedición, Tierra del Fuego Te seguimos en toda la travesía fue simplemente espectacular! Gracias por dejarme remar con vos.....Felicidades André!!Lucho Gamin - Ekipo ExpediciónRío Grande - Tierra del Fuego - Patagonia - Argentina22 Dez 2005Henri - Rio Grande, RSAgradeço a todos do popa.com.br pela recepção dada ao André na chegada ao VDS.Foi merecido,é uma pessoa como existem poucas ainda com esse espírito aventureiro,realizando grandes feitos mas sempre simples e humilde,sem contar vantagens disso.Tive a grande sorte de conhecê-lo primeiro através do popa e depois pessoalmente,quando passou por Rio Grande onde impressionou a todos que souberam da suas viagens. Esperamos que tenha sempre sucesso nessa e nas próximas aventuras que estaremos acompanhando e torcendo pelo "Pelotão Farroupilha".André e todo o pessoal do popa ,valeu!!!!Henri do "Talha-Mar", R.G.Y.C.
E-mails:
Queridos amigos, cheguei ontem em Porto Alegre, exatamente no dia que completou seis meses e fui recebido pelos familiares e pelos amigos Danilo e Rodrigo a quem ainda não conhecia. Eu não tenho como agradecer a recepção que fizeram para mim no Veleiros do Sul, meus planos de chegar sem “mariconadas” se foram por água abaixo. O Danilo colocou na página do www.popa.com.br (clicar em Novidades) a chegada.
Foi muito mais do que aparece, o carinho de todos do clube e o respeito com que fui recebido me emocionaram demais.
Isso eu levo comigo para o campo de batalha, pois ainda não terminou, eu tenho que enfrentar meus medos e tentar concluir o que comecei, pois do contrário não dormirei em paz . Desculpem não ter respondido os e-mails, pois ontem fiquei no computador até as 4 h da manhã e ainda não terminei o diário.
O Danilo fez uma lindíssima página, com fotos e filmes relatando a chegada e que mostra a matéria que saiu no jornal.
Depois eu termino de escrever e respondo aos e-mails de todos.
Mais uma vez eu quero agradecer a vocês todo o apoio que me deram, sem ele, não teria realizado esta parte da viagem. A peleia continua e o pelotão terá que se adaptar ao novo campo de batalha ou tentar até o fim.
Muito obrigado, meus amigos,


Oi,André,dessa vez ficamos sabendo da tua chegada antes da
mensagem,sin mariconadas heim!!!Que recepção.Mas acho que valeu,tem que
reconhecer tudo o que passaste para chegar até aí. Acompanhamos o tempo todo o trabalho que deves ter tido com o nordestão da semana passada,tem que ter muita vontade para enfrentar coisas assim. Demos uma olhada no Google Earth e vimos que vais passar por lugares muito bonitos nas lagoas daí até Torres,mas por enquanto,curte a família e os amigos,descansando para os próximos ataques do “Pelotão Farroupilha”.
Muitos abraços,um ótimo Natal e um 2006 cheio de realizações,tudo
de bom ,são os votos de Maíra,Julieta e Henri

Olá André, seja bem vindo.
Aproveitamos para desejar um Feliz Natal e que 2006
traga muita paz, saúde e aventuras.
Nelson e Dircinha Picollo

Conclusão, vaso ruim não quebra, pode ficar tranqüilo que nada vai te acontecer, tua morte vai ser eletrocutado no liquidificador. hahahaha, boa sorte tranqueira. Robson.

OI ANDRÉ, TUDO BEM? QUERIA TE DAR OS PARABÉNS PELO FEITO, REALMENTE UMA CONQUISTA DIGNA DA RECEPÇÃO QUE TIVESTES AÍ EM PORTO. CHEGUEI A FICAR EMOCIONADO LENDO A PÁGINA DO POPA QUE CONTA TUA VIAGEM. GOSTARIA DE ESTAR AÍ PARA TE FELICITAR PESSOALMENTE. E AGORA?QUAIS SÃO OS PLANOS? QUANDO VENS PARA FLORIPA? OU AGORA QUE VIRASTES CELEBRIDADE NÃO PENSAS MAIS
EM VOLTAR? UM GRANDE ABRAÇO,
JÚLIO VERDI

Prezado Tenente Issi e valoroso Pelotão Farroupilha. Nós não tivemos o prazer de nos conhecer, quando da sua passagem pelo Clube Náutico Gaúcho, o clube do Márcio, Adão e Dona Celoir, mas fico contente de ter recebido o seu e-mail, que repassarei imediatamente ao Adão e amigos que aqui deixaste. Ficamos orgulhosos pela travessia bem sucedida, primeiro por mostrar a força gaúcha e segundo como não podia deixar de ser, o remo é o remo. Estaremos atravessando Pelotas a Rio Grande a remo em janeiro ou fevereiro e com certeza nos lembraremos das tuas façanhas. Por favor, em outra passagem “apeie” por aqui e venha remar conosco. Um grande abraço e parabéns do CLUBE NÁUTICO GAÚCHO
Roberto Lamas Jr. Presidente

Hey amigooooo
Me da mucha alegria que hayas llegado bien y para las fiestas.
Me pone contento que te encuentres con tus familiares despues de tanto tiempo.
Sabes que aca siempre nos acordamos de vos y nos preguntamos por donde andaras, bueno ya sabemos por donde andas.
Muy buenas fotos y muy linda la pagina:Felicitaciones. Nos estamos viendo pronto un abrazo Ariel

Dai irmãozinho, seja bem vindo à civilização novamente....acabei de ver as fotos de sua chegada, tais que é um trapo velho meu irmão, ainda bem que você chegou na véspera de natal e final de ano, assim não vai faltar comida e bebidas para voltares ao teu peso normal e dar um trato no visual....Parabéns meu amigo, estamos orgulhosos da tua pessoa e a tua coragem em tudo o que passou até aqui, vai em frente que a força sempre será positiva... nos falamos na Guarda, e pode deixar que não esqueci das GELADAS que vamos tomar.. Um grande abraço e Feliz Natal e um ótimo Ano Novo.
Jorge, Fernanda e Samuel.
FELICITACIONES ANDRE POR TU EXISTOSO RAID SOS UN GENIO !!!!!!!!!!
UN ABRAZO DE Juan Armando Degani EL DIARIO PARANA ENTRE RIOS
ARGENTINA

Hola André!!!!
Felices fiestas y que tengas un muy buen año con proyectos de nuevas aventuras
Espero nos encontremos muchas veces más para compartir un rato juntos
Un abrazo grande de Laura,Roberto, Agustín, Toba, Francisco, Diego y Daniel



Dae André, seu maluco!!!
Parabéns pela conquista. Me lembro de você começando a planejar a viagem, a bolar as idéias e agora esta ai com a missão quase cumprida. Agora quem te espera e a gente aqui em Floripa.
Feliz natal e muito sucesso e alegria em sua vida e parabéns por tudo. Você merece e muito mais. Um abração do seu brodinho e espero um dia ter a oportunidade de aprontar uma dessas com vc. Valeu!Mario
eAe André!
Cara, tu deve tá chegando em Porto, e pelo que me lembro dos teus relatos nos diários tu sempre falava do vento. Me lembrei de uma frase do Érico Veríssimo, que vi hoje no Jornal do Almoço, “todas as coisas boas que me aconteceram foram em dias de muito vento”. E como pra ti sempre teve vento.. conclusões são desnecessárias.
Boa chegada lutador, parabéns!!!
Abraço!
Gustavo Callegari

Querido André!!!!, deseo que en estás navidades tengas toda la paz posible y un año 2006 lleno de esperanzas y alegrias.
Te mando un fuerte abrazo de hermano del agua!!!! Luis Nota: poné la dirección del grupo navegandoporelmundo@gruposyahoo.com en la lista para poder recibir directamente en el grupo tus relatos y experiencias. Saludos Luis

Gracias Luis, envié para el grupo, pero no puedo mandar siempre, pués hay personas del grupo que pertenencem a la prefectura uruguaya y que talvez no les guste lo que hablé de ellos, ya, ya! Mas una vez muchas gracias por el apoyo, principalmente por Carmelo.
Allá yo estaba muy mal y el apoyo de ustedes me impedió de hacer cosas malas como explotar la prefectura de ellos por ejemplo.
Un fuerte abrazo!

André, la semana pasada estuve en Montevideo y en Punta del Este corriendo una regata y estuve con amigos de la Armada que están en eNpeM y estuvimos hablando de tu caso, por supuesto que no son ellos quienes te han negado el permiso a navegar sus aguas, pero por “espiritú de cuerpo” no han podido hacer nada........me cago en ese espiritú “militar”, escribí lo que te venga en ganas, siempre que sea dentro de la náutica, no tenemos problemas de leer lo que le sucede a otros amigos, “mañana nos puede pasar a nosotros”.
Nunca moderamos los mensajes, cuando alguien manda algún mensajes polemico, habrá otro que no piense igual, bueno, deberá contestarle con educación desde su punto de vista .........y listo. André, un abrazo y hasta cualquier momento!!!
Saludos/Luis

Issi, ainda não recebi a msg no karairyapu@gmail.com mas acessei o site do popa...fiquei muito emocionado e orgulhoso do seu feito e toda a repercussão...os artigos estão ótimos..junto com suas anotações....parabéns...aguardamos ansiosos seu retorno
Marcelo, Tereza e Guilherme

Oi, André Que bom que você gostou da matéria. Agradeço o convite, e te desejo um Feliz Natal e Ano Novo. Um abraço, Ane (Anelise Zanoni)

Bien!!! Propósito cumolido.Me alegro por vos. Ojalà alguna vez se te pueda imitar particularmente la osadìa. Que estas festividades cristianas te permitan reconfortarte con tu familia y la paz te ilumine. Hasta cualquier momento Con cariño Diana

Que bom saber que tu chegou bem Brodinho!!!
O pessoal aqui ainda quer passar muitos verões contigo lá na Guarda, hehehe!!
E quando tu vai pra lá?? Eu to morrendo de saudades de lá, só que esse verão eu não sei se vou, tava a fim de ir e ficar um tempão, só que não tem ninguém pra ir comigo por enquanto!
Mas mantemos contato!!
Feliz Natal pra ti e a família, e toma cuidado nestas tuas aventuras!!
Beijos!
Mariana!

Oi amigo, realmente vc é doido de pedra....curte mesmo aventuras, vou demorar
alguns dias para ler seu relato, + creio que vai ser legal.
manda noticias e quando chegar em floripa liga pra marcar algo.
Bjos Elô


amigo, andré
eu cresci..tu não..., mas em compensação...enquanto tu aprendesses e desafiasses esse
"MUNDÃO DE MEU DEUS" , eu fiquei por aqui quase virando abóbora...de qualquer forma,,,, humilde como sou ,,fiquei SUPER orgulhosa de ter o privilégio de tê-lo conhecido e ainda mais de tê-lo recebido em minha casa para ouvir as aventuras contadas pelo próprio 'Indiana Jones".... o máximo...!!!! Vou imprimir este material, anexar todas as fotos que eu tiver, encadernar e me deliciar lendo...bem nas partes de "medo"..nem tanto assim...desejo que a segunda etapa transcorra tudo bem...até pq, reza a lenda , que o HOMEM lá de cima protege os bêbados, os loucos e as crianças,,,, com todo respeito.....

antes de mais nada, quero deixar registrada minha admiração, por tua coragem de ir atrás dos teu sonhos e por assumires teus medos, caso contrário, já estarias morto...

desejo do fundo que o Bom Deus continue ao teu lado na próxima etapa e que atinja todos os teus objetivos. Que as imagens sejam belas, que teu auto-conhecimento desenvolva-se ainda mais e que o prazer da chegada seja inebriante!
Estaremos, com certeza, todos por aqui, já enxergando teu sorriso maroto que mesmo com a tal da idade, graças a Deus, insiste em não te deixar. gashô( o Deus que existe em mim , saúda o Deus que existe em você) fraterno abraço kátia cunha

Gracias por compartir tan buenos recuerdos,
FELIZ Y PROSPERO AÑO NUEVO
SALUDOS DESDE COSTA SOLAR EMPEDRADO ARGENTINA

OI André!
Sou a Débora Mespaque filha do Dílson, daquela família de mergulhões e cachorros, gatos, galinhas etc..hahaha
Dei uma lida rápida ñ li tudo mais já deu pra ter uma noção de tudo que estas vivendo nessa aventura!!
Só para reforçar o que já sabes, lá em casa serás sempre bem recebido e quero te convidar para apareceres por lá com mais calma, tem muitos lugares por lá para conheceres e meu pai terá o maior prazer em te mostrar!!
Um grande abraço!
Família Mespaque.